terça-feira, setembro 30, 2025
Os comícios nazistas
Escola do Rock
Curioso como a maioria dos filmes sobre educação tratam de professores criativos em conflito com a educação tradicional. As crianças desenvolvem seus talentos não só musicais, mas capacidade de organização, liderança e até mesmo matemática (como o garoto que fica responsável por organizar a iluminação do show), mas o professor é repreendido mesmo quando, após ser pego com uma guitarra, usa a música para ensinar matemática para as crianças. Mas, ao contrário de outro filme muito semelhante, Sociedade dos poetas mortos, neste não temos um final depressivo. Ao contrário: o final é realmente empolgante, quando as crianças, após todas as dificuldades, conseguem se apresentar na batalha de bandas.
Jack Black é alma do filme, com uma atuação espetacular, mas o que chama atenção são as talentosas crianças cujo talento musical fica ainda mais explícito nas cenas de improvisação musical.
Não por acaso, o filme se tornou um enorme sucesso (Se você tem Netflix, corra para assistir, pois ele irá sair do streaming até o final do ano).
Meu personagem no divã, de Rafael Senra
Imagine escrever um livro, publicá-lo e, pouco antes do lançamento, descobrir que o personagem não só existe, como ainda passa pelas mesmas situações narradas na obra. Esse é o mote de Meu personagem no divã, livro escrito por Rafael Senra e lançado pela Uratau em 2023.
Na trama, Paulo é um psicólogo que usa sua experiência no divã para coletar informações psicológicas para suas obras literárias. Mas um dia ele recebe uma visita de um tal de Guto, mesmo nome do personagem do seu livro e este lhe relata diversos fatos que são nada mais nada menos que os acontentecimentos do livro. Pior, até mesmo a história principal se repete: ele recebeu uma encomenda e decide não abri-la.
E agora, como escritor e editor irão lidar com o fato?
Esse enredo se transforma em uma trama policial com toques de humor.
Há momentos de humor leve, quase subentendido e outros de humor descarado, do tipo que te arranca uma sonora gargalhada.
Meu personagem no divã parece um episódio de Além da Imaginação misturado com humor. É uma leitura agradável, que nos pega tanto pelo suspense de saber o que está acontecendo como pelo absurdo dos acontecimentos.
Além disso, ainda temos um ótimo plot twist, que finalmente explica tudo, e um final que reverbera pura filosofia.
Para comprar o livro: https://editoraurutau.com/titulo/meu-personagem-no-diva
Doutor Estranho e Doutor Destino: Triúnfo e tormento
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O desenho de Mignola é perfeito para a história. |
Um homem chamado Nova!
Entre os vários personagens da Marvel apresentados no Brasil pela RGE, certamente um dos que mais chamaram a atenção dos leitores foi Nova, criado por Marv Wolfman e Len Wein (com uniforme definitivo idealizado por John Romita).
O personagem, surgido em 1976 já com título próprio, foi pensando como um Homem-aranha com toques de ficção científica.
Essa mistura já era óbvia na primeira página da revista de estréia. A imagem mostrava uma nave singrando o espaço enquanto o texto dizia: “Gravação de registro dados 409: Não consigo me mover, meus braços e pernas foram esmagados por Zoor. Mas ainda preciso persegui-lo... aos confins da galáxia se for preciso”.
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A página inicial sintetiza todos os elementos da série. |
Logo abaixo, numa grande cena de impacto, vemos um garoto franzino perdendo a bola de basquete para uma garota. O texto, criativo, conversava com o leitor: “Onde você estava ontem às 16h15? Se estava tomando sorvete de morango com refri no salão das delícias do Tio Calda, havia chance dessa história ser sobre você!”. E continuava: “Contudo, no infortúnio de você não ter sido sortudo o bastante para estar lá, nós, da Marvel, sugerimos que se sente numa poltrona confortável, tire os sapatos e aproveite a eletrizante origem do novo herói mais espetacular sobre o qual você já teve o privilégio de ler... Nova!”.
Só nessa única página temos todos os elementos que fariam a fórmula de sucsso do personagem: o enredo de ficção científica, o protagonista azarado, vítima de bullying o texto divertido e a identificação com o leitor adolescente.
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O protagonista é vítima do valentão da escola. |
O protagonista era um garoto de 17 anos, Richard Rider, que recebe poderes de um ser espacial para combater um vilão espacial que destruiu o planeta do Nova original e pretende conquistar a Terra.
A série era tão calcada no Homem-Aranha que Marv Wolfman até se permite um momento de metalinguagem em um balão de pensamento enquanto o herói enfrenta Zoor, o conquistador: “Sou super-herói há cinco minutos e já faço frases de efeito que nem o Wood Allen! Acho que lá no fundo há algo de tão bizarro e artificial em ter poderes especiais que você tem que fazer piadas durante as lutas”. O comentário é, sem dúvida, uma referência ao costume do aracnídeo de sempre fazer comentários jocosos enquanto troca socos com algum vilão.
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A forma como era mostrado o herói voando era inovadora. |
Algo interessante no personagem, introduzido por John Romita, é a forma como ele é mostrado voando. A parte de baixo de seu corpo desaparece e no lugar surge um rastro de luz amarela. Nenhum outro personagem voador havia sido mostrado nos quadrinhos dessa forma. O efeito é impressionante.
No Brasil esse personagem era carinhosamente conhecido pelos leitores como "Cabeça de balde".
Artigo Representatividade regional no prêmio Angelo Agostini é publicado em livro da Aspas
Em 2024 eu apresentei no I Encontro Internacional do Aspas (Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial) o artigo A representatividade regional no prêmio Angelo Agostini. Eu analisei categoria por categoria identificando de onde eram os ganhadores. Entre outras coisas, eu descobri que o estado de São Paulo abocanhou 57% dos troféus. A região sudeste ficou com 83,9% das premiações. Desde que o prêmio surgiu, em 1985, até 2023, período do recorte da pesquisa, apenas 0,7% dos prêmios foram para autores da região norte. Na premiação do ano de 2023, 100% dos prêmios foram para a região sudeste. O artigo foi finalmente publicado no livro Quadrinhos, conceitos e linguagens, que pode ser baixado gratuitamente no site da Aspas.
Para baixar o livro, clique aqui.
O nazismo é de esquerda?
segunda-feira, setembro 29, 2025
Todo mundo quer informação

Minha mulher me conta que, quando ela e a família moravam no interior, havia um objeto que jamais faltava na casa: o radinho de pilha. Era por ele que chegavam as informações sobre o que estava acontecendo noEstado, no país e no mundo. Essa história demonstra uma característica essencial do ser humano: a necessidade de informação.
Talvez eu seja um exagerado, mas acredito, sinceramente, que todos os grandes projetos da humanidade foram motivados pela busca da novidade. Por que Colombo descobriu a América? Porque a curiosidade o impelia. E os portugueses? Por que navegavam? Porque eles buscavam o novo, o diferente, o inusitado. A necessidade de informação era tão grande que eles desafiavam todo e qualquer perigo, real ou imaginário e perseveraram em suas viagens ao redor da costa Africana. Como dizia o poeta, “Navegar é preciso, viver não é preciso”.
Sim, eu sei. Muitos discordarão, argumentando que as grandes navegações tinham como objetivo a busca de riquezas. Verdade. Mas será que riqueza era a única coisa que impelia aventureiros como Cristóvão Colombo? Além disso, para que serve a riqueza? Para comprar novida-
des. Um vestido novo é uma novidade e, portanto, informação. Nunca ouvi falar de alguém são que pretendesse ficar rico para viverenclausurado em um quarto vazio.
Quero dar um exemplo recente: a chegada do homem à Lua. Os EUA gastaram milhões de dólares para quê? Para matar a curiosidade humana. O que há lá em cima? Como será andar na lua?
Claro, havia a guerra fria, que dava um grande incentivo ao progr

Essa é a razão pela qual a profissão de jornalista é tão importante: a matéria-prima do jornalismo é a informação. É o jornalista que leva as novidades às pessoas, seja através da internet, da televisão, do jornal ou de um radinho de pilha em uma casinha na beira do rio...
Valerian, o filme
Gostei de Valerian. O filme tem inegáveis problemas de roteiro (como o envolvimento romântico forçado dos personagens, com Valerian pedindo Laureline em casamento logo nos primeiros minutos), mas nada que realmente comprometa a história ou a verossimilhança do roteiro.
A série Valerian se destaca pelos protagonistas carismáticos, mas principalmente por ter sido uma das melhores histórias em quadrinhos que desenvolveram o "sense o wonder".
O roteirista Christin sempre foi um mestre do olhar antropológico futurista: em mostrar raças, situações, culturas e costumes extraterrestres e isso está bem preservado no filme de Luc Bresson.
O mercado que só existe em outra dimensão, a estação espacial que é ponto de centenas de raças, o pequeno mascote capaz de reproduzir tudo o que come, os mais variados tipos de seres com seus costumes estranhos para nós, tudo isso está ali, assim como o humor característico dos quadrinhos. Valerian é uma ótima diversão.
Superdeuses, de Grant Morrison
Thor contra o Homem-radioativo
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No início da década de 1960 era muito comuns que os vilões da Marvel fossem ameaças comunistas, a exemplo do Homem-radioativo, surgido Journey into Mystery 93, de 1963.
Na história, Thor interfere na guerra entre a China e Índia e com isso provoca a fúria das autoridades chinesas, que convocam seus melhores cientistas e fazem um ultimato: “Vocês são os nossos maiores estrategistas militares e gênios científicos! Falem! Eu exijo que me deem soluções imediatas para nos livrarmos de Thor!”.
O curioso, nessa época, é que os vilões se diziam literalmente vilões: “Cedo ou tarde teremos que enfrentar a democracia!”.
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O cientista ganha super-poderes ao se expor à radiação. Naquela época era muito fácil ganhar super-poderes. |
Um dos cientistas resolve se bombardear com radiação, transformando-se no... Homem-radioativo!!!!!! (A justificativa para ele não ter sido torrado pela radiação é que ele vinha aumentando sua imunidade ao se expor continuamente à radiação, o que, ao invés de dar-lhe um câncer, tornou-o resiste!).
A história, com plot de Stan Lee, diálogos de Robert Bernstein e desenhos de Jack Kirby, é um primor daqueles tempos mais ingênuos. O vilão viaja a Nova York para derrotar Thor. Lá o deus do trovão descobre que seu martelo encantando é repelido pela radiação. Pior, o Homem-radioativo cria um redemoinho que hipnotiza o viking.
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Um redemoinho de radiação que hipnotiza Thor? Santo roteirismo, Batman! |
Mas o vilão comete um erro: manda que Thor jogue longe seu martelo, mas ele joga longe demais. Enquanto o homem-radioativo vai procurar o mjorn, o herói volta a ser Don Blake.
Curiosamente, o vilão encontra com o médico logo depois da transformação e, claro, fala como um vilão, pois naquela época não bastava agir e pensar como vilão, também era necessário fazer discursos de vilão: “Você, seu verme insignificante... viu para onde foi Thor?”. Blake aponta uma direção qualquer e depois corre para seu consultório, onde fabrica uma máquina capaz de encontrar seu martelo. Mais uma coisa impressionante daquela época: todo herói da Marvel era um grande inventor e inventava coisas com a rapidez das necessidades do roteiro.
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Don Blake inventa uma máquina para ajudar a achar o martelo. Tudo é possível quando o roteirista quer. |
No final, depois de toda essa trama rocambolesca com um vilão aparentemente invencível, Thor resolve toda a situação em mera meia-página. O vilão invencível no final se revela esquecível.
Para piorar (ou melhorar, dependendo do ponto de vista), o desenho de Kirby não parece muito inspirado. O rei só pareceu voltar a ter interesse por Thor quando começou a ser publicada a série Contos de Asgard.
Trent – El Chaval
Nas histórias de faroeste é comum os bandidos serem mostrados como malfeitores cruéis e desalmados. A segunda história da série Trent, de Rudolph e Leo, modifica totalmente esse paradigma ao mostrar um garoto que vive de roubos e, com apenas 17 anos já matou dez pessoas… mas é também um apaixonado por poesia.
A história começa com um assalto a um banco de uma pequena
cidade efetuado por um garoto de 17 anos e uma menina de 16, sua namorada.
Alertado, o xerife consegue matar a garota, mas o seu parceiro foge e Trent é
destacado para prendê-lo.
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A história começa com um assalto que dá errado. |
O que torna a história interessante é o dilema ético do
policial e sua percepção de que o diabo não é tão ruim quanto lhe pintaram. O
superior de Trent diz que o fugitivo dispara em tudo que se move, mas, conforme
vai seguindo seu rastro, o policial descobre que ele deixou amigos pelo caminho
e que a história não é tão preto no branco. Por exemplo, dois rapazes mortos
por ele eram o terror da cidade onde moravam e o atormentaram até que ele
aceitasse um duelo.
Se esse aspecto psicológico já não fosse interessante o
suficiente, ainda temos um plot twist. Trent consegue pegar o fugitivo dormindo
e algemá-lo. Mas quando saí para caçar, fugitivos de uma penitenciária chegam
ao local e prendem Trent e o prisioneiro na mesma algema, tirando deles todos os
pertences, inclusive as botas.
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Émile deixa mortos, amigos e poesia por onde passa. |
Sensível e ao mesmo tempo empolgante, Trent é um dos
melhores faroestes que já li. Pena que nenhuma editora brasileira se interessou
em publicar por aqui. Mas para os que ficarem curiosos, é fácil achar scans.
Esquadrão Atari – Memória viva
O número 9 de Esquadrão Atari apresenta uma espécie de interlúdio. Nos números anteriores, o novo Esquadrão enfrentara o Destruidor Negro e conseguira escapar. Neste, Chris usa seus poderes de teleportação para voltar à Nova Terra e conversar com os integrantes do primeiro esquadrão. Seu objetivo: tentar entender quem é o vilão.
Para dar um pouco da ação para a história, o herói é perseguido pela segurança da Nova Terra.
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Tormenta volta para a Terra para saber mais sobre o Destruidor. |
Mas o interessante aqui é a narrativa do passado. Afinal, essa história havia sido publicada numa revista brinde encartada nos cartuchos da Atari e boa parte dos leitores não a conhecia – na verdade, quando foi publicada no Brasil, NINGUÉM conhecia, já que a primeira parte não tinha sido publicada em nosso país.
Na história, a Scanner I é aprisionada por uma criatura alienígena repleta de tentáculos que conseguia se locomover entre as dimensões. Logo após se livrar do monstro, o grupo descobre um planeta devastado pela guerra.
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Essa edição conta fatos do gibi encartado nos cartuchos Atari. |
Lá eles encontram o ser que se tornaria o mascote do grupo, tanto na primeira quando na segunda versão, Hukka. E é o animalzinho que ajuda o grupo quando este é atacado por naves enviadas pelo Destruidor (ele indica onde encontrar uma nave e uma jóia mental que explicava como pilotar a nave).
Embora seja uma edição morna, com pouca importância na trama, ela ajuda o leitor a entender quem é o vilão que o grupo está enfrentando... e, ao final, traz um gancho e tanto: a volta de Blackjack.
domingo, setembro 28, 2025
Júlia Kendall – Pena de morte
O roteirista Giancarlo Berardi, provavelmente um dos melhores em atividade atualmente, consegue criar tramas inovadoras mesmo dentro de um gênero padrão, como o policial.
No policial convencional, alguém comente um crime é o protagonista passa toda a trama tentando descobrir quem é o criminoso.
Em Pena Capital, o desafio é o oposto. Uma garota vai ser executada, depois de ter sido condenada por supostamente ter matado o pai. O tempo é muito curto, e Júlia precisa descobrir algum indício que prove a inocência da personagem antes que ela receba a injeção letal.
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Relógios são elementos recorrentes na narrativa... |
Essa trama não só subverte o que a maioria dos leitores espera de uma história policial como acrescenta um aspecto de suspense realmente surpreendente.
A narrativa é divida em três: na primeira vemos o governador, que poderia dar o perdão para a prisioneira, envolvido numa trama doméstica que o fará mudar de ideia e assinar a execução.
A segunda narrativa é a da própria condenada, na prisão, no seu último dia de vida incluindo uma visita da irmã. Acompanhamos sua apreensão, seus temores, suas mudanças bruscas de humor, o desespero.
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... eles lembram que a hora da injeção letal se aproxima. |
E, finalmente, na terceira narrativa, acompanhamos Júlia e outra personagem refazendo todo o processo de investigação, entrevistando testemunhas. Nada, no entanto, parece indicar uma reviravolta no processo... e o tempo vai se esgotando. A reviravolta final não é forçada e parece uma consequência direta do que vimos até ali.
Berardi (com a ajuda de Maurizio Mantero) consegue fazer um libelo contra a pena de morte de forma totalmente orgânica, numa trama empolgante.
Em tempo: algo que me incomoda é ver um dos melhores quadrinhos do mercado sendo lançado em formatinho (na Itália o formato é maior) e papel de péssima qualidade enquanto obras totalmente descartáveis estão sendo lançadas com papel luxuoso e capa dura. Parece que o mercado editorial está virado de cabeça para baixo.