Início

terça-feira, agosto 05, 2025

Entropia e a morte do universo

 


A entropia é um dos mais instigantes e também um dos mais controversos conceitos da cibernética. Nilson Lage define entropia como o oposto de redundância e equivalente ao conceito de informação: "O conceito de redundância relaciona-se com alta previsibilidade; o de entropia com baixa previsibilidade".  Nobert Wiener, o criador da cibernética, vai no sentido oposto: "é possível interpretar a informação conduzida por uma mensagem como sendo, essencialmente, o negativo de sua entropia".  A entropia é vista aqui não como informação, mas como redundância.  Décio Pignatari concorda com as idéias de Wiener. Para ele, a entropia negativa é igual à informação: "Na desdiferenciação de formas e funções , teríamos a tendência caótica ou entrópica, cujo ponto extremo seria a uniformização geral, o caos, onde não haveria possibilidade de informação, nem troca possível de informação".  Epstein, por sua vez, lembra que a fórmula para medir a entropia, proposta por Clausius em 1864 é idêntica à proposta por Shannon em 1948 para medir a informação de uma mensagem.  Por outro lado, a entropia pode ser tratada como uma espécie de ruído (eu
mesmo já o fiz em minha dissertação de mestrado).
Afinal, o que é entropia?  A palavra entropia foi usada pela primeira vez em 1850, pelo físico alemão Rudolf Julius Clausius (1822-1888). A origem da palavra são os radicais gregos em (dentro) e tropee (mudança, troca, alternativa).  O termo foi amplamente trabalhado na física para designar a Segunda Lei da Termodinâmica.
Há várias maneiras de enunciar essa lei, mas talvez a mais completa seja:
"Todo sistema natural, quando deixado livre, evolui para um estado de máxima desordem, correspondente a uma entropia máxima".
 A entropia representa a perda de energia do universo, que ocorre a todo instante, razão pela qual os cientistas dizem que o universo caminha para a morte térmica. Ela é irreversível. Por isso, essa energia perdida jamais será recuperada.
Esse sentido único da entropia fez com que os físicos a chamassem de "a flecha do tempo". 
Para exemplificar, imagine duas canecas de alumínio, uma a 80, outra a 20 graus centígrados. Se encostarmos uma na outra, o que ocorrerá? A caneca quente esfriará e a fria esquentará. Chegará um ponto em que as duas estarão à temperatura uniforme de 50 graus.  Essa experiência fez com que Clausius enunciasse a lei da entropia da seguinte maneira: "É impossível haver transferência espontânea de calor de um objeto frio para outro mais quente".
Outra característica da entropia é a mistura indiferenciada.  Para visualizar essa propriedade, basta imaginar dois recipientes ligados por uma comporta, um com tinta branca, outro com tinta vermelha. Ao abrirmos a comporta, as duas tintas irão se misturando aos poucos, até chegar o ponto em que não conseguiremos distinguir onde está o branco e onde está o vermelho.  Ou seja, a tinta entra em estado desordenado, pois a ordem pressupõe uma compartimentação de coisas. Uma estante em que livros e CDs estejam misturados é mais caótica do que uma estante em que os livros estejam em uma prateleira e os CDs em outra.
Um detalhe interessante da mistura das tintas é que as mesmas jamais voltarão à posição inicial, mesmo que esperemos por toda a eternidade.
É a flecha do tempo, o sentido único da entropia.
A entropia tem, também, o sentido de degradação. Assim, a velhice que vai aos poucos tomando conta de nosso corpo é um exemplo da mesma vivenciado por todos nós, diariamente. Esse processo vai se acumulando até redundar na fase final: a morte. Não é por outra razão que os físicos se referem à entropia como a morte térmica do universo.
A palavra entropia foi também usada em administração para designar empresas que se deixam dominar pelo caos, pela degradação.  Lojas em decadência são um exemplo perfeito de como a entropia pode destruir um empreendimento: a sujeira toma conta do lugar; a fachada se tornando aos poucos ilegível; as paredes desbotam; o dono não tem dinheiro o bastante para fazer as reformas necessárias; e os empregados, desestimulados, não se empenham para vender mais, diminuindo a renda da firma e acelerando sua falência.
Uma vez iniciado o processo de entropia em uma empresa, somente uma injeção maciça de dinheiro pode salvá-la. Na verdade, é mais prático e barato criar uma empresa nova do que tentar reerguer uma  dominada pela entropia.
 Na comunicação, a entropia está relacionada ao grau de desorganização da mensagem. Quanto mais desorganizada, mais entrópica.  Nos meios acadêmicos, costuma-se brincar que o melhor exemplo de entropia seria um macaco utilizando uma máquina de escrever. O resultado dessa traquinagem: uma mensagem totalmente desprovida de código e entrópica. Portanto, incompreensível.
O código é utilizado com o objetivo de evitar que o caos tome conta da mensagem.
A entropia, no entanto, pode ter uma utilização positiva na comunicação, pois uma mensagem extremamente ordenada é também uma mensagem previsível e, portanto, redundante. A característica de imprevisibilidade da entropia pode dar à comunicação um toque mais original. É o que ocorreu, por exemplo,  com o surgimento da MTV. Diante da estrutura ordenada e previsível das emissoras convencionais, a linguagem entrópica da MTV foi um sopro de criatividade.
A entropia também pode ser usada na diagramação de revistas, como demonstra a revista Trip.
Exemplos de linguagem entrópica também podem ser encontradas no cinema. O filme "Clube da Luta", por exemplo, não só usa uma linguagem caótica, como fala explicitamente do aumento da entropia no mundo atual. A cena em que o personagem principal se auto-flagela é um ótimo exemplo disso.
Vale ressaltar que, uma vez assimilada, essa linguagem entrópica vai se tornando um novo tipo de ordem.

Como diz Umberto Eco, "cada ruptura da organização banal pressupõe um novo tipo de organização, que é desordem em relação à organização anterior, mas é ordem em relação a parâmetros adotados no interior do novo discurso".

Histeria - a história do vibrador

 

 

No século XIX qualquer mulher que tivesse insônia, irritação ou simplesmente rebeldia era diagnosticada como histérica. Acreditava-se que essa doença era provocada por problemas no útero. Uma das maneiras comuns de tratá-la era massagear a vagina da mulher, o que aliviaria o útero, provocando um "paroxismo histérico". Isso era feito por um médico e supunha-se que não havia nenhum prazer envolvido. Mas os médicos acabavam ficando horas com as mãos ocupadas e sofriam com a hoje famosa LER (lesão por esforço repetitivo). Foi nesse contexto que surgiu o vibrador. Inicialmente movido a vapor, ele permitia ao médico conseguir o tal "paroxismo" em minutos. 
Essa é a história por trás do filme Histeria, a história do vibrador, de . A película conta a história do médico Mortimer Granville (Hugh Dancy), inventor do aparelho. A história mistura fatos históricos com uma comédia romântica (Granville apaixona-se pela filha rebelde de seu sócio). 
As cenas mais engraçadas e que chamam mais atenção, claro, são aquelas em que os médicos, com aparente rigor científico, levam suas pacientes ao orgasmo sem nem mesmo desconfiar disso. 
Mas há muito mais: desde uma discussão sobre a situação do povo numa época em que a Inglaterra era um império, mas seus operários viviam na miséria até a questão da luta entre paradigmas. Médico inovador, Granville só vai parar no consultório do médico que seria seu sócio porque nenhum hospital o aceita por causa de sua crença nos germes como causadores de doenças. Na época, a teoria de Pasteur era vista como fantasia pela maioria dos médicos, que se recusava até mesmo a lavar as mãos. 

Histeria, uma história do vibrador, embora não seja uma obra-prima, certamente vai agradar quem gosta de uma boa comédia e, principalmente, por quem se interessa pela história da ciência. 

Anúncio antigo de vibrador. Os médicos recomendavam.

Quarteto Fantástico - O despertar da Mulher Invisível

 

 

De todos os personagens do Quarteto Fantástico, a de menor destaque sempre foi a Mulher Invisível. Seus poderes pareciam ser apenas defensivos e muitas vezes ela nem participava de fato das tramas. Alan Moore satirizou isso na minissérie 1963. Uma das revistas era uma paródia do Quarteto e a personagem equivalente à Mulher Invisível em determinado momento varria a sala enquanto os meninos liam e respondiam as cartas. E uma das cartas pedia sua saída do grupo: “ela não bate em ninguém e ninguém pode bater nela”.
Essa situação mudou radicamelmente na ótima fase de John Byrne no título (talvez a melhor depois da saída de Lee e Kirby do quarteto). Na história o Barão Ódio, com a ajuda do Homem-psíquico, incendeia Nova York estimulando o ódio entre a população.
A trama por si já seria relevante nos dias atuais, em que discursos de ódio se disseminam facilmente pela internet. Byrne reflete sobre como o ódio ao diferente parece estar sempre encomberto por uma fina camada de gelo, que pode ser facilmente quebrada. Assim, mutantes, judeus, qualquer um que seja diferente passa a ser caçado pela população.
O Barão Ódio provoca o caos em NY estimulando o ódio entre a população. 


E, em meio a isso, o Barão consegue dominar Sue Storm, transformando-a em Malícia, uma perigosa vilã e é quando seu poder é totalmente explorado. É como se a doce garota invisível fosse incapaz de perceber a extensão total de seus poderes – capazes de derrotar até mesmo a Mulher Hulk.
O desenho de Byrne, com arte-final de Jerry Ordway e Al Gordon se encaixa perfeitamente no título, seguindo a melhor tradição de Jack Kirby e atualizando-o para a década de 1980: perfeitos nas cenas de ação ou de ficção-científica, com exemplar equilíbrio entre quadros repletos de cenários e quadros minimalistas.
O problema é no roteiro. Byrne aborda aspectos importantes da personagem, como no momento em que o Homem-psíquico explora os medos da Mulher Invisível, mas não os aprofunda.
A manipulação psíquica faz aflorar o lado malígno de Sue. 


 Além disso, em determinado ponto os heróis vão atrás do Homem-psíquico e simplesmente esquecem o Barão Ódio, que foi quem de fato manipulou Sue, tirando dela seu pior lado. Byrne esquece do personagem. Além disso, em uma sequência vemos Nova York destruída e sendo literalmente incendiada pelo ódio e na sequência seguinte tudo pareceu resolvido.
Apesar desses problemas, é uma boa história do Quarteto e merece estar em qualquer coleção. 
No Brasil essas histórias saíram nos formatinhos do Abril e recentemente na coleção Os heróis mais poderosos da Marvel, da Salvat.  

Thor – Contos de Asgard

 

 É indubitável que Stan Lee e Jack Kirby criaram uma mitologia moderna.
Nenhum personagem encarnou tão bem isso quanto o Thor. Vindo diretamente da mitologia nórdica, ele permitia a Kirby explorar a grandiosidade e a Lee a nobreza. Mas no início a revista se destacava mais pelas características do gênero super heróis do que por sua herança nórdica.
A série conta a origem dos deuses nórdicos. 


Foi Quando a dupla teve a ideia de lançar uma série derivada, na qual podiam explorar em mais detalhes os aspectos mítico do personagem que Thor se tornou o personagem que conhecemos hoje.
Com apenas cinco páginas, contos de Asgard recontava grande parte das lendas nórdicas e mostrava o melhor da Marvel. Essa série conectou definitivamente o Thor dos quadrinhos com o Thor da mitologia, dando uma identidade única à revista. 
A série introduz personagens mitológicos, como Heimdall...


Talvez em nenhum outro momento da Marvel Jack Kirby se mostrou tão a vontade. Fascinado pelas lendas nórdicas, ele está em seu elemento ao recontar as lendas desde o surgimento do universo até a criação dos deuses e dos homens. 
A dupla também aproveita para apresentar os personagens secundários, como Heimdall, o guardião da ponte do arco íris, ou Balder, e estabelecer o universo das histórias. 
... e Balder. 


Além de contos retirados diretamente da mitologia nórdica, Kirby e Lee criaram também cria contos inéditos, surgidos exclusivamente da imaginação dos dois.
Contos de Asgard é também uma pérola da síntese narrativa. Em apenas cinco páginas a dupla conseguia apresentar os personagens, estabelecer um conflito e resolvê-lo, geralmente de maneira surpreendente.
Kirby podia usar nessa série todo o seu talento para grandiosas cenas de batalha. 


Essa HQs foram reunidas em um volume da coleção de clássicos Marvel da Salvat. A edição tem dois problemas: um problema menor é a capa, que não traz um desenho de Kirby, e a coloração digital, muito escura, que esconde detalhes do traço. Mesmo assim é um item essencial na coleção de qualquer aficionado pela Marvel.

A divulgação científica nos quadrinhos

 

Defendida em 1996, minha dissertação de mestrado A divulgação científica nos quadrinhos - análise do caso Watchmen foi um dos primeiros trabalhos acadêmicos a analisar a relação entre HQs e ciência no Brasil. Tornou-se referência obrigatória inclusive sobre uso de gibis em sala de aula. 
A dissertação pode ser lida online no blog ou baixada em PDF no Repositório da Unifap

Mano Juan, de Marcos Rey

 

Mano Juan é um lançamento da Global, editora que está publicando as obras completas de Marcos Rey. O livro, escrito na década de 1970 e lançado após a morte do autor, conta a história de um guerrilheiro ferido que chega a são Paulo e, sem ter a quem recorrer, procura um jornalista que escrevera diversos artigos sobre ele. Mas é a época da ditadura militar e o repórter teme se comprometer. Além disso, Dalila, uma atriz de pornochanchadas pela qual se apaixonara, lhe prometera para aquele dia uma noite de amor em troca da publicação de suas fotos no jornal. 
Marcos Rey é um dos grandes roteiristas de cinema do Brasil, tendo escrito diversas pornochanchadas e novelas (experiência que ele conta nos livros O roteirista profissional: televisão e cinema e Esta noite ou nunca. Esse olhar cinematográfico permeia a maior parte de sua obra, inclusive a juvenil, como O Mistério do Cinco Estrelas e O Rapto do Garoto de Ouro, mas é ainda mais visível em Mano Juan. O capítulo de abertura do livro é uma boa amostra desse tino visual: construído emtakes, mostra a chegada de um guerrilheiro a São Paulo e a balbúrdia da rodoviária num feriado prolongado:

"Como era sexta-feira da Paixão parte da população da cidade batia asas. São Paulo, parcialmente deserta, transformava-se numa amplo parque ideal ao adestramento de motoristas de carta nova. (...) O número de mulheres e crianças, superior ao de homens, contribuía para intensificar a irritante sonorização do ambiente, apenas dominada pela voz de uma locutora que anunciava a partida dos ônibus numa robotizada emissão vocal (...) O tumulto maior e mais angustiante concentrava-se nas escadas, a de degraus e a rolante, onde acontecia um massacre de proporções razoáveis. Inúmeros balcões e guichês de transportadoras informavam por escrito: 'Não há mais passagens' (...) Uma mulher grávida, segurando uma criança em cada mão, parecia ter perdido o marido e chorava, um grupo de cabeludos ameaçava destruir um dos balcões de passagens, um estrangeirão, loiro, tentava fazer-se entender".

A história toda parece ter sido escrita como um roteiro de cinema, inclusive com flash backs e e referências diretas a filmes em trechos como: "Batista diante daquela bem-rodada cena do cinema nacional, ficou cabreiro e começou a lançar olhares de pesquisa ao redor", "os seios, que só vira em filmes pornô, saltaram como molas, pagando na boca do caixa o trabalho das fotografias". 

Marcos Rey constrói a trama como um thriller de humor com personagens marcantes: o guerrilheiro saudoso da infância, o jornalista que o tempo todo divide o pensamento entre o medo de ser preso e a possibilidade de conseguir, finalmente, levar a atriz para a cama; a atriz de pornochanchadas que se deslumbra com a possibilidade de fama, mas se apaixona pelo guerrilheiro; o líder sindical que é respeitado pelos trabalhadores, mas em casa é tiranizado pela mulher... O autor apresenta uma verdadeira fauna de tipos que vão desfilando diante do leitor num verdadeiro plano sequência que vai das 19h10 da sexta às 4h05 da madrugada de sábado. 

O livro tem gosto da década de 1970 em que a tensão provocada pela ditadura militar se misturava à revolução sexual, à moda hippie de vestir e à profusão de gírias. Expressões como "cana brava", "manjo seu truque, malandro", "a velha teve outro balacobaco" ajudam a dar o clima do momento histórico.

Mano Juan foi escrito em 1978, mas permaneceu inédito até 2005. Em 2003, quando a Global negociou com a viúva Palma Donato a publicação de toda a obra de Rey, ficou acertado que, além dos títulos já publicados, a editora teria prioridade sobre esse inédito. Cumprindo o acordo, a viúva entregou à editora os originais datilografados. 

A Global fez um verdadeiro trabalho de fã, com uma edição belíssima, que segue o padrão das outras obras da coleção Marcos Rey, uma sugestiva capa Victor Burton, com imagens que simbolizam bem a trama, como uma loira, um revólver, uma garrafa de uísque e um botton de Che Guevara. Além disso, incluiu uma apresentação de Ignácio de Loyola Brandão, que acertadamente escreve: "Ele (Marcos Rey) foi um homem desprezado pela crítica, mas lentamente começa a ser reavaliado, revisado e sua obra reciclada. Era um narrador sutil e fino, e a prova está em cada página deste livro que inclusive é permeado pela mais intensa ironia, pelo sarcasmo. Quem nunca leu Marcos Rey pode começar por este Mano Juan". Bom conselho. 

Piada Mortal: a HQ que revolucionou o Coringa

 


Em 1988, Alan Moore já era um roteirista famoso. Já tinha transformado o título do Monstro do Pântano num dos mais premiados dos quadrinhos norte-americanos e feito Watchmen, que revolucionaria o gênero super-heróis. Mas nunca tinha trabalhado com outra estrela britânica: o desenhista Brian Bolland. Inicialmente, eles pensaram num encontro do Batman com o Juiz Dredd, personagem que tornou Bolland famoso. Quando essa proposta fracassou, Moore perguntou ao desenhista o que ele queria fazer. A resposta foi: “O Coringa, por favor!”.
Assim nasceu a graphic novel A piada mortal, uma história avassaladora, ganhadora de diversos prêmios, que serviu de base até para as versões cinematográficas do Batman.
A história começa com o Batman entrando na cela do Coringa, no Asilo Arkhan: “Olá, eu vim conversar. Estive pensando muito ultimamente sobre você e eu. Sobre o que vai acontecer conosco no fim. Vamos acabar matando um ao outro, não? Talvez você me mate. Talvez eu o mate. Talvez mais cedo. Talvez mais tarde. Eu só queria estar certo de ter tentado mudar as coisas entre nós”.
Esse começo dá o tom da história: trata-se de um conflito psicológico em que Batman e Coringa são dois lados da mesma moeda.
O vilão, solto da cadeia, bola um plano para provar a tese de que todo mundo pode ficar doido depois de um dia difícil. Assim, ele invade o apartamento do Comissário Gordon, atira em Bárbara Gordon (Batmoça) e seqüestra o Comissário.
Em um parque de diversões abandonado, ele tortura o policial, mostrando fotos de sua filha nua e alvejada. A narrativa é intermediada de flash backs que contam a origem do Coringa, um comediante fracasso que participa de um assalto a uma fábrica para sustentar a esposa grávida, mas a vê morrer num acidente doméstico. O trauma, junto com os elementos químicos da fábrica o transformam num dos maiores vilões do universo DC. No final, a HQ dá a entender que Batman é tão louco quanto o Coringa, embora o trauma de infância (a morte dos pais) o tenha levado a outros caminhos.
A piada mortal foi tão revolucionária que influenciaria tanto a versão cinematográfica de Tim Burton (1989) quanto a de Cristopher Nolan (2008). Tim Burton chegou a declarar: “Eu adorei A piada mortal. É o meu favorito. O primeiro gibi que gostei”.

Guerras Secretas – Prisioneiros de guerra

 


O segundo número de Guerras Secretas já começava com um ataque dos vilões aos heróis. O roteirista Jim Shooter nitidamente queria colocar o máximo de ação em cada número.

Enquanto isso, Doutor Destino, em uma trama paralela, reprogramava Ultron, que no número anterior tinha tentando matar todos os vilões e tinha sido colocado fora de ação por Galactus. A partir desse número, Ultron se transformará em uma espécie de guarda-costas do vilão.

Os vilões estão ganhando a batalha... 


Embora estivesse muito preocupado em mostrar ação, Shooter não parecia muito preocupado em deixar essa ação clara. Do nada os heróis vencem e fazem vários vilões de prisioneiros – e nem sequer sabemos ao certo quem são esses vilões.

Ao mesmo tempo, Magneto invade o QG dos heróis e os vilões entram em conflito entre si.

... e de repente perdem. 


Era tanta porrada ao mesmo tempo que ficava difícil até acompanhar o que estava acontecendo. Assim, a trama, simplória, tornava-se complicada.

segunda-feira, agosto 04, 2025

Ivanhoé, de Walter Scott

 

A batalha por um trono. Um personagem sem força física, mas inteligente, que consegue se destacar por sua sagacidade e frases de efeito. Parece "As crônicas de Gelo e Fogo", série de fantasia de George Martin, mas trata-se de Ivanhoé, romance histórico escrito pelo Walter Scott e publicado na Inglaterra em 1820. O livro de Scott é um daqueles clássicos que definem um gênero a ponto de influenciar desde obras mais profundas, como os livros de Martin, até os ingênuos filmes matinês. Está tudo ali, desde suas melhores qualidades aos mais irritantes clichês (como da mocinha que acaba sendo salva em cima da hora por um herói adoentado, mas valente).

A obra se passa na Inglaterra da Idade Média. Nesse período, a ilha tinha sido invadida pelos normandos (vindos do norte da Europa e falando a língua francesa), que exerciam sua opressão e desprezo pelos habitantes locais, os saxões. 

O personagem principal, Wilfred, é um jovem nobre saxão deserdado pelo pai após aceitar os costumes cavalheirescos franceses e acompanhar o rei Ricardo Coração de Leão à Terra Santa para participar da Cruzada. Seu pai, Cedric, é um saudosista da época em que a Inglaterra era governada pelos saxões e todos os seus pensamentos parecem voltados para o retorno do domínio de sua raça sobre a ilha.
 
Ao ler a obra, é importante lembrar que ela foi escrita numa época em que o gênero romance (que seria o mais importante da literatura moderna) ainda estava se construindo. Isso provoca, de um lado, algum estranhamento pelo aparente pouco domínio de algumas técnicas narrativas e, por outro, acaba tornado muito previsível alguns acontecimentos para leitores mais atentos, que facilmente conseguem desvendar os segredos escondidos pelo autor, como o fato de que Wilfred é o cavaleiro que luta incógnito na justa ou que o arqueiro vestido de verde na verdade Robin Hood. O leitor desavisado irá estranhar principalmente as elocuções (a forma como o diálogo é introduzido na narrativa) e as descrições, muitas vezes deslocadas ou didáticas demais como se o romance se misturasse com um livro histórico. Exemplo: 

"O chão era composto de terra batida misturada com cal, que se transformava numa substância consistente, como a que é muitas vezes empregada em nossos celeiros modernos". 

Igualmente irritante são as digressões que muitas vezes paralisam a narração comprometendo o ritmo do livro ou frases desnecessárias, como: "No capítulo seguinte, vamos procurar descrever a cena que lhe surgiu diante dos olhos". 

Esses "defeitos", que mais se devem à época em que foram escritos acabam sendo suplantados pelas qualidades do livro. 

O personagem Wamba, por exemplo, um bobo da corte de Cedric, é um proto-Tyrion. Sua atuação na trama é fundamental em vários momentos e suas tiradas são praticamente equivalentes ao do anão Lannister (a ponto de se imaginar que o bobo tenha sido a principal influencia para a criação do famoso personagem de George Martin). Por exemplo, quando viaja sozinho com o rei Ricardo pela floresta e pressente que serão atacados por inimigos e que o rei não fará uso de uma trompa que poderá chamar amigos para auxiliar na luta, diz: "Quando a coragem e a loucura viajam juntas, a loucura deve encarregar-se da trompa, pois sabe tocá-la melhor". 

Outro aspecto interessante da trama é a forma como são retratados os judeus, especialmente se considerarmos que o livro foi publicado em 1820, época em que esse povo era vítima de grande preconceito. Há quem pense que a perseguição aos judeus foi invenção dos nazistas. Nada mais falso. O povo judaico era perseguido por razões religiosas desde a Idade Média e Ivanhoé tem o grande mérito de mostrar essa perseguição, retratando os judeus de maneira positiva:

"Não havia raça alguma na terra, no mar ou nas águas, que fosse objeto, por parte de todos, de tão interrupta e constante perseguição, como os judeus eram nessa mesma época. Sob os mais ligeiros e irrazóaveis pretextos, bem como ante as acusações mais absurdas e infundadas, as suas pessoas e propriedades eram expostas a todos os caprichos da fúria popular, pois os normandos, saxônicos, bretões e dinamarqueses, por mais adversas que essas raças fossem entre si, disputavam a primazia da ferocidade para com esse povo, que eles supunham, baseando-se em suas próprias religiões, dever odiar, insultar, desprezar, saquear e perseguir". 

E essa condição permaneceu por séculos, só sendo encerrada pela divulgação dos horrores dos campos de concentração nazistas. Só para termos de comparação, outro clássico romântico, Taras Bulba, do grande escritor russo Nicolai Gógol mostra com simpatia a perseguição que soldados cossacos realizavam contra os judeus, chegando até mesmo ao ponto de matá-los por pura diversão. Assim, é surpreendente que um livro escrito em 1820 mostre com tanta benesse esse povo, a ponto de colocar uma judia, Rebeca, como protagonista romântica, de caráter extremamente correto, capaz de abdicar de uma paixão por puro amor.Num romance recheado de personagens famosos, como Ricardo Coração de Leão, o princípe usurpador João, Robin Hood e outros, são justamente os que seriam os secundários, como a judia e seu pai, um bobo e um guardador de porcos que acabam se destacando, demonstração mais do que inequívoca de que Walter Scott estava muito além de seu tempo. 

Nova coletânea acadêmica reúne estudos sobre HQs e cultura pop

 ree

O livro "Quadrinhos e cultura pop - volume 2" já pode ser acessado no site da editora da Unifap. A obra é uma coletânea de artigos inicialmente apresentados no congresso internacional de cultura pop da Amazônia, o V Aspas Norte, que aconteceu em abril deste ano, e foi organizada pelos professores Rafael Senra e Ivan Carlo Andrade de Oliveira, também conhecido como Gian Danton.


O livro reúne nove artigos escritos por diversos autores que participaram do congresso, como: Daniel Braz dos Santos e Lucilene Canilha Ribeiro (UFRG); Milena Fernandes de Sousa (UNIFESP); Jade dos Santos Pedroza (UNIFESP); Alberto Ricardo Pessoa (UFPB/UFPE); Gabriel Magalhães Siston (IFES); Maria da Conceição Marques do Nascimento Souta (SEDUC-MA); Iuri Biagioni Rodrigues (EST); Luhana Baddini Lucas Costa (UNIFAP) e Ivan Carlo Andrade de Oliveira, doutor em Arte e Cultura Visual pela UFG, professor universitário e um dos organizadores da obra.


A obra apresenta uma seleção de textos que exploram uma variedade de temas ligados ao universo dos quadrinhos e da cultura pop. Entre os destaques, estão reflexões sobre a produção de quadrinhos poéticos no Brasil, a presença de símbolos religiosos nas histórias de super-heróis, o protagonismo de mulheres que abriram caminho no cinema e a força crítica das charges. Outros temas igualmente instigantes também compõem a coletânea.


Sobre os Organizadores

Rafael, é um artista que atua em diversas áreas: escreve livros, compõe músicas e cria histórias em quadrinhos. Já lançou discos tanto em carreira solo quanto usando o nome artístico Alfa Serenar. Hoje, é professor adjunto no Departamento de Letras da Universidade Federal do Amapá (Unifap). Ivan Carlo, que assina seus roteiros de quadrinhos como Gian Danton desde os anos 80, também é professor adjunto na Unifap. Ele é autor de diversos livros sobre comunicação e roteirização de HQs, além de coordenar o grupo de pesquisa Cultura Pop.
Fonte: O Zezeu

Conan – A jóia de Kara Sher

 


Na edição de Conan the barbarian 35, o cimério está no deserto com um amigo (carinhosamente chamado de “cara de macaco”) quando encontram um homem em farrapos sendo atacado por um bando de beduínos.

Qualquer pessoa sensata se afastaria dali o mais rápido possível, mas Conan nunca foi uma pessoa sensata e resolve salvar o homem. Antes de morrer, o pobre coitado murmura: “Você tentou me salvar! Eu agradeço, mas é tarde demais... no momento em que contemplei o olho azul de Kara Sher”.

A belíssima página dupla antecipa os perígos da cidade perdida. 


O tal olho azul é uma pedra muito valiosa e famosa no deserto. A fala do homem desperta a cobiça do cara de macaco e o cimério resolve acompanhá-lo.

O leitor esperto percebe logo que essa é mais uma trama de tesouros amaldiçoados. Pelo jeito havia muitos eles na era hiboriana.

A história gira em torno de uma jóia amaldiçoada. 


A pista sobre isso é dada logo na belíssima página dupla produzida por John Buscema e Ernie Chan na qual os dois personagems encontram a cidade perdida. O texto de Roy Thomas diz: “Sob a fraca iluminação da lua, erguem-se as ruínas de uma gigantesca e portentosa construção, corroída pelo tempo e parcialmente coberta pelas areias do deserto! Súbito, um pensamento ameaçador surge na mente de Conan... Kara Sher significa CIDADE DOS MORTOS!”.

Texto e desenho criam todo um clima de mistério em torno da ameaça. 


Embora seja uma trama manjada, A jóia de Kara sher consegue ser uma grande história graças principalmente, à excelência do trio criativo. A ameaça é apenas um morcego gigante, mas tanto o texto quanto o desenho criam um clima de mistério e terror em cima disso, de tal forma que o leitor sente que está de fato diante de um demônio.

Essa história foi publicada no Brasil em Heróis da TV 54. Aliás, a capa da Abril é melhor que a capa original.