terça-feira, setembro 30, 2025

Os comícios nazistas

 


Um dos mais importantes instrumentos de propaganda nazista eram os comícios. Eles eram assistidos por centenas de milhares de pessoas. Para que os presentes fossem envolvidos pela idéia da alemanha grandiosa, os cenários eram cuidadosamente pensados e teatrais. Tudo era imenso: colunas, suásticas, símbolos.
No início o próprio Hitler desenhava os cenários, mas depois ele contou com preciosa colaboração do arquiteto Albert Speer. Speer comprendia melhor que ninguém a explosão de emoção nas quais deveriam ser transformados os comícios.
No meio de toda essa grandiosidade, holofotes dirigiam fachos de luz para um ponto central mais elevado, no centro do espetáculo. Para essa catedral de luz, Hitler marchava solenemente, seguido por uma grande procissão.
Saudações estrondosas emcobriam o som da banda de música. O fuhrer subia e ficava lá, esperando o silêncio total.
De repente aparecia na distância uma procissão vermelha  que avançava na direção do líder. Eram 25 mil bandeiras nazistas, um verdadeiro mar de suásticas.
Quando Hitler começava a falar, toda a multidão já se encontrava em um estado de fervor e excitação extremos.

Escola do Rock

 

Escola de rock é um filme de 2003 dirigido por Richard Linklater, escrito por Mick White, e estrelado por Jack Black. Na história, um roqueiro fracassado se disfarça de professor substituto em uma rígida escola tradicional. Ao perceber o talento das crianças para a música, ele as convence a participar da batalha de bandas argumentando que se trata de uma competição entre escolas. 
Curioso como a maioria dos filmes sobre educação tratam de professores criativos em conflito com a educação tradicional. As crianças desenvolvem seus talentos não só musicais, mas capacidade de organização, liderança e até mesmo matemática (como o garoto que fica responsável por organizar a iluminação do show), mas o professor é repreendido mesmo quando, após ser pego com uma guitarra, usa a música para ensinar matemática para as crianças. Mas, ao contrário de outro filme muito semelhante, Sociedade dos poetas mortos, neste não temos um final depressivo. Ao contrário: o final é realmente empolgante, quando as crianças, após todas as dificuldades, conseguem se apresentar na batalha de bandas. 
Jack Black é alma do filme, com uma atuação espetacular, mas o que chama atenção são as talentosas crianças cujo talento musical fica ainda mais explícito nas cenas de improvisação musical. 
Não por acaso, o filme se tornou um enorme sucesso (Se você tem Netflix, corra para assistir, pois ele irá sair do streaming até o final do ano). 

Meu personagem no divã, de Rafael Senra

 



Imagine escrever um livro, publicá-lo e, pouco antes do lançamento, descobrir que o personagem não só existe, como ainda passa pelas mesmas situações narradas na obra. Esse é o mote de Meu personagem no divã, livro escrito por Rafael Senra e lançado pela Uratau em 2023.

Na trama, Paulo é um psicólogo que usa sua experiência no divã para coletar informações psicológicas para suas obras literárias. Mas um dia ele recebe uma visita de um tal de Guto, mesmo nome do personagem do seu livro e este lhe relata diversos fatos que são nada mais nada menos que os acontentecimentos do livro. Pior, até mesmo a história principal se repete: ele recebeu uma encomenda e decide não abri-la.

E agora, como escritor e editor irão lidar com o fato?

Esse enredo se transforma em uma trama policial com toques de humor.

Há momentos de humor leve, quase subentendido e outros de humor descarado, do tipo que te arranca uma sonora gargalhada.

Meu personagem no divã parece um episódio de Além da Imaginação misturado com humor. É uma leitura agradável, que nos pega tanto pelo suspense de saber o que está acontecendo como pelo absurdo dos acontecimentos.

Além disso, ainda temos um ótimo plot twist, que finalmente explica tudo, e um final que reverbera pura filosofia. 

Para comprar o livro:  https://editoraurutau.com/titulo/meu-personagem-no-diva

Doutor Estranho e Doutor Destino: Triúnfo e tormento

 


Um dos diferenciais que fizeram o sucesso da Marvel era a forma tridimensional como os personagens eram apresentados. E não só os heróis, mas também os vilões. Estes não eram maus por serem maus, mas sempre tinham uma boa motivação por trás de seus atos. E, entre todos os vilões, um dos mais complexos era o Dr. Destino.
Poucas obras exploraram tão bem essa complexidade quanto a graphic novel Triunfo e Tormento, escrita por Roger Stern com desenhos de Mike Mignola.
Na história um eremita chamado Gengis convoca todos os principais magos do mundo para um desafio. Quem vencer, será reconhecido como mago supremo.
Curiosamente, o Doutor Destino é chamado. Embora seja mais reconhecido por suas conquistas tecnológicas, descobrimos que ele é um mago de relativo poder e muita astúcia, tanto que acaba ficando em segundo lugar na disputa.
Os principais magos do mundo são chamados para uma disputa. 


Terminado o torneio, o vencedor deve conceder uma dádiva ao segundo lugar. E o que o vilão pede ao herói? Para salvar a mãe, presa no inferno por Mefisto.
Descobrimos então que a mãe do vilão fez um pacto com o demônio para libertar seu povo, os ciganos, da terrível perseguição de um barão. Mas não se pode confiar num demônio. Tudo acaba dando errado e a alma da mulher é aprisionada no inferno.
Os dois vão ao inferno resgatar a mãe de Destino. 


Cabe agora aos dois doutores descer às profundezas infernais e resgatar a mãe de Victor Von Doom.
Mignola é um dos desenhistas mais queridos de sua geração, e não sem razão. Seu traço expressivo, com forte constraste de luz e sombra é perfeito para essa história de magia e inferno.
O desenho de Mignola é perfeito para a história. 

Mas o roteiro é realmente a grande atração. Roger Stern faz uma história repleta de ação, mas principalmente com ótimo aprofundamento dos personagens, em especial do Dr. Destino. Conhecemos sua história e nos surpreendemos ao perceber que sua maior motivação é salvar a mãe. Por outro lado, durante uma alucinação, o doutor estranho se vê como um médico arrogante e interesseiro. Aí temos a grande inversão que faz essa história ser genial: o herói à certa altura é mostrado como alguém que só pensava em dinheiro e o vilão como alguém cujo maior sonho é salvar a mãe. No final, bem amarrado, ambos têm um tipo de rendenção.
São histórias como essa que faziam com que a Marvel fosse uma editora tão especial.
Essa história foi lançada no número 5 da coleção Graphic Marvel, da Abril, e, mais recentemente, pela Panini.

Um homem chamado Nova!

 


Entre os vários personagens da Marvel apresentados no Brasil pela RGE, certamente um dos que mais chamaram a atenção dos leitores foi Nova, criado por Marv Wolfman e Len Wein (com uniforme definitivo idealizado por John Romita).

O personagem, surgido em 1976 já com título próprio, foi pensando como um Homem-aranha com toques de ficção científica.

Essa mistura já era óbvia na primeira página da revista de estréia. A imagem mostrava uma nave singrando o espaço enquanto o texto dizia: “Gravação de registro dados 409: Não consigo me mover, meus braços e pernas foram esmagados por Zoor. Mas ainda preciso persegui-lo... aos confins da galáxia se for preciso”.

A página inicial sintetiza todos os elementos da série. 

Logo abaixo, numa grande cena de impacto, vemos um garoto franzino perdendo a bola de basquete para uma garota. O texto, criativo, conversava com o leitor: “Onde você estava ontem às 16h15? Se estava tomando sorvete de morango com refri no salão das delícias do Tio Calda, havia chance dessa história ser sobre você!”. E continuava:  “Contudo, no infortúnio de você não ter sido sortudo o bastante para estar lá, nós, da Marvel, sugerimos que se sente numa poltrona confortável, tire os sapatos e aproveite a eletrizante origem do novo herói mais espetacular sobre o qual você já teve o privilégio de ler... Nova!”.

Só nessa única página temos todos os elementos que fariam a fórmula de sucsso do personagem: o enredo de ficção científica, o protagonista azarado, vítima de bullying o texto divertido e a identificação com o leitor adolescente.

O protagonista é vítima do valentão da escola. 

O protagonista era um garoto de 17 anos, Richard Rider, que recebe poderes de um ser espacial para combater um vilão espacial que destruiu o planeta do Nova original e pretende conquistar a Terra.

A série era tão calcada no Homem-Aranha que Marv Wolfman até se permite um momento de metalinguagem em um balão de pensamento enquanto o herói enfrenta Zoor, o conquistador: “Sou super-herói há cinco minutos e já faço frases de efeito que nem o Wood Allen! Acho que lá no fundo há algo de tão bizarro e artificial em ter poderes especiais que você tem que fazer piadas durante as lutas”. O comentário é, sem dúvida, uma referência ao costume do aracnídeo de sempre fazer comentários jocosos enquanto troca socos com algum vilão.

A forma como era mostrado o herói voando era inovadora. 

Algo interessante no personagem, introduzido por John Romita, é a forma como ele é mostrado voando. A parte de baixo de seu corpo desaparece e no lugar surge um rastro de luz amarela. Nenhum outro personagem voador havia sido mostrado nos quadrinhos dessa forma. O efeito é impressionante.  

No Brasil esse personagem era carinhosamente conhecido pelos leitores como "Cabeça de balde".

Artigo Representatividade regional no prêmio Angelo Agostini é publicado em livro da Aspas



Em 2024 eu apresentei no I Encontro Internacional do Aspas (Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial) o artigo A representatividade regional no prêmio Angelo Agostini. Eu analisei categoria por categoria identificando de onde eram os ganhadores. Entre outras coisas, eu descobri que o estado de São Paulo abocanhou 57% dos troféus. A região sudeste ficou com 83,9% das premiações. Desde que o prêmio surgiu, em 1985, até 2023, período do recorte da pesquisa, apenas 0,7% dos prêmios foram para autores da região norte. Na premiação do ano de 2023, 100% dos prêmios foram para a região sudeste. O artigo foi finalmente publicado no livro Quadrinhos, conceitos e linguagens, que pode ser baixado gratuitamente no site da Aspas.



Para baixar o livro, clique aqui.

O nazismo é de esquerda?

 

Recentemente alguns políticos brasileiros têm propalado a noção de que o nazismo é de esquerda. Um dos principais argumentos para isso estaria no nome do partido: nacional socialista.
Para entender esse nome é importante entender o contexto histórico de surgimento e ascensão do partido.
Tratava-se de um partido pequeno, sem ideologia certa ou expressão política. Mas chamou a atenção da polícia, que resolveu investigar exatamente por causa do socialismo no nome. Para isso mandaram um espião comparecer a uma das reuniões do partido. O espião foi, voltou e disse aos seus superiores que o partido pretendia agregar trabalhadores (daí o socialismo no nome), mas não tinha ideologia certa e que seria muito mais interessante direcioná-lo para uma vertente mais nacionalista do que perseguir seus membros.
Foi o que fizeram: o espião foi mandado de volta ao partido com esse objetivo e com o tempo se tornou o líder, inicialmente usando uma retórica social, mas procurando afastá-lo da esquerda e aprofundando as raízes nacionalistas da agremiação.
O nome desse espião era Adolf Hitler.
Futuramente, quando seu controle já estava bem estabelecido, a retórica social sumiu de seus discursos, dando lugar a um discurso nacionalista e racista, que viria a ser a base do nazismo.
Ao contrário da esquerda, por exemplo, o nazismo não pregava uma luta de classes, mas uma união de classes (e empresários alemães tiveram grandes lucros com o nazismo – mesmo depois da guerra algumas das maiores empresas do mundo eram alemães).
Há quem argumente que o nazismo era de esquerda porque havia forte intervenção estatal na economia (o Fusca, por exemplo, foi produzido a pedido de Hitler). Mas se economia estatal fosse exemplo de esquerda, os faraós do Egito poderiam ser considerados governantes de esquerda, só para dar um exemplo.
Na verdade, o nazismo se vendia como uma terceira opção, para além a esquerda e da direita. Mas sempre teve o apoio e a simpatia da direita, desde o começo quando a polícia governamental concordou em deixar o partido existir mudando sua ideologia. O movimento neonazista norte-americano tem como lema "Unite the Right" (unir à direita).
Mas por que razão os políticos brasileiros insistem em afirmar que o nazismo é de esquerda, ainda mais quando temos exemplos igualmente assombrosos de ditadores notadamente de esquerda, como Stalin, que governou a Rússia com mão de ferro em um governo que provocou a morte de milhões de pessoas?
Por que é mais importante para esses políticos associar Hitler à esquerda, do que associar Stalin à esquerda?
A razão disso que é todos os donos de estúdios de Hollywood eram judeus. Da mesma forma, todos os donos de editoras de quadrinhos e praticamente todos os artistas nos anos 1940 eram judeus.

Assim, durante décadas, tanto em filmes quanto em quadrinhos, os nazistas foram mostrados como o paradigma dos vilões (vale lembrar que o Capitão América aparece socando o rosto de Hitler na capa de seu primeiro gibi e até Indiana Jones tem os nazistas como vilões). Até Star Wars tem vilões inspirados em nazistas. Assim, para esses políticos brasileiros, é mais fácil fazer todo tipo de malabarismo retórico para convencer que os nazistas eram de esquerda do que explicar quem foi Stalin. 

segunda-feira, setembro 29, 2025

Todo mundo quer informação

 


Minha mulher me conta que, quando ela e a família moravam no interior, havia um objeto que jamais faltava na casa: o radinho de pilha. Era por ele que chegavam as informações sobre o que estava acontecendo noEstado, no país e no mundo. Essa história demonstra uma característica essencial do ser humano: a necessidade de informação.
Não importa como (internet, rádio, jornal, televisão), estamos sempre procurando novidades, querendo sair do marasmo do “nada de novo”. Essa necessidade é claramente visível nas crianças. O bebê que leva um objeto à boca está, a seu jeito, procurando informações sobre aquele objeto. É duro? Mole? Gostoso? Amargo? Doce?
Talvez eu seja um exagerado, mas acredito, sinceramente, que todos os grandes projetos da humanidade foram motivados pela busca da novidade. Por que Colombo descobriu a América? Porque a curiosidade o impelia. E os portugueses? Por que navegavam? Porque eles buscavam o novo, o diferente, o inusitado. A necessidade de informação era tão grande que eles desafiavam todo e qualquer perigo, real ou imaginário e perseveraram em suas viagens ao redor da costa Africana. Como dizia o poeta, “Navegar é preciso, viver não é preciso”.
Sim, eu sei. Muitos discordarão, argumentando que as grandes navegações tinham como objetivo a busca de riquezas. Verdade. Mas será que riqueza era a única coisa que impelia aventureiros como Cristóvão Colombo? Além disso, para que serve a riqueza? Para comprar novida-
des. Um vestido novo é uma novidade e, portanto, informação. Nunca ouvi falar de alguém são que pretendesse ficar rico para viverenclausurado em um quarto vazio.
Quero dar um exemplo recente: a chegada do homem à Lua. Os EUA gastaram milhões de dólares para quê? Para matar a curiosidade humana. O que há lá em cima? Como será andar na lua?
Claro, havia a guerra fria, que dava um grande incentivo ao programa espacial norte-americano. Mas será que foi a guerra fria que fez com que milhões de pessoas acompanhassem os passos de Neil Armstrong? Não. Foi a curiosidade. Todos queriam saber como seria a chegada da nave à Lua, o que aconteceria com os destemidos astronautas...
Essa é a razão pela qual a profissão de jornalista é tão importante: a matéria-prima do jornalismo é a informação. É o jornalista que leva as novidades às pessoas, seja através da internet, da televisão, do jornal ou de um radinho de pilha em uma casinha na beira do rio...

Valerian, o filme

 


Gostei de Valerian. O filme tem inegáveis problemas de roteiro (como o envolvimento romântico forçado dos personagens, com Valerian pedindo Laureline em casamento logo nos primeiros minutos), mas nada que realmente comprometa a história ou a verossimilhança do roteiro. 
A série Valerian se destaca pelos protagonistas carismáticos, mas principalmente por ter sido uma das melhores histórias em quadrinhos que desenvolveram o "sense o wonder". 
O roteirista Christin sempre foi um mestre do olhar antropológico futurista: em mostrar raças, situações, culturas e costumes extraterrestres e isso está bem preservado no filme de Luc Bresson.
O mercado que só existe em outra dimensão, a estação espacial que é ponto de centenas de raças, o pequeno mascote capaz de reproduzir tudo o que come, os mais variados tipos de seres com seus costumes estranhos para nós, tudo isso está ali, assim como o humor característico dos quadrinhos. Valerian é uma ótima diversão.

Superdeuses, de Grant Morrison

 


Grant Morrison é um dos mais importantes roteiristas de quadrinhos da atualidade. Foi um dos primeiros a experimentar a metalinguagem nos super-heróis, com o Homem-animal. Sua passagem por séries como Liga da Justiça e X-men são tanto memoráveis quanto polêmicas. Polêmicas, aliás, são também algumas de suas atitudes e declarações. Em outras palavras: é uma figura tão interessante quanto os personagens que escreve. Daí que o lançamento do livro Superdeuses (Seoman, 496 páginas) tem chamado tanta atenção.
O volume inicialmente era para ser uma antologia de entrevistas dadas pelo roteirista, mas Peter McGuigan, agente do escritor, sugeriu que o livro ficaria bem mais interessante com textos inéditos e Morrison se viu escrevendo centenas páginas numa mistura de análise do mito dos super-heróis com biografia e críticas lisérgicas sobre filmes, quadrinhos e seriados.
Um dos pontos interessantes do livro é a abordagem sobre a criação do mito dos super-heróis. Para ele, esses personagens “falam mais alto e com mais força frente aos nossos grandes medos, nossos desejos mais profundos e nossas maiores aspirações”.
Sua análise do surgimento mito, a partir do Super-homem, é um dos momentos mais inspirados do livro. Segundo ele, “O Superman original era uma reação humanista e audaciosa aos temores do período da Grande Depressão, do avanço científico desregrado e da industrialização sem alma (...) Se as perspectivas distópicas da época previam um mundo desumanizado, mecanizado,  Superman sugeria outra possibilidade: a imagem de um amanhã decididamente humano, que entregava o espetáculo do individualismo triunfante exercendo sua soberania sobre as forças implacáveis da opressão industrial”.
Essa visão é corroborada pelo fato do personagem estar sempre destruindo máquinas, como na primeira aparição do personagem, em que ele aparece na capa de Action Comics segurando um carro sobre a cabeça, pronto a jogá-lo contra uma pedra.
Se Superman merece uma apaixonada análise de sua primeira história, a outra estrela da DC, o soturno Batman, ganha de Morrison uma retrospectiva hilária dos desastres cinematográficos. Não é difícil imaginar o roteirista chapado com algum tipo de droga da moda assistindo a seriados, como os da década de 1940 e se divertindo a valer com seu humor ácido: “O Batmóvel era um conversível brega no qual Batman trocava de roupa no banco de trás enquanto o teto fechava e presto! O roadster facilmente identificável no qual Bruce e Dick tinham acabado de chegar, num piscar de olhos, virava o magnífico Batmóvel! Enquanto Batman se debatia para tirar as roupas e botar a fantasia de morcego, o dito Menino Prodígio assumia o volante ilegalmente e, quando era a vez do devasso Robin revirar-se para entrar nos trajes, Batman fazia as honras na frente. Era uma parceria lendária, afinal de contas”.  
Um ponto que não poderia ficar de fora de um livro de Morrison é sua antológica briga com Alan Moore, autor de Watchmen, V de Vingança e outras séries de renome. O escocês Morrison é nitidamente fã do trabalho de Alan Moore e tem que fazer um verdadeiro contorcionismo verbal ao elogiá-lo ao mesmo tempo em que o critica: “Alan Moore era autodidata, ambicioso, de uma inteligência feroz e extravagante, e o maior truque no seu arsenal de grandes truques era parecer totalmente inovador, como se não houvesse história dos quadrinhos anterior ao seu surgimento”.
A eterna inimizade entre os dois rende alguns dos melhores momentos do livro, como quando Alan Moore diz que a graphic novel Asilo Arkhan, de Morrison, é “cocô embrulhado em ouro” e Morrison afirma que Watchmen é “um poema colegial de 300 páginas”.
Também vale destacar os trechos com as esquisitices de Morrison, como a fase em que ele praticava magia do caos vestido de travesti. Ou a vez em que ele mascou haxixe e se sentiu abduzido por extraterrestres que lhe revelaram o segredo do universo – segredo que ele, gentilmente, compartilha com os leitores do livro.
Não se espere isenção de Morrison. Ele alfineta desafetos (como Moore), antigos amigos (como Mark Millar) e simplesmente ignora quem é da turma de Alan Moore, como Neil Gaiman, que merece apenas uma pequena menção na obra. Além disso, embora a Marvel rivalize com a DC na criação de mitos, ele se concentra muito mais nos heróis da DC, provavelmente reflexo de sua traumática passagem pelo título X-men.
Um ponto positivo da edição brasileira é que ela é traduzida por Érico Assis, jornalista especializado em quadrinhos, que sabe do que Morrison está falando. Isso evitou, por exemplo, que nomes de personagens fossem traduzidos de maneira diferente da usual no Brasil.
Um ponto negativo é a capa nacional, um assunto que não poderia ser ignorado em qualquer resenha mais séria. A capa original emula uma sequência de quadrinhos, com um planeta sendo destruído, um foguete sendo enviado ao espaço e o pequeno Karl-El sendo achado pelos Kents.  O título e o crédito são distribuídos de maneira elegante entre os quadros. A edição nacional deixou a elegância de fora. Ela é dominada por um título que surge de um rasgão, em letras garrafais, lembrando o cartaz do Superman da década de 1970, com um fundo de estrelas. A capa original é lembrada apenas pela parte de baixo, em que aparecem um homem e uma mulher. Sem a sequência é muito difícil deduzir que são Martha e Jonathan Kent e que eles estão achando o superbebê. Espera-se que a capa seja repensada para a próxima edição. Afinal, Superdeuses é leitura obrigatória para fãs de quadrinhos e pessoas que desejam entender o fenômeno de super-heróis.

Thor contra o Homem-radioativo

 


No início da década de 1960 era muito comuns que os vilões da Marvel fossem ameaças comunistas, a exemplo do Homem-radioativo, surgido Journey into Mystery 93, de 1963.

Na história, Thor interfere na guerra entre a China e Índia e com isso provoca a fúria das autoridades chinesas, que convocam seus melhores cientistas e fazem um ultimato: “Vocês são os nossos maiores estrategistas militares e gênios científicos! Falem! Eu exijo que me deem soluções imediatas para nos livrarmos de Thor!”.

O curioso, nessa época, é que os vilões se diziam literalmente vilões: “Cedo ou tarde teremos que enfrentar a democracia!”.

O cientista ganha super-poderes ao se expor à radiação. Naquela época era muito fácil ganhar super-poderes.


Um dos cientistas resolve se bombardear com radiação, transformando-se no... Homem-radioativo!!!!!! (A justificativa para ele não ter sido torrado pela radiação é que ele vinha aumentando sua imunidade ao se expor continuamente à radiação, o que, ao invés de dar-lhe um câncer, tornou-o resiste!).

A história, com plot de Stan Lee, diálogos de Robert Bernstein e desenhos de Jack Kirby, é um primor daqueles tempos mais ingênuos. O vilão viaja a Nova York para derrotar Thor. Lá o deus do trovão descobre que seu martelo encantando é repelido pela radiação. Pior, o Homem-radioativo cria um redemoinho que hipnotiza o viking.

Um redemoinho de radiação que hipnotiza Thor? Santo roteirismo, Batman! 


Mas o vilão comete um erro: manda que Thor jogue longe seu martelo, mas ele joga longe demais. Enquanto o homem-radioativo vai procurar o mjorn, o herói volta a ser Don Blake.

Curiosamente, o vilão encontra com o médico logo depois da transformação e, claro, fala como um vilão, pois naquela época não bastava agir e pensar como vilão, também era necessário fazer discursos de vilão: “Você, seu verme insignificante... viu para onde foi Thor?”. Blake aponta uma direção qualquer e depois corre para seu consultório, onde fabrica uma máquina capaz de encontrar seu martelo. Mais uma coisa impressionante daquela época: todo herói da Marvel era um grande inventor e inventava coisas com a rapidez das necessidades do roteiro.

Don Blake inventa uma máquina para ajudar a achar o martelo. Tudo é possível quando o roteirista quer.


No final, depois de toda essa trama rocambolesca com um vilão aparentemente invencível, Thor resolve toda a situação em mera meia-página. O vilão invencível no final se revela esquecível.

Para piorar (ou melhorar, dependendo do ponto de vista), o desenho de Kirby não parece muito inspirado. O rei só pareceu voltar a ter interesse por Thor quando começou a ser publicada a série Contos de Asgard.

Trent – El Chaval

 


Nas histórias de faroeste é comum os bandidos serem mostrados como malfeitores cruéis e desalmados. A segunda história da série Trent, de Rudolph e Leo, modifica totalmente esse paradigma ao mostrar um garoto que vive de roubos e, com apenas 17 anos já matou dez pessoas… mas é também um apaixonado por poesia.

A história começa com um assalto a um banco de uma pequena cidade efetuado por um garoto de 17 anos e uma menina de 16, sua namorada. Alertado, o xerife consegue matar a garota, mas o seu parceiro foge e Trent é destacado para prendê-lo.

A história começa com um assalto que dá errado. 


O que torna a história interessante é o dilema ético do policial e sua percepção de que o diabo não é tão ruim quanto lhe pintaram. O superior de Trent diz que o fugitivo dispara em tudo que se move, mas, conforme vai seguindo seu rastro, o policial descobre que ele deixou amigos pelo caminho e que a história não é tão preto no branco. Por exemplo, dois rapazes mortos por ele eram o terror da cidade onde moravam e o atormentaram até que ele aceitasse um duelo.

Se esse aspecto psicológico já não fosse interessante o suficiente, ainda temos um plot twist. Trent consegue pegar o fugitivo dormindo e algemá-lo. Mas quando saí para caçar, fugitivos de uma penitenciária chegam ao local e prendem Trent e o prisioneiro na mesma algema, tirando deles todos os pertences, inclusive as botas.

Émile deixa mortos, amigos e poesia por onde passa. 


Sensível e ao mesmo tempo empolgante, Trent é um dos melhores faroestes que já li. Pena que nenhuma editora brasileira se interessou em publicar por aqui. Mas para os que ficarem curiosos, é fácil achar scans.

Esquadrão Atari – Memória viva

 


O número 9 de Esquadrão Atari apresenta uma espécie de interlúdio. Nos números anteriores, o novo Esquadrão enfrentara o Destruidor Negro e conseguira escapar. Neste, Chris usa seus poderes de teleportação para voltar à Nova Terra e conversar com os integrantes do primeiro esquadrão. Seu objetivo: tentar entender quem é o vilão.

Para dar um pouco da ação para a história, o herói é perseguido pela segurança da Nova Terra.

Tormenta volta para a Terra para saber mais sobre o Destruidor. 


Mas o interessante aqui é a narrativa do passado. Afinal, essa história havia sido publicada numa revista brinde encartada nos cartuchos da Atari e boa parte dos leitores não a conhecia – na verdade, quando foi publicada no Brasil, NINGUÉM conhecia, já que a primeira parte não tinha sido publicada em nosso país.

Na história, a Scanner I é aprisionada por uma criatura alienígena repleta de tentáculos que conseguia se locomover entre as dimensões. Logo após se livrar do monstro, o grupo descobre um planeta devastado pela guerra.

Essa edição conta fatos do gibi encartado nos cartuchos Atari. 


Lá eles encontram o ser que se tornaria o mascote do grupo, tanto na primeira quando na segunda versão, Hukka. E é o animalzinho que ajuda o grupo quando este é atacado por naves enviadas pelo Destruidor (ele indica onde encontrar uma nave e uma jóia mental que explicava como pilotar a nave).

Embora seja uma edição morna, com pouca importância na trama, ela ajuda o leitor a entender quem é o vilão que o grupo está enfrentando... e, ao final, traz um gancho e tanto: a volta de Blackjack.

domingo, setembro 28, 2025

Júlia Kendall – Pena de morte


O roteirista Giancarlo Berardi, provavelmente um dos melhores em atividade atualmente, consegue criar tramas inovadoras mesmo dentro de um gênero padrão, como o policial.

No policial convencional, alguém comente um crime é o protagonista passa toda a trama tentando descobrir quem é o criminoso.

Em Pena Capital, o desafio é o oposto. Uma garota vai ser executada, depois de ter sido condenada por supostamente ter matado o pai. O tempo é muito curto, e Júlia precisa descobrir algum indício que prove a inocência da personagem antes que ela receba a injeção letal.

Relógios são elementos recorrentes na narrativa... 


Essa trama não só subverte o que a maioria dos leitores espera de uma história policial como acrescenta um aspecto de suspense realmente surpreendente.

A narrativa é divida em três: na primeira vemos o governador, que poderia dar o perdão para a prisioneira, envolvido numa trama doméstica que o fará mudar de ideia e assinar a execução.

A segunda narrativa é a da própria condenada, na prisão, no seu último dia de vida incluindo uma visita da irmã. Acompanhamos sua apreensão, seus temores, suas mudanças bruscas de humor, o desespero.

... eles lembram que a hora da injeção letal se aproxima. 


E, finalmente, na terceira narrativa, acompanhamos Júlia e outra personagem refazendo todo o processo de investigação, entrevistando testemunhas. Nada, no entanto, parece indicar uma reviravolta no processo... e o tempo vai se esgotando. A reviravolta final não é forçada e parece uma consequência direta do que vimos até ali.

Berardi (com a ajuda de Maurizio Mantero) consegue fazer um libelo contra a pena de morte de forma totalmente orgânica, numa trama empolgante.

Em tempo: algo que me incomoda é ver um dos melhores quadrinhos do mercado sendo lançado em formatinho (na Itália o formato é maior) e papel de péssima qualidade enquanto obras totalmente descartáveis estão sendo lançadas com papel luxuoso e capa dura. Parece que o mercado editorial está virado de cabeça para baixo.

A incendiária, de Stephen King

 


A incendiária é um livro de Stephen King escrito em 1980. 
A trama gira em torno de uma experiência governamental com alucinógenos, que provocam poderes paranormais. Duas das cobaias na experiência acabam se casando e gerando uma menina com o poder de provocar incêndios. A menina e os pais passam a ser monitorados por uma agência governamental chamada A oficina, mas tudo foge ao controle quando a menina vai passar alguns dias na casa de uma amiga e a Oficina acha que os pais estão tentando escondê-la. Após assassinarem a mãe, sequestram a menina, que acaba sendo resgatada pelo pai. Começa então uma perseguição que é o eixo da trama. 
Quem está acostumado com os livros mais recentes de King, com uma escrita mais solta, irá estranhar: A incendiária é um livro com narrativa mais técnica, um típico triller de suspense escrito de acordo com a cartilha. Mesmo assim King consegue dar um toque pessoal ao fazer uma narrativa cheia de flash backs e cinematográfica. 
O livro virou filme em 1984, dirigido por Mark L. Lester, com Drew Barrymore no papel principal, e é surpreendente que não tenha se tornado um sucesso, já que o texto é quase um roteiro cinematográfico. Em tempo: no Brasil o filme foi lançado como Chamas da Vingnaça.
Em todo caso, embora A incendiária não seja muito parecido com Carrie (e, na comparação, sai perdendo), é um bom livro, que empolga lá pela metade, mas empolga. Para os fãs de quadrinhos e FC, parece um bom episódio de X-men ou de Perry Rhodan na fase em que os mutantes eram mais relevantes.