Um dos mais
carismáticos – senão o mais carismático – personagem da Bonelli é Mister No.
Lançado em 1975 em revista própria, o herói estreou em uma aventura cujo título
era o seu próprio nome.
A forma como a
história começa mostra a genialidade de Sergio Bonelli (roteirista e criador do
personagem, sob o pseudônimo de Guido Nolitta).
Um guia de viagens apresenta o personagem e a ambientação.
A sequência é focada
em um agente de viagens, que tenta vender um pacote de férias para um casal.
Ele oferece uma excursão à Itália, à França. Quando ouve que querem conhecer o
Brasil, sugere o Rio de Janeiro, mas o casal prefere um local tranquilo,
afastado da civilização moderna.
“Nesse caso, tenho o
local ideal: um lugar que, pelo clima e sua falta de meios de comunicação,
garante um isolamento absoluto. Aqui está senhores: a Amazônia... ou, para ser
mais preciso, Manaus... uma sonolenta cidade no coração da selva amazônica,
acessível somente por via fluvial, com uma viagem de dez dias!”.
O contraste entre a fala do guia e a realidade de Mister No cria uma ironia narrativa.
É aqui que entra o
herói: “Há seis meses mandei um amigo para lá vindo da guerra, um herói da
aviação... um cara tão difícil de contentar, tão ranhento que o tem o apelido
de Mister No!”.
Sergio Bonelli
consegue, de maneira natural, caracterizar o personagem, explicar seu nome e
ainda ambientar a história. E faz isso de maneira que o leitor se sente
interessado e curioso em saber quem é o tal Mister No.
Além de jogador compulsivo, Mister No é um beberrão.
A sequência ainda
traz uma ironia narrativa. O agente termina sua fala lendo um telegrama do
aviador: “Perceberam? Se Mister No diz Ok, significa que tudo lá é perfeito,
maravilhoso!”.
E, na página seguinte
vemos Mister No em Manaus, apanhando de alguns valentões.
O personagem é contratado para um trabalho...
O contraste entre o que é dito pelo agente de viagens e a situação em que de fato vemos o herói torna a HQ ainda mais curiosa e interessante.
O leitor descobre que
Mister No está apanhando rufiões que não querem mais que ele jogue pôquer com
os hospedes do Hotel Amazonas, pois eles querem, eles mesmos, explorá-los com suas
cartas marcadas e dados viciados. Em uma surpreendente reviravolta, o herói
consegue derrotar os bandidos em uma briga em que quase é quebrada uma garrafa
de conhaque. “Eu não me importo de quebrar as caras e as cabeças de vocês...
mas quebrar uma garrafa de conhaque quase cheia eu jamais me perdoaria!”.
... mas logo descobre que se trata de uma roubada.
A sequência termina
de completar a caracterização: Mister No não só é ranhento, ele também é um
beberrão que adora apostar no pôquer. Ou seja, está muito mais para um
anti-herói do que para um herói certinho dos quadrinhos.
Nessa primeira
história ele é contratado por um homem que pretende resgatar um tesouro no meio
da floresta. Claro que na verdade, o serviço é uma roubada – algo que veríamos
continuamente nas histórias do personagem. Mister No nunca sempre se ferra.
Os indígenas são mostrados de forma estereotipada.
Apesar de todos os
aspectos positivos, a história tem um problema: os indígenas são mostrados como
ameaças, que atacam os personagens sem que nem porque, da mesma forma que os
nos faroestes clássicos. Com o tempo isso seria modificado e as histórias
evitariam essa visão estereotipadas dos povos orginários.
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