sábado, fevereiro 17, 2024

O Gabinete de curiosidades de Guillermo del toro

 


No final da Idade Média começaram a surgir gabinetes de curiosidades. Eles podiam ser um edifício, um quarto ou uma mobília. Era ali que eram alojados quadros, livros, amostras de história natural e história não natural, como dentes de dragão, chifres de unicórnio e muito mais.

O cineasta Guillermo Del Toro aproveitou esse mote para criar uma série com histórias fechadas de terror. Ele inicia cada episódio abrindo o móvel e tirando de lá o objeto que irá simbolizar a trama do conto – o que funciona muito bem como abertura dos episódios.  

Com um resultado irregular, a série tem episódios realmente memoráveis e outros totalmente descartáveis. Abaixo relaciono um a um, indo do melhor ao pior episódio.

 


A autópsia


Dirigido por David Prior, o episódio gira em torno de um mistérioso acidente em uma mina. Um homem que trabalhava lá parece ter explodido uma bomba no local. antes disso, ele havia desaparecido e surgido novamente modificado, com outro nome, ao mesmo tempo em que várias pessoas do vilarejo começavam a sumir. Para tentar descobrir o que está acontecendo, o xerife chama um velho amigo para fazer a autópsia. Por trás disso, há o drama do médico, que sofre de câncer e tem no máximo seis meses de vida. É um episódio tenso ao extremo, com um final surpreendente que ganha muito com a interpretação extraordinária de F. Murray Abraham como o médico.

 

O Murmúrio

Facilmente o melhor episódio, empatado com a autópsia. Dirigido por Jennifer Kent, a trama é focada num casal de ornitologistas (pesquisadores de pássaros). Eles estão investigando os sons e movimentações de pássaros e são instalados numa casa antiga e distante de tudo. O casal perdeu um bebê há um ano e esse drama se entrelaça com um drama sobrenatural: a mulher começa a ouvir e ver fantasmas. O horror da casa mal-assombrada se mistura ao horror vivido pelo casal, que parece prestes a se separar depois da tragédia. Além disso, os pássaros parecem estar, de algum modo, conectados a tudo isso. Tudo é tão bem articulado, tão interessante que não tiramos o olho da tela um instante. Só por esse episódio a série já valeria a pena. Detalhe: esse episódio praticamente não tem efeitos especiais, o que mostra que uma história de terror não precisa de efeitos mirabolantes para ser boa.

 


A inspeção

Escrito e dirigido por Panos Cosmatos, o episódio é uma homenagem ao cinema dos anos 1970, com imagens, cores, luzes que refletem diretamente a influência de diretores como Stanley Kubricky. Na história, um grupo de especialistas é reunido por um milionário, estimulados a experimentar diversas drogas e finalmente apresentados a um mistério, que deverão solucionar. É um episódio em que temos a impressão de que algo vai acontecer desde o início, sensação destacada pelos closes, planos detalhes e pela música feita com sintetizadores. Infelizmente, essa ótima preparação não desemboca num final adequado. A partir de certo ponto, quando o terror surge mesmo, tudo parece meio forçado, o que fez com que eu não considerasse esse o melhor episódio. Mas ainda assim é uma experiência estética extraordinária.

 


Por fora

A história, dirigida por Ana Lily Amirpour, é focada numa esquisitona que não consegue se encaixar socialmente e sente inveja das colegas do banco. Tudo muda quando ela vê um anúncio na TV de um creme que promete transformá-la numa mulher deslumbrante. Mas o processo poderá tirar dela suas características mais humanas. É um episódio com uma interessante crítica social, que funciona até certo ponto, quando há um exagero no uso dos efeitos especiais, tirando o foco do terror psicológico que caracterizava o episódio até ali.

 




Modelo de Pickman

Baseado numa hitória de H.P. Lovecraft, essa história, dirigida por Keith Thomas, é focada num pintor atormentado por um quadro pintado por um colega.  O episódio aproveita bem o contexto de horror psicológico provocado pela visão de uma obra arcana. Não chega a ser genial, mas de fato é uma boa história de terror.

 


Lote 36

Dirigido por Guillermo Navarro, o episódio conta a história de um veterano de guerra que vive de arrematar depósitos cujos donos ou não pagaram o aluguel ou morreram. Mas nisso ele se depara com um lote que revela segredos de magia negra, que o levará à perdição. Fica na média do Modelo de Pickman: apenas uma boa história de terror.

 


Ratos do cemitério

O zelador de um cemitério paga suas dívidas de jogo roubando objetos de valor enterrados junto com cadáveres. Mas ele começa a perceber que ratos estão roubando os corpos antes dele e faz uma incursão aos subterrâneos do cemitério para tentar acabar com os ratos. Para começar o próprio mote não faz muito sentido: por que os ratos iriam roubar cadáveres? Se fosse para comida, eles poderiam comê-los ali mesmo, na sepultura, sem precisar levar os corpos e seus objetos de valor. A trama parece apenas uma desculpa para muitos efeitos especiais bem ao estilo dos anos 80. Numa série como essa, parece o episódio mais conservador em termos de história. Nem as referências a H.P. Lovecraft salvam esse episódio dirigido por Vincenzo Natali.

 


Sonhos na casa da bruxa

Uma das características da obra de Lovecraft é aquilo que Edgar Alan Poe chamava escrever de uma sentada: eram textos com uma narrativa muito clara, que se tornavam muitas vezes extensos graças às descrições aterradoras (que muitas vezes não descreviam nada e serviam apenas para criar um clima de pavor). Este episódio dirigido por Catherine Hardwicke não apresenta nenhuma dessas características. O roteiro se perde numa trama com muitas idas e voltas cheias de efeitos especiais sobre um rapaz cuja irmã morreu e quer trazê-la de volta. O fato do episódio ser protagonizado por Rupert Grint, que interpretava o Ron da série Harry Potter, também não ajuda. Parece que estamos vendo um episódio mais pesado da saga do bruxinho.

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