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quinta-feira, dezembro 11, 2025

Conan – O labirinto do homem-monstro

 


John Buscema era um cara que sabia desenhar mulheres. Bruce Jones aproveita muito bem isso na história O labirinto do homem-monstro publicada em Conan the barbarian 142. A história se passa num harém!

A trama é continuação de uma história anterior, em que Conan salva uma garota chamada Theta (alguns nomes em inglês decididamente não funcionam em português!) de um pirata e ambos decidem tentar salvar as irmãs, vendididas como escravas em um porto marítimo. Lá eles descobrem que as foram irmãs vendidas para ricaço chamado Forbos e armam um plano: oferecer Theta como escrava e torcer para que ela seja comprada pelo mesmo proprietário das irmãs. 

Conan tenta vender Theta, mas tudo dá errado.

Claro que tudo dá errado: outra pessoa compra a garota, garantindo algumas cenas tanto de ação quanto de humor (Bruce Jones tinha um pendão para o humor e usa isso muito bem, sem descaracterizar o personagem).

Finalmente, Conan decide oferecer diretamente a moça para o ricaço e ela consegue se introduzir no palácio e achar uma das irmãs. Ocorre que ela não quer fugir. Além disso, há algo estranho: as meninas são estimuladas a engordarem. Qual o mistério por trás disso?

Qual o segredo que se esconde no labirinto? 

Enfim, uma boa história, que mistura ação, mistério, magia e humor.

Quadrinhos hiper-reais na revista Nós

 


A revista Nós, da Universidade Estadual de Goiás, dedicou um de seus números mais recentes aos quadrinhos. Entre vários artigos de alguns dos principais pesquisadores de quadrinhos do Brasil, um texto meu sobre a hiper-realidade e simulacro nos quadrinhos do Capitão Gralha.
Para acessar a revista, clique aqui.

Público, massa, multidão

 

Edgar Alan Poe antecipou a discussão sobre a psicologia das massas.

 “É uma grande desgraça não poder estar só”

LA BRYÈRE citado por EDGAR ALAN POE

Em 1840, o escritor norte-americano Edgar Alan Poe publicou um texto, depois classificado pelos organizadores de suas obras completas como conto filosófico. “O Homem das Multidões” é narrado por um homem que vai a Londres fazer um tratamento de saúde e se diverte observando, do saguão do hotel, a multidão que passa na rua.
                No começo, o narrador vê apenas uma massa indistinta. Em breve, porém, desce aos detalhes e consegue ver padrões de roupas, comportamentos, jeitos de andar. Vários públicos se descortinam à sua frente: escreventes, homens de negócio, advogados, homens de lazer...
                À certa altura, um homem chama sua atenção. É um velho entre 60 e 70 anos. Sua fisionomia apresenta um misto de triunfo, alegria, terror e desespero.
                A impressão causada pelo personagem é tão forte, que o narrador passa a segui-lo. O homem envereda pela rua repleta de gente e, chegando à praça, passa a andar em círculos, confundindo-se com a multidão. Quando o fluxo diminui, o velho se sente angustiado e procura outra multidão. A narrativa acompanha durante toda a noite sua busca por agrupamentos humanos.
                No final, o escritor o abandona com um comentário: “Esse velho é o tipo e o gênio do crime profundo. Recusa estar só. É o homem das multidões. Seria vão segui-lo, pois nada mais saberei dele, nem de seus atos. O pior coração do mundo é mais espesso do que o Hortulus Animae e talvez seja uma das grandes misericórdias de Deus o fato de que ele jamais se deixa ler”.
                Em “O Homem das Multidões”, Edgar Alan Poe antecipou em muitos anos a discussão sobre a sociedade de massa.
                O século XIX viu aparecer um novo tipo de agrupamento humano. Antes a regra eram pequenas vilas, nas quais todo mundo se conhecia e se relacionava. O processo de industrialização forçou uma grande quantidade de pessoas a se deslocarem para grandes centros nos quais as pessoas não se conheciam e não tinham qualquer relacionamento mais íntimo.
                A aglomeração maciça de seres humanos forçou o contato pessoal com pessoas desconhecidas, muitas das quais permanecerão sempre desconhecidas. Não conhecemos o homem que nos vende alimentos e a moça do correio é apenas mais uma funcionária postal.
                O homem moderno está rodeado de gente, mas é solitário.
                Essa nova realidade tornou patente um novo tipo de comportamento, que não era individual, mas coletivo. Para explicá-los surgiu a psicologia das massas.
                Dois pioneiros dessa nova disciplina foram o italiano Scipio Sieghele e o francês Gustav Le Bom.
                Sieghele escreve A Massa Criminosa, no qual analisa os crimes coletivos, como revoltas e lichamentos, e conclui que não há como indicar culpados. Os que são incriminados são sempre bodes-expiatórios, pois é sempre impossível determinar um culpado no meio da multidão.
                Sieghele trabalha o conceito de multidão como agrupamento geográfico e resultado de uma sugestão, como se seus integrantes estivessem sonâmbulos, hipnotizados. Em toda multidão há condutores e conduzidos, hipnotizadores e hipnotizados. O autor italiano foi um dos primeiros a perceber a importância dos meios de comunicação de massa nesses novos tipos de comportamento. Para ele, a imprensa seria uma manipuladora da massa.
Para Gustav Le Bon,  a civilização estava em perigo com a emergência das massas. Os líderes políticos do século XX seriam aqueles capazes de manipular as mesmas através da mídia (uma profecia acertada, se lembrarmos de Hitler, Mussolini e Getúlio Vargas).
O pensador Gabriel Tarde discordou desse ponto de vista, argumentando que a massa é geográfica e o publico é formado socialmente. Para ele, a imprensa estava criando públicos, ao permitir que pessoas distanciadas geograficamente pudessem partilhar idéias.
Os pensadores contemporâneos perceberam a dificuldade em se trabalhar com os conceitos de multidão e massa de maneira conjunta e resolveram separá-los. Assim, há três tipos de comportamentos coletivos.
O primeiro deles, e o mais primário, é a multidão. Sua origem é biológica e remonta aos tempos em que o homem passou a viver em sociedade.
Na multidão, os integrantes são comandados pela ação de ferormônios, hormônios expelidos pelo corpo, que fazem efeito ao serem percebidos olfativamente.
                Todos que estiverem no campo de ação dos ferormônios são contagiados e passam a agir como uma só pessoa, de forma irracional. É o caso de linchamentos, revoltas e tumultos em locais repletos de gente. É comum, por exemplo, que em casos de incêndio em casas de shows morram mais pessoas pisoteadas do que em decorrência do fogo.
                A criação de uma multidão passa por quatro estágios.
                No primeiro deles, há um acontecimento emocionante (a informação de que um estuprador foi preso, um trem de subúrbio que deixa de funcionar justamente na hora em que os trabalhadores voltam para casa).
                No segundo, há uma “moedura”: os indivíduos se encontram, se chocam, começam a trocar ferormônios.
                No terceiro, surge uma imagem, uma idéia de ação, a exaltação coletiva é direcionada para um objetivo (lichar o criminoso, quebrar o trem).
                Finalmente, no quarto estágio, a multidão, já totalmente dominada pelos ferormônios, age.
                Uma multidão é como um estouro de boiada: é impossível pará-la com a força ou com a razão. Atirar adianta muito pouco, pois os que estão atrás empurram os que estão na frente, até chegar aos seus atacantes.
                Uma maneira usada para dispersar multidões tem sido o gás lacrimogêneo.
                Os gás impede que as pessoas continuem recebendo os ferormônios umas das outras. Por outro lado, a irritação nos olhos e a fumaça dão aos integrantes da multidão a impressão de que estão sozinhos. Um indivíduo só age como multidão se tiver certeza de que está incógnito. É a certeza de que seus atos individuais não serão percebidos que dá à multidão a liberdade de agir. É por isso que são comuns as desordem em períodos de blecaute.
                Dar um segundo objetivo também é eficiente, pois uma segunda proposta de ação leva a multidão a pensar, e uma multidão que pensa deixa de ser multidão.
                Em uma perspectiva fisiológica, a multidão seria um comportamento coletivo governado pelo complexo Reptiliano. Essa primeira camada de nosso cérebro é responsável pela auto-preservação. É aí que nascem nossos mecanismos de agressão e ações instintivas.
                O comportamento de massa é uma novidade do século XIX e surge em decorrência do processo de industrialização e desenvolvimento dos meios de comunicação de massa.
                A massa age como multidão, de maneira irracional e manipulável. Mas não há proximidade física. Não há ferormônios envolvidos.
                Nos grandes centros, as pessoas estão isoladas, atomizadas, e a principal influência acaba sendo os meios de comunicação de massa. É a multidão solitária.
                A principal característica da massa é o pseudo-pensamento. A massa acredita que pensa, mas só repete o que houve nos meios de comunicação de massa. Segundo Luiz Beltrão, o poder massificante da sociedade é de tal ordem que o indivíduo se recusa a acreditar que é apenas uma peça da engrenagem social e que suas idéias são idéias que lhe foram implantadas pela mídia. Ao ser perguntado o porque de suas idéias, o integrante da massa repetirá exatamente o que ouviu de seu apresentador de TV favorito. Ou então dirá simplesmente: “É claro que é assim. Você não viu que saiu no jornal?” ou “mas todo mundo gosta disso, por que você não gosta?”
                Fisiologicamente, o comportamento de massa é identificado o complexo límbico, a camada do cérebro característica de mamíferos e que governa o instinto de rebanho. Assim, a aspiração máxima do integrante da massa é ser aceito pelos seus pares. Ele fará qualquer coisa para se adequar e procurará repetir os outros em tudo. É o famoso Maria vai com as outras.
                O comportamento de massa fica claro em pessoas que têm ânsia de andar sempre na moda. Vestir a roupa do momento é uma forma de não “estar por fora”. Claro que quem ditará o que é moda são os meios de comunicação de massa, que se aproveitam dessa necessidade de rebanho, de aceitação social, para vender seus produtos e manipular a massa.
                Como a massa não pensa, ela precisa de alguém que pense por ela, ela precisa de um pai, que lhe diga o que fazer. Esse papel já foi exercido por líderes políticos, como Hitler, Stalin e Getúlio Vargas. Não é à toa que o ditador brasileiro era chamado de “pai dos pobres”. Hoje quem normalmente exerce essa função são figuras importantes da mídia, tais como apresentadores de TV. Esse inclusive é um fator potencialmente perigoso da massa. Como obedece cegamente aos impulsos recebidos pela mídia, a massa pode adotar um tom de verdadeiro fanatismo contra qualquer um que ouse discordar de seus pontos de vista.
                Como a massa não tem consciência de sua situação, ela é feliz, feliz como o gado na engorda. Não é à toa que Zé Ramalho nos diz, em musica cantada como toada de boi: “Eh! Oh! Oh! Vida de gado Povo marcado eh! Povo feliz...”.
                O homem das multidões de Poe era um homem-massa, incapaz de estar só, mas também incapaz de criar relacionamentos profundos. Sua única aspiração era ser aceito pelo grupo, mesmo que para isso precisasse sacrificar sua identidade. Poe o abandona dizendo que de nada adiantaria continuar a segui-los, pois tudo que se poderia saber dele já se sabe. A massa não tem é oca por dentro. São pessoas de palha, como definiu Ray Bradbury no livro Fahrenheit 451, referindo-se às pessoas que assistiam à televisão.
                A terceira forma de comportamento coletivo é o público. A palavra vem do latim “publicus”, que significa depois da adolescência. Ou seja, público é aquele que alcançou a maturidade intelectual e psicológica.
                A característica do público é ser racional e defender sua individualidade. Enquanto na multidão, o indivíduo quer ser anônimo, enquanto na massa, quer ser igual aos outros, no público ele quer ser ele mesmo.
                O público não se deixa manipular e seus argumentos são frutos de um raciocínio interior. O público defende tal ponto de vista porque refletiu sobre ele e chegou à conclusão de que essa é a melhor idéia, e não porque alguém lhe disse. O comportamento de público é governado pelo neocórtex, a camada mais recente do cérebro, que controla a linguagem simbólica, a leitura, o cálculo, a criatividade e a crítica.
                Em uma perspectiva junguiana, o público é aquele que passou por um processo de individuação e tornou-se capaz de tomar decisões sozinhos, sem precisar de um pai que lhe diga o que fazer. O integrante do público é um livre-pensador. 

A arte marcante de George Wilson

 


George Wilson é um ilustrador norte-americano conhecido pelos leitores de quadrinhos por conta das milhares de capas de gibis que ilustrou, algumas delas publicadas no Brasil pela editora Ebal.

Sua ligação com os quadrinhos começou em 1955, quando ele iniciou sua longa colaboração com a editora Dell Comics. Ele iniciou com quadrinhos de selva, como Tarzan, para o qual fez centenas de capas. Logo foi requisitado para produzir capas para diversos títulos das Dell e da Gold Key, incluindo adaptações de seriados de TV, como Além da Imaginação, Perdidos no espaço e Jornada nas Estrelas. Ele também ilustrou capas para outros personagens, como o Fantasma e Cavaleiro Solitário.















Três Homens em Conflito e a Revolução do Faroeste

 


A sequência de abertura de Três Homens em Conflito (The Good, The Bad and The Ugly) é uma demonstração perfeita de como os filmes de Sergio Leone se diferenciavam totalmente do faroeste norte-americano clássico.

Na primeira sequência (na verdade, a primeira aparição de um dos personagens principais), vemos três pistoleiros se encontrando em uma rua deserta. Eles invadem, de armas em punho, um local, prontos para matar quem está lá. Em seguida, quem vemos sair pela janela é o Feio, Tuco, interpretado por Eli Wallach, fugindo do conflito.

Na segunda sequência, entra em cena o pistoleiro misterioso "Angel Eyes", interpretado por Lee Van Cleef. Ele interpela um homem a respeito de um nome que está sendo usado por alguém e, no processo, descobre que a informação está relacionada a uma fortuna em moedas de ouro roubadas. O homem lhe oferece dinheiro, e ele aceita, mas mesmo assim o mata, justificando que “quando ele começa um serviço, sempre o termina”. Ao final, ele mata também o homem que o contratou, como forma de fazer valer o dinheiro que recebeu. Uma legenda nos informa que se trata do Mau.

Finalmente, conhecemos o Lourinho (Blondie), interpretado por Clint Eastwood, que se alia ao Feio (Tuco) para cometer golpes contra o sistema judiciário, entregando-o às autoridades em troca de uma recompensa, apenas para salvá-lo depois, atirando na corda antes que seja enforcado. Quando percebe que a recompensa não aumentará, ele abandona o parceiro no deserto, com as mãos amarradas. Ele, como nos informa a legenda, é o Bom.

A interpretação de Eli Wallach rouba a cena. 


O "Bom" da história é alguém que ganha a vida enganando a justiça e, quando necessário, trai o parceiro. Essa é uma total inversão do herói justiceiro e moralista do faroeste clássico. O protagonista da trama está muito mais próximo de um anti-herói, o que explica o sucesso desse tipo de filme em uma época em que o mito do cowboy tradicional estava sendo contestado.

As motivações também estão longe de ser nobres. Tanto o Bom, quanto o Mau e o Feio passam a tentar se apropriar do dinheiro roubado (um acaso faz com que Tuco descubra o cemitério em que as moedas estão enterradas, enquanto o Louro descobre em qual túmulo específico elas se encontram).

Além do ótimo roteiro e da direção singular de Sergio Leone, que praticamente redefiniu o gênero Spaghetti Western, dois aspectos se destacam:

  1. A trilha sonora revolucionária de Ennio Morricone, que conduz a narrativa, deixando de ser apenas um pano de fundo para as cenas, e inclui três versões da mesma música, uma para cada personagem.
  2. A atuação fenomenal de Eli Wallach, que simplesmente rouba todas as cenas em que aparece. Seu Tuco é falastrão, engraçado, cruel e vingativo. Enquanto os outros personagens do trio são mais planos e silenciosos, o Feio tem uma série de camadas, graças principalmente ao ator, que improvisou boa parte das cenas, chegando a mudar diálogos. A famosa fala “Quando for atirar, atire, não fale”, por exemplo, não estava no roteiro original.

Três Homens em Conflito tornou-se, desde o primeiro momento, um clássico inquestionável do cinema e um filme obrigatório para fãs de faroeste.

Decadence, a HQ manifesto da dupla Gian-Bené

 


Decadence foi produzida para ser uma espécie de manifesto do novo tipo de horror que a dupla Gian Danton - Joe Bennett estava introduzindo no Brasil. Depois de uma rejeição inicial de alguns editores, o sucesso das primeiras histórias da dupla fez com que surgissem pedidos de novas histórias - e aí surgiu a ideia de fazer uma HQ que confrontasse o horror antigo, datado e o novo (não é à toa que o título da história é Decadence). Os dois quebraram a cabeça durante dias para tentar transformar isso numa trama, mas no final, a ideia acabou vindo num sonho de Gian Danton, que acabou sonhando até mesmo com a diagramação da história, logo transformada num rafe, seguido à risca por Joe Bennett. Decadence foi publicada na revisa Mephisto, terror negro. 

quarta-feira, dezembro 10, 2025

1899 - seriado questiona o que é real

 


Os alemães Jantje Friese e Baran bo Odar foram responsáveis por Dark, uma das mais famosas e enigmáticas série da Netflix. Assim, é natural que uma nova série da dupla chamasse muita atenção e gerasse muitas teorias. É o que tem acontecendo com 1899.

Na história, um grupo embarca numa viagem rumo à América. Cada um deles parece esconder algo a respeito de sua vida passada e até de sua identidade. A situação, entretanto, muda completamente quando o capitão recebe as coordenadas que podem ser de um navio desaparecido há quatro meses. A descoberta do navio faz com que o fantástico irrompa nesse micro-mundo, com pessoas que deveriam estar mortas aparecendo, por exemplo.

A questão da identidade, que permeia todos os personagens importantes – e cujos histórias são reveladas através de flash backs revela a maior influência de 1899: a série Lost. Mas, mais do que isso, é um índice, algo que indica o tema trabalhado no seriado. Todos ali parecem ter adotado uma identidade simulacro: a prostituta japonesa que não é japonesa e não é prostituta, o oficial francês que, na verdade adotou a identidade de outra pessoa, o padre que não é padre.

Se Dark lidava com nossa noção do tempo, 1899 lida com nossa noção de realidade. Não por acaso, a alegoria da caverna, de Platão, é constantemente citada durante os episódios. Nessa história criada pelo filósofo grego, pessoas vivem presas numa caverna e acreditam que as verdadeiras formas do mundo são as sombras que vêem na parede.

Platão levantou a questão, depois abordada por muitos outros filósofos, de que talvez o que vemos não seja a realidade. Assim, como confiar nossos sentidos? E é exatamente essa a sensação percebida pelos personagens de 1899. Tudo que eles vivem parecem tão fora da realidade que num determinado ponto é difícil distinguir o que é real e o que não é, levantando outra questão: talvez nada seja real.

Como se vê, 1899 aborda tantas questionamentos filosóficos e científicos quanto Dark. A grande questão é o que a série faz com esses questionamentos. O final da temporada traz uma solução narrativamente pouco inspirada, que fica muito aquém dos problemas apresentados sobre a realidade. Resta saber se a segunda temporada seguirá esse caminho fácil ou continuará surpreendendo.

Ironias quadrinísticas

 


Uma das grandes ironias dos quadrinhos é que muitas vezes os criadores de determinado personagem acabam vendo suas crias se tornarem grandes sucessos nas mãos de outro autor. Isso era especialmente comum na era de bronze, em que roteiristas e desenhistas trocavam facilmente entre a Marvel e a DC.
Os exemplos são muitos.
Talvez o mais óbvio sejam os Novos X-men. Eles foram criados por Len Wein, que escreveu o primeiro número e entregou o título para um jovem estagiário da Marvel, Chris Claremont. Afinal, ele tinha coisas mais importantes para fazer, títulos mais importantes para escrever e os X-men nunca tinham sido um sucesso. Pouco tempo depois o grupo de mutantes se tornou um sucesso absoluto, especialmente depois da entrada de John Byrne nos desenhos. Em poucos anos era o título mais vendido da Marvel, os mutantes espalhava-se por vários gibis. O sucesso comercial foi tão grnade que Claremont ficou rico.
Len Wein, aliás, foi o roteirista criador do Monstro do Pântano, que fez algum sucesso na época, mas só se tornaria um sucesso absoluto de público e de crítica nas mãos de Alan Moore.
Aliás, Wein e Gerry Conway eram colegas de quarto. Não se sabe ao certo quem copiou quem, mas na época em que a DC lançou o Monstro do Pântano, Conway lançou o Homem-coisa na Marvel, uma sensação do recomeço do terror na editora, um título que estabeleceu nas mãos de Steve Gerber!
Um dos maiores sucessos da era de bronze foi o Mestre do Kung Fu, criado por Steve Englehart e Jim Starlin. Apesar de existirem na época diversos outros personagens tentando aproveitar a popularidade de Bruce Lee, alguns inclusive anteriores, foi Shang Chi que melhor captou o espírito dessa época. A revista foi uma das mais vendidas da Marvel, sendo publicada por anos... mas escrita por Doug Moench e  com desenhos de Paul Gulacy!
Outro exemplo é o personagem Demolidor, de Stan Lee e Bill Everett.
Everett tinha sido um dos criadores de Namor, o príncipe submarino, um dos maiores sucessos da Marvel na Era de Ouro e Lee queria trazê-lo para o barco nessa nova fase da editora. Assim surgiu o convite para desenhar o personagem. Mas Everett, que na época trabalhava com publicidade, mal conseguiu terminar o primeiro número. Foi substituído por Wally Wood e depois por outros desenhistas. Várias equipes criativas foram se sucedendo no personagem, que vendia cada vez menos.
No início dos anos 80 a revista estava para ser cancelada quando foi assumida pelo jovem Frank Miller, que revolucionou o personagem transformando-o num dos mais vendidos da Marvel. A popularidade do Demolidor de Miller era tão grande que no Brasil ele era o carro-chefe da revista Superaventuras Marvel. O personagem criado por Stan Lee e Bill Everett só se tornou realmente um sucesso nas mãos de Frank Miller.

Perry Rhodan – Os espíritos de Gol

 


Os espíritos de Gol, episódio 16 da série, se passa quando Perry Rhodan e seus aliados estão em busca do segredo da imortalidade.

A pista revelada no número anterior levou a Stardust diretamente para Gol, um planeta gigante, com uma gravidade muito superior à terrana. Para piorar, o planeta é habitado por seres luminosos que se alimentam de energia.

Esse é um daqueles episódios de Perry Rhodan que demoram  engrenar e quando engrenam são, no máximo, mornos. Metade da obra é destinada à aproximação do planeta e os termos técnicos da empreitada. Exemplo: “Rhodan só precisaria uma única vez de um feixe antipartículas que por sua vez fariam o novo microacelerador funcionar por anos a fio. Acontece, todavia, que as as antiparticulas mostram uma tendência acentuada de combinar-se com as partículas normais, com o que sua massa se perde na irradiação”.

A capa original alemã. 


Kurt Mahr não tinha a mesma habilidade de K. H. Scheer, então a grande quantidade de termos técnicos serve muito mais para tornar a narrativa arrastada e garantir o número de páginas do que para dar uma contextualização.

O livro se torna realmente interessante lá pelas últimas páginas, quando os seres luminosos atacam a fonte de energia da Stardust II e a nave parece condenada. Mas a solução para isso parece fácil demais, acontece muito rapidamente, especialmente na comparação com o restante arrastado do livro.

Monstro do Pântano – Abandonadas casas

 


Na produção de histórias em quadrinhos norte-americanas é muito comum que o artista principal do título atrase a entrega de determinada edição. A solução geralmente encontrada é chamar um outro artista e fazer, às pressas, uma edição com flash back, reaproveitando trechos de alguma história antiga.

Alan Moore provavelmente se deparou com esse problema em Monstro do Pântano e a solução encontrada por ele não só não parecia um tapa-buraco como era genial e ajudou a redefinir o personagem, ampliando a sua mitologia.


Ao sonhar, Abbe vai parar no mundo habitado por Caim e Abel. 


Na história,  publicada em Swamp thing 33, Abe Cable está sonhando e vai parar num local enevoado onde estão dois irmãos, o arrogante e prepotente Caim e o assustado Abel. Os dois personagens, versões quadrinísticas dos personagens bíblicos, eram apresentadores de duas revista de terror da DC de muito sucesso na década de 1970, mas que não eram mais publicadas. Ao nomear a história de abandonadas casas e mostrar o local repleto de poeira, Morre faz um comentário metalinguístico sobre os quadrinhos norte-americanos, algo que ele desenvolveria em outros trabalhos, em especial o super-herói Supreme.

Caim era o narrador de House of Mistery


O desenho é Ron Randall, um dos grandes nomes do terror,  num estilo que se encaixa perfeitamente na história.

Abel apresentava as histórias de House of Secrets. 


Aparentemente, Abbe vai para o local para que lhe seja revelado um segredo ou um mistério. A casa dos segredos é a morada do acanhado Abel e a casa dos mistérios a habitação de Caim, mas este avisa: “Mistério é assombro que se pode ponderar e compartilhar, segredo é fardo a se carregar sozinho”.

Moore encaixa perfeitamente a história antiga na narrativa. 


Abbe prefere a casa de Abel e o segredo que lhe é revelado é nada menos que a primeira história do Monstro do Pântano, publicada na revista House of Secrets 2. Era uma história curta, escrita por Len Wein e desenhada por Bernie Wrightson, mas fez tanto sucesso que o personagem ganhou revista própria. Mas a primeira história se passava no século XIX, enquanto a versão da revista periódica se passava no século XX. Moore, em um movimento que abriria caminho para vários outros roteiristas, a exemplo de Neil Gaiman pega algo esquecido ou abandonado do passado do personagem e o introduz na cronologia, dando um novo significado.

A capa de House os Secrets homenageada em Swamp Thing 33. 


Na versão de Moore, a história demonstra que Alex Holland não foi o primeiro Monstro do Pântano, algo que seria desenvolvido mais à frente.

A história antiga não entra na edição como uma simples lembrança dos personagens, uma encheção de linguição. Ela tem impacto direto sobre a série. Mais do que isso, tudo é muito bem encaixado, inclusive o texto. Abel mostra para a garota uma pulseira de ouro e diz: “Só parece uma pulseira, mas é uma história (...) Começa assim... não consigo mais me lembrar da manhã...” e, quando pulamos a página, nos deparamos com o texto de Wein: “Não consigo me lembrar da manhã... mas conheço bem a noite! Agora a ela pertenço”.

Os leitores que não conheciam o Monstro do Pântano original devem ter se surpreendido com a qualidade de texto e imagem. 


Imagino o impacto que isso deve ter tido sobre os leitores. Eu, por exemplo, só conhecia a versão de Moore para o Monstro do Pântano e foi uma surpresa incrível perceber o quanto o texto de Wein naquela primeira história era poderoso e poético.

Essa história, em que tudo se encaixa, é uma verdadeira aula sobre como fazer uma edição tapa-buraco e mesmo assim produzir um clássico.

Horror em Monte Castelo

 


Como um bom leitor de Stephen King, eu sempre fui fascinado por histórias de luto. Assim, quando fui convidado pelo amigo Carlos Holanda para colaborar com a antologia Necroloquion, decidi que seria uma história sobre perda e descoberta.

Na história, intitulada Horror em Monte Castelo, um jornalista de Belo Horizonte resolve assumir a herança de um tio desconhecido, que desapareceu numa pequena cidade do interior de Minas. A história se desenrola em duas narrativas paralelas a partir das lembranças e pesquisas do protagonista: a história da namorada e a história do tio. Como e por que a namorada morreu? O que há por trás do desaparecimento do tio? Essas duas perguntas se entrelaçam numa história que ao final desemboca no mais puro horror.

O livro, que conta com narrativas diversos autores importantes, como Rafael Senra e Octavio Aragão, está sendo vendido exclusivamente pela Amazon no endereço: https://www.amazon.com.br/Necroloquion-Di%C3%A1logos-Abismo-Carlos-Hollanda/dp/6589476993/ref=mp_s_a_1_1?crid=2XN4DKXO2FVGU&keywords=necroloquion&qid=1665090315&sprefix=%2Caps%2C206&sr=8-1&fbclid=IwAR3g06GLJJ6mfmW7PVBMInV8Hpn6hfItCAJRyAqsM-XXBuWYTciP3Gt8PUQ  

A arte elegante de Alan Davis

 


Alan Davis começou sua carreira em meados da década de 1980, desenhando o personagem Capitão Britânia para a Marvel UK. Nessa época ele trabalhava carregando caminhões e considerava desenhar um hobbie. Na fase final do série do personagem, Alan Moore assumiu o roteiro e ambos começaram uma parceria que se estenderia para a série DR e Quinch para a revista 2000 AD.

Quando Garry Leach abandonou a série Miracleman, também de Alan Moore, Davis assumiu os desenhos.

O grande impacto dessa série ajudou a projetar o nome do desenhista a entrar no mercado norte-americano.

Davis foi escalado para desenhar o Batman no chamado “Ano 2”, que contava histórias do personagem em início de carreira.

Seu traço anatômico e seu dom para expressões faciais fez com que ele fosse escolhido por Chris Claremont para desenhar a série Excalibur.

Um dos trabalhos mais conhecidos do artista é a minissérie Liga da Justiça  - o prego, no qual ele usa elementos da teoria do caos para a construção do roteiro.