Se
há um filme que rompe barreiras entre gêneros ao mesmo tempo em que apresenta
uma atração divertida é Os deuses devem estar loucos, de Jamie Uys.
Lançado
em 1980, o filme inicia como um clássico documentário etnográfico. É uma forma
inventiva de apresentar os personagens e sua ambientação.
Um
narrador fala do deserto de Kalahari e de seus habitantes, os bosquímanos. Os
habitantes desse deserto africano são mostrados como um exemplo de felicidade
na terra. Como vivem em um local em que não existe nada para ser possuído, eles
não conhecem o senso de posse. “Deve ser o povo mais feliz do mundo. Eles não
têm crimes, nem punição, nem violência. Eles não têm leis, nem polícia, nem
juízes, nem chefes”, diz o narrador. Essa felicidade é ainda mais destacada
pela comparação com o homem civilizado cuja melhor representação é o homem que
sai de carro para colocar uma carta de caixa de correio a meia quadra de
distância para logo depois voltar para casa também de carro.
Mas
toda essa felicidade é perturbada por um “presente dos deuses”: um aviador joga
uma garrafa vazia de Coca-Cola pela janela. Esse pequeno objeto vai provocar
uma revolução na comunidade. Agora, pela primeira vez, há algo a se possuir,
algo que não pode ser compartilhado por todos, o que gera inveja, ciúmes e até
violência. Finalmente, a garrafa se torna uma arma, com pessoas batendo na
cabeça das outras com o objeto.
Ao
perceber que aquilo poderá levar a aldeia à ruína, o protagonista, Xi, resolve
partir para jogar a garrafa na beirada do mundo e é quando começa a história de
fato.
Em
sua busca pelo fim do mundo, o bosquímano é preso, solto, se envolve no meio de
uma batalha entre forças governamentais e guerrilheiros em uma comedia que em
alguns momentos chega a ser humor pastelão, como a do cientista que perde
completamente o controle quando está diante de uma mulher.
O
filme é delicioso de assistir, com uma narrativa fluída, mas o que chama
atenção é o seu aspecto crítico. Afinal, o que gera toda a confusão é uma
garrafa de Coca-cola, o maior símbolo do capitalismo e da sociedade dita
civilizada. Além disso, aqui, embora o bosquímano pareça ser o bobo, que não
entende ao certo tudo que está acontecendo, no final, é ele que resolve toda a
situação. Sua atuação é muito mais heroica que a do personagem branco, numa
total inversão do que se via à época.
Dirigido
pelo cineasta sul-africano Jamie Uys, o filme fez tanto sucesso que gerou três
sequências, uma delas dirigida pelo próprio Uys.
Sem comentários:
Enviar um comentário