Início
sábado, setembro 20, 2025
Meninos do Brasil
TEA e TDAH
Aos 52 anos descobri que sou autistae TDAH. Eu poderia dizer que estou surpreso, mas estaria mentindo.
Entre as minhas lembranças mais antigas está está aquela em que eu me sentia extremamente incomodado com o contato da roupa contra a pele. Fazia frio, estávamos fazendo uma viagem de trem e minha avó me colocou um agasalho. Eu devia ter uns quatro anos.
Durante a minha infância morei no sul de Minas um local que naquela época dominava um silêncio tranquilizador, mas quando nos mudamos para Belém, uma das minhas lembranças era o som alto da vizinha e eu com uma dor de cabeça terrível.
Descobrir o autismo explica porque eu fico totalmente atordoado com som alto a ponto de já ter tido inclusive crises de labirintite labirintite.
Foi também em Belém que percebi pela primeira vez a minha total inabilidade social. Quando fazia a crisma ao final da aula o grupo se reunia entre conversas e risos. Eu me mantinha afastado. Eu conseguia conversar com uma pessoa em particular, mas tinha muita dificuldade com grupos, pois não conseguia acompanhar o fluxo da conversa. Da mesma forma, quando conhecia alguém, não tinha a menor ideia de como puxar assunto.
Olhando as fotos dessas época, percebo que a questão da hiper-sensiblidade da pele provocava um efeito cômico. Eu era muito magro e parecia que eu tinha roubado todo o meu guarda-roupa de alguém com 30 quilos a mais.
Havia claro também também a dificuldade com o contato físico. Eu odiava pessoas que me tocavam enquanto falavam comigo, mas mesmo algo mais simples como um aperto de mão é no máximo tolerável. Pessoas desconhecidas que me abraçavam? Ah isso com certeza me deixava desconfortável!
Quanto ao hiper-foco, é óbvio. Na primeira oportunidade, lá estava eu falando de quadrinhos. Por sorte, na época em que esse hiper-foco principal se desenvolveu (década de 1980, época de Watchmen e Cavaleiro das Trevas), muitas pessoas liam quadrinhos e era fácil encontrar alguém para conversar sobre o assunto.
Eu tinha também a tendência a me isolar. Enquanto a maioria das pessoas tem um verdadeiro pavor da solidão, eu consigo lidar muito bem com isso. Alguns dos momentos mais felizes da minha vida eu estava ou sozinho ou acompanhado de um pequeno grupo de amigos ou familiares. Não lembro de uma única ocasião em que eu estivesse em um grupo grande e me sentisse ao menos confortável.
Pode-se se perguntar por que nas gerações antigas raramente um indivíduo era diagnosticado com autismo. A razão disso é que dificilmente alguém pensava que aquela pessoa com comportamento divergente era autista. Na maioria das vezes essa pessoa só era vista como estranha.
Gilgamesh, de Jim Starlin
Gilgamesh é o protagonista de uma das primeiras epopéias da história da humanidade. Estima-se que o clássico babilônico sobre um herói que matava monstros seja 1.500 anos anterior a obras como a Odisséia.
Recontar essa história, por si só seria um desafio. Mas Jim Starlin acrescenta um item a mais de complexidade. Especialista em sagas estelares, ele resolve transformar o épico Gigamesh em uma história de ficção científica.![]() |
O comandante tenta salvar a espécie enviando duas cápsulas, mas o robô envia dois machos. |
Na trama, uma nave extraterrestre vinda de um planeta condenado está se aproximando da Terra. A energia da nave está acabando e não há tempo de procurar outro local para pousar. Por outro lado, não existem mais o sistema de defesa. Para aumentar a chance de sobrevivência da espécie, o comandante manda soltar duas sondas. Quando a nave é destruída por misséis terrestres, as duas sondas são tudo que restou da espécie. Só que, por uma falha de robô, foram enviados dois meninos.
Uma das sondas cai em uma selva sul-americana, enquanto a outra cai em uma plantação de maconha na fronteira do México com os EUA e o garoto alienígena acaba sendo adotado por um casal hippie. O garoto é chamado de Gilgamesh em homenagem ao herói clássico.
![]() |
Jim Starlin faz algumas ótimas sequências de humor... |
A história pula para 25 anos depois. O garoto que caiu na floresta torna-se um selvagem que expulsa todos que se aproximam, enquanto o outro, Gilgamesh, tornou-se presidente da empresa que domina a política mundial.
Há cenas cômicas, como a de quando Gilgamesh manda uma prostituta para cuidar do selvagem e este não sabe lidar com a sensualidade da garota. Há cenas memoráveis de ação, como no primeiro encontro entre os dois, ou quando eles enfrentam um monstro nas selvas sul-americanas.
![]() |
... mas o forte da história é a ação. |
Jim Starlin mistura ficção científica e humor para falar dos mais diversos temas atuais, que vão do colonialismo à ecologia ao mesmo e o faz numa narrativa envolvente de ficção científica. Ou seja: Starlin fazendo o que ele faz de melhor.
O único aspecto lamentável dessa história em quatro partes é o fato de que ela acaba rápido demais. Fica a impressão de que os personagens poderiam ser muito melhor desenvolvidos uma série mais longa.
No Brasil essa minissérie foi lançada pela editora Globo.
Você, um estudo objetivo do comportamento humano
O Sombra – 1941
Embora tenha surgido no rádio e nos pulp fictions, o personagem O Sombra também teve algumas memoráveis encarnações quadrinísticas. E, entre os que trabalharam com o personagem, os melhores foram a dupla Denny O´Neil e Michael Kaluta, autores da graphic novel O Sombra 1941.
O´Neil situa sua história em 1941. Hitler está dominando a Europa e encontra-se diante de um dilema: invadir ou não a Rússia.
É quando uma garota alemã é perseguida em Nova York e salva pela equipe do Sombra. Ela se revela Gretchen Baur, filha do principal astrólogo de Hitler. E por trás da astrologia se revela uma trama palaciana pelo poder. Um grupo, liderado por um coronel, quer usar as previsões astrológicas para impedir a Alemanha de invadir a Rússia. Outro grupo, liderado por Goebbels, quer usar essas mesmas previsões para garantir a invasão.
O Sombra e seu grupo irão intervir nesse jogo internacional.
A graphic novel apresenta uma trama muito bem amarrada de espionagem e violência em que até fatos históricos, como a ida de Rudolf Hess para a Inglaterra sozinho, num avião, são explicados.
O roteiro desenvolve bem os vários personagens e consegue dar um tom tenebroso para o Sombra.
Esse foi um dos melhores números da coleção graphic novel da Abril e merecia uma republicação.
Superman e a Legião dos Super-heróis
sexta-feira, setembro 19, 2025
Capitão América – Operação renascimento
Capitão América é, certamente um dos melhores personagens da Marvel. É o personagem ideal para histórias repletas de ação. poucas vezes essas características foram bem aproveitadas depois da fase Stan Lee – Jack Kirby.
Uma das vezes em que foram produzidas histórias realmente memoráveis com o personagem sem desvirtuá-lo foi em 2009, quando a dupla Mark Waid e Ron Garney assumiram o título.
Na sequência anterior, o Capitão América começa a morrer graças ao soro do supersoldado, que se transforma em um veneno em seu sangue.
Waid assume no meio dessa trama melodramática e aproveita o gancho para fazer uma história na qual os Vingadores enfrentam um grupo de terroristas que sequestra do presidente dos EUA e exige a presença do sentinela da liberdade. Como ele está desaparecido e aparentemente morto, a equipe terá que resolver o problema sozinho. A trama é principalmente uma desculpa para explorar a importância do personagem e a forma como ele inspira outros heróis muito mais poderosos que ele. O capitão é visto aqui como um líder nato.
Terminado esse prelúdio, Waid simplesmente traz o herói de volta numa trama digna dos melhores filmes de ação.
![]() |
O Capitão precisa se aliar ao seu maior inimigo. |
Na história, o capitão precisa se aliar ao Caveira Vermelha, seu maior inimigo, para impedir que a realidade seja reconfigurada por Hitler, que está preso dentro do cubo cósmico e passou a controlá-lo. Para ajudá-los ressurge uma personagem do passado do herói: a agente Sharon Carter, que todos achavam ter sido morta.
É Sharon que revela ao capitão que ele foi salvo da morte por seu maior inimigo para fazer aquilo para o qual foi criado: matar Hitler.
É impressionante como a trama consegue unir ação desenfreada com uma trama muito bem elaborada e cheia de reviravolta como só os melhores escritores conseguem produzir.
![]() |
As cenas de ação são empolgantes. |
Por outro lado, Rona Garney não decepciona. Ele sabe criar cenas de ação e principalmente sequências que mostram o personagem em toda a sua grandiosidade.
Essa trama foi publicada em Captain América 444 até 448, sendo reunida no Brasil no álbum Operação renascimento, da editora Panini.
Demolidor – Demônios Internos
Desde a primeira história do Demolidor de Miller que li, ficou claro que aquela série era brilhante em termos de narrativa e de ação. Mas só fui pereber que Miller podia ser também um mestre no aprofundamento dos personagens quando li a história originalmente publicada em Daredevil 177 e que saiu aqui em Superaventuras Marvel 17.
Na trama, Matt Murdock perdeu seu radar depois da explosão de uma bomba e procura seu mestre Stick para recuperar essa habilidade.
![]() |
O arco e flecha é uma metáfora para os conflitos internos do personagem. |
A história começa com o personagem praticando arco e flecha, totalmente exausto. “Nada disso faz sentido. Se ao menos você me deixasse dormir... Stick, já faz três dias!”.
A tentativa de acertar um alvo é uma metáfora e uma forma de dar ação a um conflito interno. Conforme a atividade se desenvolve, Murdock começa a alucinar. Miller reconta a história do personagem, mostrando desde o bullying sofrido por Murdock na infância até o acidente que o tornou cego.
![]() |
Matt Mudock sente-se atormentado pela promessa feita ao pai. |
As partes mais interessantes, no entanto, são as que mostram o pai. Miller reconstitui até a mesma imagem da história de origem do personagem, mas agora, ao invés do menino sendo aconselhado pelo pai, vemos o Demolidor, já adulto, e já com seu uniforme. O pai o acorrenta a livros e o manda ir para o quarto estudar.
Vale lembrar que, lá naquela história de origem, o pai de Matt o obrigou a prometer que ele não iria lutar, mas, ao invés disso, deveria ser um estudioso e se tornar um médico ou um advogado.
![]() |
Miller reconta a origem do personagem. |
Em uma das sequências, eles estão em um ringue. “Você me prometeu! Disse que não lutaria! Olha só... você já esteve em mais lutas do que eu! Vai terminar como seu pai... um lutador velho e decadente, com o nariz quebrado e o cérebro moído. Você mentiu para mim, filho. No túmulo de sua mãe. Mentiu para mim!”.
Quando criou o Demolidor, Stan Lee usou sua estratégia de introduzir um pé de barro como tornar o herói bidimensional. Assim, apesar de ser um herói, o Demolidor também era cego. Miller foi além, introduzindo camadas e subtextos que tornaram o personagem tridimensional.
![]() |
O conflito com o pai e o sentimento de culpa. |
Nessa história descobrimos que Matt Murdock odeia o pai por tê-lo transformado em um escravo de livros, por tê-lo feito prometer que ele jamais lutaria, o que fez com que o garoto se tornasse vítima de bullying de todos os meninos da rua.
Mas, como bom católico, Matt Murdock se sente culpado por esses sentimentos com relação ao pai. Mais ainda: ele se sente culpado por usar seus poderes para lutar contra o crime, o que contraria o juramento feio ao pai de que ele nunca lutaria.
Miller estava introduzindo ali toda a neurose do personagem que seria posteriormente explorada com brilhantismo em A queda de Matt Murdock, em que o herói chega aos limites da insanidade.
Korg e o mundo misterioso
A Hanna-Barbera é mais conhecida pelos desenhos animados, mas também fez suas tentativas em atrações live actions. Entre essas tentativas, uma das mais memoráveis é Korg 7000 DC (conhecida no Brasil como Korg e o mundo misterioso).
A série, ambientada na idade das pedras, foi criada por Fred Freiberger, roteirista que já tinha escrito episódios da série clássica de Jornada nas Estrelas e o filme The Beast from 20,000 Fathoms (lançado no Brasil como O Monstro do Mar).
A ideia era fazer uma série didática, que mostrasse informações reais sobre como viviam os homens das cavernas. Para isso tinha a consultoria do O Museu Americano de História Natural e do Museu de História Natural do Condado de Los Angeles. O caráter didático era acentuado pela narração, feita por Burgess Meredith (o Pinguim da série do Batman) e Mickey Goldmill (o treinador do filme Rocky).
Os enredos giravam em torno de uma família de neandertais composta pelo patriarca Korg (interpretado por Jim Malinda) e sua esposa, filhos e irmão mais novo.
A abertura dava o tom do seriado: em meio à floresta soava uma música que simula o som de um animal selvagem. Então aparecia a família vislumbrando a vastidão do alto de uma montanha. Seguiam-se cenas da própria série: os personagens enfrentando animais, como elefantes, caindo em correntezas, caçando. Nada de dinossauros ou qualquer situação fantástica. Apenas situações que homens da caverna enfrentariam de fato.
![]() |
Nos quadrinhos o personagem enfrentava até robôs alienígenas. |
Apesar das boas intenções, Korg foi um fracasso de audiência. Foi produzida apenas uma temporada, com 19 episódios. Mas, curiosamente, teve vários produtos licenciados incluindo uma história em quadrinhos. Produzida por Pat Boyette (que escrevia, desenhava e pintava as capas) para a Charlton Comics, a publicação começou seguindo a linha didática da série, mas logo descambou para situações bizarras, como os neardentais enfrentando dinossauro e até robôs alienígenas. Algumas dessas histórias foram publicadas pela editora Abril na primeira série da revista Heróis da TV.
Embora não tenha sido um sucesso de audiência, essa série me chamou muita atenção quando criança justamente por seu conteúdo didático (o que, aparentemente, afastou a maioria dos expectadores).
![]() |
As histórias do personagem foram publicadas na primeira série da revista Heróis da TV. |
Um episódio em específico me chamou muita atenção, sobre como os humanos descobriram o uso do sal.
Na história, a família consegue caçar um animal e vão comê-lo na beira da praia. Mas um perigo surge e eles são obrigados a abandonar a carne, que é levada pelo mar. O episódio inteiro gira em torno das tentativas deles de conseguir comida, sem sucesso. Ao final, eles voltam para a praia e descobrem que o mar trouxe a carne de volta. Ao comer, eles percebem que o gosto havia melhorado. A partir daí, passam a temperar a carne na água do mar.
Até hoje uso essa história em minhas aulas de metodologia científica como exemplo de como surge o conhecimento empírico.
Fundo do baú - Recruta zero
O Recruta Zero (Beetle Bailey) surgiu nas tiras dos quadrinhos em 1950, criado por Mort Walker. No começo o personagem era um universitário, mas a tira só começou a fazer sucesso mesmo em 1951, quando o criador resolveu que o protagonista deveria se alistar no exército para aproveitar a onda de nacionalista provocada pela guerra da Coreia. A mudança agradou: mais de 100 jornais americanos compraram a tira e ela passou a ser publicada no mundo todo. No Brasil o personagem chegou a ser chamado de Recruta 23 e Zé - o soldado raso, mas acabou conhecido como Recruta Zero, nome adotado pela editora RGE, que publicou o personagem com grande sucesso até a década de 80.
Zero é um preguiçoso, praticamente impossível de ser acordado quando finalmente dorme. Ele é atormentado pelo sargento tainha, que constantemente aparece nas histórias pulando sobre o recruta na tentativa de acordá-lo.
A série tinha uma incrível galeria de personagens secundários, entre eles o soldado Platão, caracterizado pela inteligência e erudição e o seu oposto, o Dentinho, caracterizado pela burrice. Ou o general Dureza, um inepto que prioriza até o golfe à administração do quartel e é constantemente tiranizado por sua esposa Martha.
Embora a tira fizesse muito sucesso, ela também acabou sendo alvo da fúria dos oficiais norte-americanos que a consideravam uma afronta à ordem militar.
Com tal popularidade, não é de se admirar que o recruta ganhasse um desenho animado produzido pela King Features Syndicate entre 1963 e 1964. Foram cinquenta episódios e cinco pilotos. No Brasil esse desenho foi exibido pelo SBT.
O Jeremias
Uma agradável surpresa na Netflix é o filme mexicano O Jeremias.
A obra acompanha a trajetória de um garoto de oito anos (o Jeremias do título) que se descobre superdotado e precisa lidar com esssa situação.
O filme é narrado pelo próprio Jeremias, uma estratégia do diretor Anwar Safa que faz com que o expectador já simpatize com o protagonista desde a primeira cena.
A família está assistindo a uma novela mexicana e, no meio de uma sequência de um velório, o garoto pergunta: “Já repararam que ninguém fala mal de um morto?”, ao que é repreendido pelos que querem assistir à atração. “Desde que tenho memória, tive mais perguntas do que respostas”, diz em ele, em off. Segue-se uma deliciosa sequências de flash backs do personagem nas quais ele questionava o mundo ao seu redor (uma delas, por exemplo, mostra o garoto chorando enquanto é acalantado pela mãe, que canta nana neném “Por que achavam que cantar sobre um monstro que come crianças me faria dormir?”).
Essa sequência inicial serve tanto para apresentar o personagem quanto para demarcar a diferença dele para o resto da família, todos com baixo QI. É uma perfeita demonstração de como apresentar os personagens, ambientar e ao mesmo tempo estabelecer o tema de uma obra, tudo de maneira divertida e natural.
A diferença de Jeremias não é apenas com relação à família. Na escola ele é escarnecido pelas outras crianças e alvo de irritação da professora, já que ele questiona tudo. Sua salvação acontece quando ele, correndo de garotos que o perseguiam, vai parar ao lado de dois homens que jogavam xadrez na calçada de uma livraria. Os dois apresentam não só proteção, mas também compreensão. quando Jeremias se revela um gênio do xadrez, o que leva o dono da livraria a pagar para ele um teste de QI. É curioso que isso é feito às escondidas, uma vez que o pai se recusa a acreditar que seu filho seja um gênio.
Embora a vida de Jeremias pudesse ser um drama, afinal ele é um gênio incompreendido, sua forma de ver o mundo faz com que o filme seja suave e divertido. Afinal, é o olhar de uma criança.
Vale destacar a atuação incrível do garoto Martín Castro, que consegue dar vida ao protagonista e, ao mesmo tempo, entregar uma atuação que encaixa perfeitamente no clima da obra.
Em tempo: como logo percebemos no filme, Jeremias é um gênio exatamente por ser alguém que sempre pergunta e não vergonha de dizer que ignora algo. Exemplo disso é quando a professora pergunta algo a ele que não foi ensinado. “Você não é um gênio? Deveria saber?. “Eu sou um gênio, não um adivinho”, retruca ele.
A aliança Luthor/Brainiac
Lex Luthor e Brainiac são, provavelmente, os dois
principais adversários do Superman. Os dois se uniram para tentar derrotar o
herói na história publicada Superman 167, com roteiro de Edmond Hamilton e
desenhos de Curt Swan.
Na trama, Luthor consegue fugir da prisão usando mais de
uma de suas muitas estratégias científicas e tenta destruir o homem de aço
lançando sobre ele um míssil com uma ponta de kriptonita verde. Mas o herói é
mais esperto e, ao dar várias voltas ao redor da terra, faz com que a ogiva se
destrua através do atrito com o ar.
É quando o careca decide que precisa de um aliado igualmente
inteligente.
Naquela época, tudo nos roteiros era muito conveniente e,
convenientemente, o cientista do mal tem uma “sonda perscrutadora de mentes”,
que lhe permite achar pessoas inteligentes em qualquer lugar e qualquer época.
Era a forma do roteirista que o roteirista Edmond Hamilton encontrou para contar
a origem de Brainiac: em um planeta distante de pessoas verdes, os cientistas
criaram robôs super inteligentes, que tomam o poder. E esses robôs decidem
enviar espiões para outros planetas, afim de conquistá-los. Como as pessoas ali
eram verdes, os robôs fazem o espião verde, achando que esse é o padrão do
universo. Esse espião é Brainac.
Decidido que o robô alienígena é seu aliado ideal, ele o liberta
da prisão onde o super-homem o prendeu de uma forma que só seria possível
naqueles tempos inocentes da era de prata: eles botam fogo na grama e nas
árvores, o que faz com que os portões se abram. “Como imaginei! Superman deixou
sensores que abririam automaticamente sua cela em caso de ameaças como
inundações e incêndios!”. Os heróis da DC àquela época eram bonzinhos de dar
dó.
Na tentativa de derrotar o homem de aço, os dois passam por
um planeta em que Luthor é considerado um herói e o leitor descobre que Brainac
é responsável por miniaturizar a cidade de Kandor.
A história inclui uma passagem por um mundo onde Luthor é um herói.
Era incrível como os quadrinhos do super dessa época uniam
ingenuidade com inventividade em história que em que não havia praticamente
nenhuma violência. Reflexo direto de uma época mais inocente. Contribui muito
para isso o desenho limpo e bonito de Curt Swan, quase sempre sem cenários,
destacando os personagens. Não é à toa que quando quis produzir uma história
para homenagear a era de prata, antes da reformulação de John Byrne, Alan Moore
fez questão que a história fosse desenhada por Curt Swan. O seu traço virou
símbolo de uma época.
Mestre Giles d´Aldeia, de J.R.R. Tolkien
Embora seja mais conhecido pela trilogia O senhor dos anéis,
Tolkien tem também uma ampla produção de livros de fantasia com histórias fechadas.
Exemplo disso é o volume Mestre Giles d´Aldeia, lançado no Brasil em uma
belíssima edição da Harperkids.
O livro conta a história de um pacato fazendeiro que sem
querer acaba se tornando um herói ao afugentar um gigante de suas terras. A narrativa
une fantasia com humor, como se pode ver na descrição do cachorro do
protagonista: “O nome dele era Ganido. Os cães deviam contentar-se com nomes
curtos da língua nacional: o latim dos livros era reservado para seus
superiores. Ganido não sabia falar nem mesmo um latim grosseiro, mas sabia usar
a língua dos plebeus tanto para ameaçar e contar vantagens como para bajular”.
A sequência do gigante é hilária. Giles enche seu bacamarte
de pedras e entulhos, mas quando vê o gigante fica tão assustado que, sem
querer, dispara a arma. Um prego vai parar no nariz do monstro, que, achando
que se trata de insetos gigantes, vai embora, não sem antes levar algumas
ovelhas para o jantar.
O episódio tem duas consequências. Primeiro transforma
Giles em um herói local a ponto dele receber do rei uma velha espada de
presente. Segundo, o gigante passa a espalhar a notícia de aquela região é rica
de vacas e ovelhas que podem ser comidos à vontade, o que leva um dragão a se
aventura pelo local.
Como herói local, Giles é obrigado a enfrentar a fera. O
primeiro diálogo entre os dois é de uma simplicidade e, ao mesmo tempo, de um
humor único:
- Desculpe a pergunta, mas você está procurando por mim? –
indaga o dragão.
Lá na frente, no segundo encontro entre o fazendeiro e o dragão,
será travado o mesmo diálogo, mas com sinal invertido, de modo que o
significado se torna oposto, o que mostra que Tolkien tinha pleno controle da
obra, planejando muito bem até mesmo os menores falas dos personagens.
No final, Mestre Giles d´Adeia se torna uma parábola sobre como
os poderosos usam os pobres a seu próprio benefício. É uma sutil, mas ferina
crítica social.
Não bastassem os méritos do próprio livro, a edição da Harperkids
é uma verdadeira preciosidade. Em formato 12 x 16 cm, capa dura, com fitilho, a
obra também traz as belíssimas ilustrações de Pauline Baynes, que mimetiza com perfeição
o estilo das iluminuras medievais. O único defeito é que, ao invés de colocar
as ilustrações no meio do livro, elas foram colocadas no final.