Uma das melhores partes do livro de contos Sombras da noite, de Stephen King é o prefácio, escrito pelo próprio autor. King costuma fazer prefácios deliciosos, nos quais relata fatos de sua vida pessoal e conta os bastidores de seus livros. Nessa antologia, no entanto, ele segue um caminho diferente: prefere refletir sobre o que é o terror e qual o mecanismo psicológico por trás dele.
King começa sua análise referenciando uma resenha de um filme
de terror no qual o crítico dizia que a película era indicada para pessoas que
costumam diminuir a velocidade para ver um acidente de carro. Segundo King, a
maioria das pessoas tem esse instinto e é isso que o gênero explora, mesmo em
suas versões mais refinadas: “Eles anda estão mostrando o acidente de carro; os
corpos foram removidos, mas ainda podemos ver as ferragens retorcidas e
observar o sangue no estofamento. Em alguns casos, a delicadeza, a ausência de
melodrama, o tom grave e estudado da
racionalidade que perspassa histórias como O véu negro do ministro é ainda mais
terrível do que as monstruosidades batráquias de Lovecraft ou o auto de fé de O
poço e o pêndulo, de Poe”.
Segundo King, todos temos interesses nos horrores, sejam
ficcionais ou reais. Mas esse interesse é acompanhado por um sentimento de
culpa “uma culpa que não parece muito diferente da culpa que costuma acompanhar
o despertar sexual”. Segundo King, se o sexo leva à autopreservação, o medo
leva à compreensão de nosso fim derradeiro. Talvez por isso sexo e terror andem
quase sempre juntos (algo praticamente explícito no mito do vampiro).
Para King, o gênero faz sucesso porque permite um processo de
identificação e catarse. Dessa forma, o terror funciona como uma espécie de
filtro entre o consciente e o subconsciente: “A ficção de terror é como uma
estação central de metrô na psique humana, entre a linha azul daquilo que
conseguimos incorporar com segurança e linha vermelha daquilo de que precisamos
nos livrar”.
Ao ler um conto de terror, o leitor tira do cesto um dos
horrores imaginários do escritor e coloca ali seus horrores pessoais.
Essa teoria é exemplificada com dois fenômenos: os filmes
sobre insetos gigantes e os filmes de terror adolescente.
Os filmes sobre insetos gigantes revelam o medo do terror
atômico. Os insetos invariavelmente se transformam quando entram em contato com
radiação. Segundo King, eles revelam uma Gestalt de terror de um país inteiro
diante da nova era que o Projeto Manhattan inagurara.
Os filmes de terror adolescente, como Eu fui um lobisomem
adolescente revelam um fenômeno mais complexo. Do ponto de vista dos pais,
revela o medo diante da revolução juvenil que já se fermentava no final dos
anos 60. Para os adolescentes, era uma oportunidade de ver alguém mais feio do
que eles se sentiam. O que eram algumas espinhas diante da coisa trôpega do
filme Eu fui um Frankstein adolescente?
Por outro lado, esses mesmos filmes expressam o sentimento
dos adolescentes de que estavam sendo injustamente subjugados e diminuídos
pelos mais velhos. Esse último aspecto de catarse se revela no invariável
esquema dos enredos: uma criatura terrível está ameaçando a cidade; apenas os
adolescentes sabem disso e não conseguem convencer os adultos do perigo; no
final são os garotos espertos que dão cabo da criatura verruguenta e depois se
reúnem no ponto de encontro costumeiro para beber chocolate maltado e dançar
enquanto os créditos rolam sobre a tela.
King esclarece, no entanto, que diretores e roteiristas não
tinham noção de que estavam criando uma peça de catarse coletiva: “isso
aconteceu porque as histórias de terror ficam mais à vontade naquele ponto de
conexão entre o consciente e o insconsciente, o lugar onde tanto a imagem como a
alegoria ocorrem mais naturalmente e com efeito mais devastador”.
É muita coisa para um gênero que durante anos foi visto com
desdém pela crítica.
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