quarta-feira, novembro 12, 2025

O Agente Secreto

 


Em uma das cenas mais emblemáticas do filme O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, um assassino profissional e seu ajudante matam uma mulher e jogam o corpo no rio. O ajudante pergunta várias vezes quem é a mulher, mas essa resposta nunca vem. Além de representar os mortos anônimos da ditadura militar, a cena resume a proposta narrativa da película: em O Agente Secreto, a trama se sustenta muito mais no que não é dito ou mostrado, criando uma sensação de inquietude no espectador.

Na história, um professor universitário faz uma descoberta tecnológica que o coloca em rota de colisão com os interesses de multinacionais e busca abrigo na casa de pessoas que também foram ameaçadas de morte. Um empresário italiano, com cargo no governo, contrata os dois assassinos profissionais do início para matá-lo. A história se passa na época da ditadura militar e todo o aparato estatal é colocado a favor dessa perseguição, incluindo a cassação de seu passaporte para impedir que ele saia do país. Quando o assassino chega em Recife, descobre-se que ele é amigo de um delegado que chefia um esquadrão da morte.

Como dito acima, a narrativa toda se estrutura no que não é mostrado. Não sabemos, por exemplo, como morreu a esposa do protagonista e se sua morte foi realmente natural. Acompanhamos a narrativa do delegado e da perna encontrada dentro de um tubarão que, aparentemente, é de alguém que ele matou, mas não sabemos quem nem o que o levou a fazer isso. Tudo isso poderia se caracterizar como pontas soltas, mas não são. O diretor quis emular a dificuldade de recompor histórias da época da ditadura, criando no espectador uma sensação de inquietude, de algo que nunca se resolve – estratégia narrativa destacada pelo final, em que o momento mais importante do filme é simplesmente pulado, fugindo da abordagem emocional comum nesse tipo de obra (vide Ainda Estou Aqui).

A crítica colonialista fica nítida no filme em dois níveis: quando o empresário faz um mapa do mundo em um guardanapo e diz que o hemisfério norte sempre mandou no sul e sempre será assim, mas também permeia o colonialismo regional, como quando ele diz que todas as pesquisas importantes devem se concentrar na região Sudeste.

Crítico e disruptivo em termos narrativos, O Agente Secreto pode não agradar a todos os públicos, mas tem, sem dúvida, méritos inquestionáveis, sendo o principal deles a forma como mexe com o espectador.

Sem comentários: