domingo, dezembro 10, 2017

Gandhi e a doutrina da não-violência

Gandhi foi uma das mais importantes figuras históricas da Índia. Ele conseguiu tornar seu país independente da Inglaterra sem guerra ou violência e até hoje é visto como um homem santo, especialmente nas pequenas vilas indianas.  Os indianos tinham tão grande respeito por ele que o chamavam de Mahatma (Grande alma).
Essa grande alma nasceu no distrito de Gujarat, um local remoto e pouco visitado da Índia. O pai de Gandhi era primeiro ministro de Porbander. A mãe era devota de uma pequena seita conhecida como pranamis, uma mistura de hinduísmo com islamismo. Em seus templos, o Alcorão e os livros sagrados indianos eram igualmente venerados. Entre os preceitos desse culto estava o respeito por todas as crenças e a simplicidade no modo de vida, o que implicava em um vegetarianismo rígido, a repulsa do álcool e ao fumo e jejuns periódicos. Todos esses preceitos teriam grande influência sobre Gandhi.
Mas quem visse o pequeno Mohandas Karamchand Gandhi quando criança dificilmente desconfiaria de sua importância futura. Ele era extremamente tímido e aluno medíocre. Parecia tão burro que a única saída encontrada pela família foi enviá-lo para Londres para freqüentar o Inner Temple, uma escola tão fácil que até o mais estúpido dos alunos conseguia aprovação.
Gandhi, como a maioria dos indianos da época, sentia um misto de ressentimento e admiração pelos colonizadores ingleses, especialmente por causa da estatura elevada e vigor físico. Assim que chegou a Londres, Gandhi  se empenhou em tornar-se um perfeito inglês. Comprou um trraje ocidental, uma cartola e uma bengala. Tomou lições de dicção, francês e violino. Só não imitou os ocidentais no hábito de comer carne, uma promessa que havia feito à mãe antes de sair de sua terra natal.
Em sua estada em Londres, ele descobriu um restaurante vegetariano onde teve contato com livros que o marcariam para o resto da vida. Um deles foi Pelo Vegetarianismo, de H. S. Salt. A partir da leitura desse livro ele passou a atuar em sociedades vegetarianas, mas era tão tímido que tinha de pedir a outras pessoas que lessem seus comunicados.
Surpreendentemente, um dos livros que ele redescobriu na sua fase inglesa foi justamente um clássico indiano, o Bagavad Gita. Gandhi ficou tão fascinado que tomou esse livro como guia pelo resto da vida. Para ele, o livro devia ser visto não como uma verdade histórica, mas como uma alegoria. Assim, Krishna não estaria estimulando Arjuna a cumprir seus deveres militares, mas  ensinando à humanidade o valor do não-engajamento e a necessidade de agir sem desejar os frutos da ação.
Na época, ele leu também textos budistas, islâmicos e cristão e tentou encontrar algo em comum entre essas crenças. Achou o que queria na idéia de renúncia.
Outros autores que o influenciaram foram Tosltoi, com O reino dos céus está em você (livro no qual a doutrina da ação sem violência) e John Ruskin, com Unto this Last. Este último livro mostrou a Gandhi que a violência era gerada por uma ordem social desigual, o que o levaria a lutar contra o sistema de castas na Índia.
Em toda a sua história de lutas, Gandhi sempre se preocupara com a qualidade de vida das pessoas. Achava que as pessoas só seriam felizes se fosse livres para viver de acordo com suas escolhas. Mas essa liberdade também implicava o respeito à liberdade e dignidade dos demais.
Em 1891 ele estava formado em direito e rumou para casa e se deparou com o primeiro caso que lhe mostraria a realidade cruel do imperialismo. Enquanto estava na Inglaterra ele conhecera um homem chamado Charles Ollivant, um tipo educado e amistoso, que trabalhava como funcionário público na Índia. Gandhi precisou procurá-lo para resolver uma questão pessoal, mas foi recebido friamente  e acabou sendo expulso da propriedade. Gandhi protestou por escrito por aquela ofensa à sua dignidade. Ollivant respondeu que um indiano não tinha uma dignidade que pudesse ser resguardada.
 Essa experiência lhe mostrou como o relacionamento entre as pessoas pode ser corrompido quando uma domina a outra, uma realidade que ficaria mais clara quando ele viajou para a África do Sul para trabalhar como advogado. Para representar seu cliente, ele precisaria viajar de trem até Pretória. Assim, comprou uma passagem de primeira classe e esperou a viagem. Nisso um inglês entrou na cabine, viu Gandhi e voltou com um funcionário da ferrovia, que ordenou a Gandhi para viajar o vagão de bagagens. Isso se repetiu durante toda a viagem. Gandhi chegou até mesmo a ser espancado por um homem, só por ser indiano.
A luta contra o tratamento dado aos indianos na África seria a primeira bandeira defendida por Gandhi. Além de não poderem viajar na primeira classe, os indianos não tinham direito a voto e eram obrigados a se registrarem. Um policial poderia entrar numa casa indiana e revistar todos para ver se tinham o registro, o que era considerado uma ofensa, especialmente por causa das mulheres. Além disso, era cobrado um imposto abusivo de cada trabalhador indiano. Para piorar, uma lei declarava sem efeito os casamentos mulçumanos, parse e hindu.
Usando inicialmente de meios legais, Gandhi conseguiu algumas vitórias, como, por exemplo, uma indenização a um indiano que fora expulso de um trem. Mas logo ficou claro que só isso não seria o suficiente. Assim, ele empregou pela primeira vez a satyagraha, força-verdade, uma espécie de resistência civil pacífica que pretendia não derrotar o inimigo, mas trazê-los para sua causa.
Os registros, por exemplo, foram boicotados. Os indianos eram orientados a não molestarem ou insultarem qualquer um que quisesse se registrar. Mesmo assim, o registro foi um fiasco. Os indianos também foram orientados a saírem para a rua e negociarem sem licença, o que provocaria suas prisões.  As mulheres logo entraram nos protestos. Logos as prisões estavam lotadas de manifestantes, provocando grandes problemas e constrangimentos para as autoridades.
A polícia também usou de violência, atirando contra trabalhadores, o que colocou a opinião pública contra o governo. Até o Vice-rei da Índia protestou contra a situação na África e as autoridades foram obrigadas a libertar Gandhi e negociar. Os indianos tiveram praticamente todas as suas exigências atendidas.
Quando Gandhi voltou a Índia, foi recebido como herói nacional. Ele era visto como o homem capaz de devolver a liberdade ao país. Mas ele deixou claro que não queria apenas a independência da Índia: queria também uma situação melhor para o povo e o fim da sociedade de castas. Esse posicionamento foi demonstrado numa reunião do congresso nacional. Os párias eram proibidos de entrar, o que provocou um problema, já que eles eram encarregados de limpar os banheiros. Gandhi não pensou duas vezes: pegou a material e foi limpar o vaso que pretendia usar. Além disso, ele abandonou os trajes ocidentais e começou a usar roupa feita por ele mesmo. Ele percebeu que a indústria de tecidos havia destruído uma importante parte da cultura indiana e provocado mais miséria e infelicidade. Assim, ele elegeu a roca (instrumento usado para fiar o algodão) como símbolo de sua filosofia.
Sob a liderança de Gandhi, os indianos começaram a bular leis e regras abusivas. Os protestos incluíam fazer sal (só os ingleses tinham autorização para fazer sal), vender livros proibidos ou distribuir o jornal Satyagrahi, editado por Gandhi. O Vice-rei foi avisado como parte da filosofia de Gandhi de ser totalmente leal com o adversário.
A reação das autoridades foi violenta. 379 pessoas foram mortas e mais de mil pessoas foram feridas. Para desgosto de Gandhi, muitos indianos haviam reagido violentamente à provocação da polícia, mas apenas nos locais onde não havia voluntários treinados na não-violência, ou onde estes haviam sido presos.
Gandhi foi preso e seu julgamento foi um ótimo exemplo de sua política de converter o oponente.  Juiz e réu trataram-se com tão grande cavalheirismo que muitos perceberam que o magistrado o admirava por sua coragem e probidade.
Gandhi foi condenado a seis anos de prisão e agradeceu a cortesia com que foi tratado.
Ao fim desse tempo, ele voltou à ação, numa serie de protestos que levariam a Índia à independência.
Um dos atos mais importantes dessa luta foi a marcha do sal, acontecida em 1930.
Os indianos eram proibidos de fazer o próprio sal e eram obrigados a pagar altas taxas pelo sal fabricado pelos ingleses. Quem mais sofria com essa determinação eram os pobres. Assim, Gandhi iniciou uma marcha na direção das salinas. Antes, ele mandou uma carta ao Vice-rei, informando-o do movimento. A marcha começou com 78 participantes, mas aos poucos foram se juntando milhares de pessoas. Os ingleses começaram a prender a todos que podiam, mas logo as prisões estavam lotadas.
Além das prisões, a polícia usou de extrema violência, mas os indianos não revidavam, pois sabiam que, se isso acontecesse, Gandhi cancelaria o movimento.
Um repórter que assistira aos protestos escreveu que os ingleses (que se orgulhavam muito de sua civilidade) haviam tido uma derrota moral ao agirem como bárbaro diante de pessoas totalmente pacíficas.
A opinião pública se voltou contra a Inglaterra e o Vice-rei foi obrigado a negociar.
Gandhi também comandou boicotes a produtos ingleses, especialmente as roupas. Ele propunha que as roupas fossem feitas pelas próprias pessoas, independente de sua condição social.
Nos anos seguintes, ele foi preso diversas vezes, mas as prisões, ao invés de calá-lo, só pareciam multiplicar o número de seus seguidores.
 Finalmente, em 15 de agosto de 1947, a Índia tornou-se independente, mas Gandhi não comemorou. Ele estava triste por saber que o país que tanto amava ia ser dividido em dois: o Paquistão, de religião mulçumana e a Índia, predominantemente hindu.
No dia 30 de janeiro de 1948 ele foi assassinado a tiros, em Nova Déli, por um fanático hindu, que não aceitava a política de Gandhi, segundo a qual todas as pessoas fossem tratadas com justiça e generosidade, independente da religião. Apesar do pedido de Mahatma para seu assassino não fosse punido, este foi preso e enforcado.
George Woodcock diz, no livro As idéias de Gandhi, que este foi um dos políticos mais hábeis de seu tempo, ¨ainda mais notável porque, recordando as lições do Bagavad Gita, jamais buscou recompensas da política¨.

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