A teoria
hipodérmica surgiu no início do século XX, com forte influência da psicologia
comportamental. Foi a primeira tentativa de explicar os efeitos dos Meios de
Comunicação de Massa sobre a sociedade.
Amparada nos
exemplos do uso da propaganda por regimes totalitários e pelo pânico provocado
pela transmissão radiofônica do romance A
Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, dirigida por Orson Welles, esse modelo
comunicacional via a mídia como uma agulha que injetava seus conteúdos no
receptor sem qualquer tipo de barreira, criando um estímulo que provocava uma
resposta imediata e positiva por parte dos receptores, vistos como atomizados e
idiotizados.
Sua influência
sobre os estudos a respeito da comunicação massiva foi enorme, o que alimentou
a imaginação popular com a ideia de que a mídia tem um poder absoluto sobre sua
audiência.
A teoria
hipodérmica (ou da bala mágica, como também é conhecida) influenciou até mesmo
um subgênero da ficção-científica, as distopias. Em obras como 1984, de George Orwell, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, e Admirável mundo novo, de Adous Huxley, a
televisão, o cinema e outras mídias são usados para massificar e idiotizar os
indivíduos, tirando-lhes a capacidade crítica.
Na experiência de Pavlov, o cachorro passa a salivar mesmo sem a comida, apenas com o estímulo sonoro. |
A
teoria utilizava o esquema estímulo – resposta da psicologia behavorista. A
experiência de Pavlov com um cachorro seria a base da análise dos fenômenos
midiáticos.
Pavlov observou
que o animal salivava toda vez que lhe era apresentada a comida, um ato
instintivo do organismo, preparatório para a digestão. Assim, toda vez que ia
alimentar o animal, o cientista tocava uma sineta. Por fim, tocava apenas a
sineta. Mesmo não havendo comida, o cão respondia ao estímulo (som da sineta)
com uma resposta (salivando).
Por analogia,
esse esquema foi utilizado no campo da comunicação de modo que as mensagens
enviadas pela mídia seriam o estímulo que levaria uma resposta certa e imediata
por parte dos receptores, vistos como atomizados, acríticos e condicionados.
Na perspectiva
hipodérmica os efeitos são dados como certos, inevitáveis e instantâneos. Se
uma pessoa é apanhada pela propaganda, passa a ser controlada e manipulada,
leva a agir.
Os estudiosos
viam os indivíduos como átomos isolados, com pouca influência dos grupos
sociais e altamente manipulados pela mídia. Nessa perspectiva, seriam
impensável respostas individuais ou que discordassem do estímulo midiático.
O nome,
inclusive, refere-se à agulha usada para injetar medicamentos abaixo da pele do
paciente, assegurando assim um resultado imediato. De fato, a agulha
hipodérmica, é a usada por médicos em hospitais para injetarem medicamentos nos
pacientes (hipo é abaixo e derme é pele), assegurando uma resposta
mais rápida do paciente à medicação. Assima mídia é vista como uma agulha, que
injeta seus conteúdos diretamente no cérebro dos receptores, sem nenhum tipo de
barreira ou obstáculo.
Nessa
percepção, o processo de comunicação é totalmente assimétrico, com um emissor
ativo, que produz o estímulo e os destinatários são vistos como uma massa
passiva à qual só resta obedecer ao estímulo. Os papeis emissor – receptor
surgem isolados de qualquer contexto social ou cultural.
Pelo
menos dois fatos contribuíram para a popularidade dessa teoria entre os
intelectuais da primeira metade do século XX: o uso da propaganda por regimes
totalitários e o pânico Guerra dos Mundos.
O pânico guerra dos mundos ajudou a popularizar a teoria hipodérmica. |
Na noite do dia 30 de outubro de 1938, rádio CBS
(Columbia Broadcasting System) interrompeu sua programação musical para
noticiar uma invasão extraterrestre iniciada na cidade de Grover´s Mill, no
estado de New Jersey.
O programa era, na verdade, uma adaptação do livro A guerra dos mundos, de H. G. Wells. O
diretor, Orson Welles, organizou a adaptação como uma grande cobertura
jornalística com reportagens externas, entrevistas com testemunhas, opiniões de
peritos e autoridades, efeitos sonoros, sons ambientes, gritos e repórteres
emocionados.
Muitas pessoas ligaram o rádio no meio da programação
e acharam que estavam de fato diante de uma invasão extraterrestre. Os serviços
telefônicos ficaram congestionados. Nas grandes cidades houve engarrafamentos
devido às pessoas que tentavam fugir dos alienígenas.
O medo
paralisou três cidades. Houve pânico
principalmente em localidades próximas a Nova Jersey. Além disso, houve fuga em
massa e desespero em cidades como Nova York.
Na cidade mais
próxima do suposto local da batalha, Newsmark, 50 mil pessoas fugram de suas
casas, procurando abrigo na floresta. Pessoas se jogavam das janelas dos
prédios. Outras saíam de casa atirando.
O
pânico total, provocado por um fato criado pela mídia convenceu pesquisadores
de que esta tinha um poder absoluto sobre sua audiência. A audiência passou a
ser vista como uma massa amorfa, que apenas respondia, passivamente, os
estímulos dos meios de comunicação.
Outro fato
fundamental para a popularidade da teoria hipodérmica foi a maneira como os regimes totalitários
utilizaram os meios de comunicação para manipular a população.
O nazismo, por
exemplo, usou amplamente o cinema, o rádio e os jornais como veículos de
doutrinação. Até mesmo os encontros do partido eram organizados no sentido de
intensificar o sentimento de massa.
Goebbels,
ministro da propaganda de Hitler, afirmava que o cinema era um dos meios mais
modernos e científicos de influenciar as massas. Dava tal importância ao mesmo
que as filmagens continuaram até quando os russos já estavam às portas de
Berlin, pois acreditava-se que a única forma de reverter a derrota era através
da propaganda.
Filmes como O judeu Suss ampliaram o sentimento anti-semita entre os alemães. |
O princípio
básico de Goebbels era unir propaganda e
diversão de modo que o receptor não conseguisse diferenciar um do outro. O
filme Os Rothschild (dirigido por
Erich Waschmeck, 1940), por exemplo, conta como uma família de judeus ingleses
enriquece graças às guerras napoleônicas. O
judeu Suss (1940) mostrava um ministro das finanças ambicioso e libidinoso
que se apaixona por uma moça ariana e faz de tudo para separá-la de seu amado,
igualmente ariano. O filme, um enorme sucesso na época, era exibido no leste
europeu, para soldados responsáveis pelo fuzilamento de judeus e para guardas
de campos de concentração. O diretor, Veit Varlan, chegou a ser processado pelo
Tribunal Estadual de Hamburgo por crime contra a humanidade.
Um dos
clássicos da propaganda nazista é O
triunfo da vontade, filme de Leni Riefenstahl sobre o congresso nazista de
1936. Em uma das cenas mais emblemáticas, o avião que traz Hitler plana sobre
as nuvens, que se abrem enquanto ele desce sobre a cidade, como se o líder
estivesse trazendo o sol para a Alemanha.
Filmes como
esse tiveram importância fundamental na sustentação do regime nazista alemão.
Embora
seja um dos paradigmas mais difundidas na área de comunicação e também a que mais
influência teve, a teoria hipodérmica é também a mais criticada.
Dentro da
própria corrente funcionalista (Laswell, criador do da teoria hipodérmica, era
funcionalista) surgiram pesquisas que colocariam em questão o princípio
mecanicista de efeito direto e indiferenciado. Lazzarsfeld, por exemplo,
descobriu que líderes de grupos primários poderiam até mesmo modificar o
significado da propaganda, fazendo-a se virar contra os emissores.
Esses líderes
de opinião influenciam o pensamento de sua comunidade e relativizariam o poder
dos meios de comunicação.
Mesmo
a mídia traz os mais diversos tipos de estímulos, muitos contraditórios, como
as campanhas contra o consumo de álcool por motoristas e as propagandas de
cerveja.
A campanha da antarctica chocou-se com o sentimento religioso da população. |
Existem
também fatores externos, culturais, sociais e religiosos, que influenciam o
consumidor, enviando estímulos diversos daqueles veiculados na mídia. Exemplo
disso foi a campanha “Do jeito que o Diabo gosta”, da cerveja Antarctica, em
que a personagem Feiticeira protagonizava uma diabinha. A campanha, um sucesso em metrópoles, como
Rio de Janeiro e São Paulo, foi rejeitada em cidades das regiões Norte e
Nordeste. Muitos donos de bares se negavam até mesmo a pregar cartazes da
campanha, oem protesto. Nesse caso, o estímulo da mídia chocou-se com o
estímulo religioso, que vê a palavra “Diabo”, como algo negativo. Se nos
grandes centros, o público interpretou a propaganda como uma brincadeira, nas
cidades mais conservadoras, o público preferiu alinhar-se aos estímulos
religiosos.
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