Em uma das cenas mais emblemáticas do filme O Agente
Secreto, de Kleber Mendonça Filho, um assassino profissional e seu ajudante
matam uma mulher e jogam o corpo no rio. O ajudante pergunta várias vezes quem
é a mulher, mas essa resposta nunca vem. Além de representar os mortos anônimos
da ditadura militar, a cena resume a proposta narrativa da película: em O
Agente Secreto, a trama se sustenta muito mais no que não é dito ou
mostrado, criando uma sensação de inquietude no espectador.
Na história, um professor universitário faz uma descoberta
tecnológica que o coloca em rota de colisão com os interesses de multinacionais
e busca abrigo na casa de pessoas que também foram ameaçadas de morte. Um
empresário italiano, com cargo no governo, contrata os dois assassinos
profissionais do início para matá-lo. A história se passa na época da ditadura
militar e todo o aparato estatal é colocado a favor dessa perseguição,
incluindo a cassação de seu passaporte para impedir que ele saia do país. Quando
o assassino chega em Recife, descobre-se que ele é amigo de um delegado que
chefia um esquadrão da morte.
Como dito acima, a narrativa toda se estrutura no que não é
mostrado. Não sabemos, por exemplo, como morreu a esposa do protagonista e se
sua morte foi realmente natural. Acompanhamos a narrativa do delegado e da
perna encontrada dentro de um tubarão que, aparentemente, é de alguém que ele
matou, mas não sabemos quem nem o que o levou a fazer isso. Tudo isso poderia
se caracterizar como pontas soltas, mas não são. O diretor quis emular a
dificuldade de recompor histórias da época da ditadura, criando no espectador
uma sensação de inquietude, de algo que nunca se resolve – estratégia narrativa
destacada pelo final, em que o momento mais importante do filme é simplesmente
pulado, fugindo da abordagem emocional comum nesse tipo de obra (vide Ainda
Estou Aqui).
A crítica colonialista fica nítida no filme em dois níveis:
quando o empresário faz um mapa do mundo em um guardanapo e diz que o
hemisfério norte sempre mandou no sul e sempre será assim, mas também permeia o
colonialismo regional, como quando ele diz que todas as pesquisas importantes
devem se concentrar na região Sudeste.
Crítico e disruptivo em termos narrativos, O Agente
Secreto pode não agradar a todos os públicos, mas tem, sem dúvida, méritos
inquestionáveis, sendo o principal deles a forma como mexe com o espectador.

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