sexta-feira, maio 23, 2025

Os deuses devem estar loucos

 


Se há um filme que rompe barreiras entre gêneros ao mesmo tempo em que apresenta uma atração divertida é Os deuses devem estar loucos, de Jamie Uys. 

Lançado em 1980, o filme inicia como um clássico documentário etnográfico. É uma forma inventiva de apresentar os personagens e sua ambientação.

Um narrador fala do deserto de Kalahari e de seus habitantes, os bosquímanos. Os habitantes desse deserto africano são mostrados como um exemplo de felicidade na terra. Como vivem em um local em que não existe nada para ser possuído, eles não conhecem o senso de posse. “Deve ser o povo mais feliz do mundo. Eles não têm crimes, nem punição, nem violência. Eles não têm leis, nem polícia, nem juízes, nem chefes”, diz o narrador. Essa felicidade é ainda mais destacada pela comparação com o homem civilizado cuja melhor representação é o homem que sai de carro para colocar uma carta de caixa de correio a meia quadra de distância para logo depois voltar para casa também de carro.

Mas toda essa felicidade é perturbada por um “presente dos deuses”: um aviador joga uma garrafa vazia de Coca-Cola pela janela. Esse pequeno objeto vai provocar uma revolução na comunidade. Agora, pela primeira vez, há algo a se possuir, algo que não pode ser compartilhado por todos, o que gera inveja, ciúmes e até violência. Finalmente, a garrafa se torna uma arma, com pessoas batendo na cabeça das outras com o objeto.

Ao perceber que aquilo poderá levar a aldeia à ruína, o protagonista, Xi, resolve partir para jogar a garrafa na beirada do mundo e é quando começa a história de fato.

Em sua busca pelo fim do mundo, o bosquímano é preso, solto, se envolve no meio de uma batalha entre forças governamentais e guerrilheiros em uma comedia que em alguns momentos chega a ser humor pastelão, como a do cientista que perde completamente o controle quando está diante de uma mulher.

O filme é delicioso de assistir, com uma narrativa fluída, mas o que chama atenção é o seu aspecto crítico. Afinal, o que gera toda a confusão é uma garrafa de Coca-cola, o maior símbolo do capitalismo e da sociedade dita civilizada. Além disso, aqui, embora o bosquímano pareça ser o bobo, que não entende ao certo tudo que está acontecendo, no final, é ele que resolve toda a situação. Sua atuação é muito mais heroica que a do personagem branco, numa total inversão do que se via à época.

Dirigido pelo cineasta sul-africano Jamie Uys, o filme fez tanto sucesso que gerou três sequências, uma delas dirigida pelo próprio Uys.

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