No final da Idade Média começaram a surgir gabinetes de curiosidades. Eles podiam ser um edifício, um quarto ou uma mobília. Era ali que eram alojados quadros, livros, amostras de história natural e história não natural, como dentes de dragão, chifres de unicórnio e muito mais.
O cineasta Guillermo Del Toro aproveitou esse mote para
criar uma série com histórias fechadas de terror. Ele inicia cada episódio
abrindo o móvel e tirando de lá o objeto que irá simbolizar a trama do conto –
o que funciona muito bem como abertura dos episódios.
Com um resultado irregular, a série tem episódios realmente
memoráveis e outros totalmente descartáveis. Abaixo relaciono um a um, indo do
melhor ao pior episódio.
A autópsia
Dirigido por David Prior, o episódio gira em torno de um
mistérioso acidente em uma mina. Um homem que trabalhava lá parece ter
explodido uma bomba no local. antes disso, ele havia desaparecido e surgido
novamente modificado, com outro nome, ao mesmo tempo em que várias pessoas do
vilarejo começavam a sumir. Para tentar descobrir o que está acontecendo, o
xerife chama um velho amigo para fazer a autópsia. Por trás disso, há o drama
do médico, que sofre de câncer e tem no máximo seis meses de vida. É um
episódio tenso ao extremo, com um final surpreendente que ganha muito com a
interpretação extraordinária de F. Murray Abraham como o médico.
O Murmúrio
Facilmente o melhor episódio, empatado com a autópsia.
Dirigido por Jennifer Kent, a trama é focada num casal de ornitologistas
(pesquisadores de pássaros). Eles estão investigando os sons e movimentações de
pássaros e são instalados numa casa antiga e distante de tudo. O casal perdeu
um bebê há um ano e esse drama se entrelaça com um drama sobrenatural: a mulher
começa a ouvir e ver fantasmas. O horror da casa mal-assombrada se mistura ao horror
vivido pelo casal, que parece prestes a se separar depois da tragédia. Além
disso, os pássaros parecem estar, de algum modo, conectados a tudo isso. Tudo é
tão bem articulado, tão interessante que não tiramos o olho da tela um
instante. Só por esse episódio a série já valeria a pena. Detalhe: esse episódio
praticamente não tem efeitos especiais, o que mostra que uma história de terror
não precisa de efeitos mirabolantes para ser boa.
A inspeção
Escrito e dirigido por Panos Cosmatos, o episódio é uma
homenagem ao cinema dos anos 1970, com imagens, cores, luzes que refletem
diretamente a influência de diretores como Stanley Kubricky. Na história, um
grupo de especialistas é reunido por um milionário, estimulados a experimentar
diversas drogas e finalmente apresentados a um mistério, que deverão
solucionar. É um episódio em que temos a impressão de que algo vai acontecer
desde o início, sensação destacada pelos closes, planos detalhes e pela música
feita com sintetizadores. Infelizmente, essa ótima preparação não desemboca num
final adequado. A partir de certo ponto, quando o terror surge mesmo, tudo
parece meio forçado, o que fez com que eu não considerasse esse o melhor
episódio. Mas ainda assim é uma experiência estética extraordinária.
Por fora
A história, dirigida por Ana Lily Amirpour, é focada numa
esquisitona que não consegue se encaixar socialmente e sente inveja das colegas
do banco. Tudo muda quando ela vê um anúncio na TV de um creme que promete
transformá-la numa mulher deslumbrante. Mas o processo poderá tirar dela suas
características mais humanas. É um episódio com uma interessante crítica
social, que funciona até certo ponto, quando há um exagero no uso dos efeitos
especiais, tirando o foco do terror psicológico que caracterizava o episódio até
ali.
Modelo de Pickman
Baseado numa hitória de H.P. Lovecraft, essa história,
dirigida por Keith Thomas, é focada num pintor atormentado por um quadro
pintado por um colega. O episódio
aproveita bem o contexto de horror psicológico provocado pela visão de uma obra
arcana. Não chega a ser genial, mas de fato é uma boa história de terror.
Lote 36
Dirigido por Guillermo Navarro, o episódio conta a história
de um veterano de guerra que vive de arrematar depósitos cujos donos ou não
pagaram o aluguel ou morreram. Mas nisso ele se depara com um lote que revela
segredos de magia negra, que o levará à perdição. Fica na média do Modelo de
Pickman: apenas uma boa história de terror.
Ratos do cemitério
O zelador de um cemitério paga suas dívidas de jogo roubando
objetos de valor enterrados junto com cadáveres. Mas ele começa a perceber que
ratos estão roubando os corpos antes dele e faz uma incursão aos subterrâneos
do cemitério para tentar acabar com os ratos. Para começar o próprio mote não
faz muito sentido: por que os ratos iriam roubar cadáveres? Se fosse para
comida, eles poderiam comê-los ali mesmo, na sepultura, sem precisar levar os
corpos e seus objetos de valor. A trama parece apenas uma desculpa para muitos
efeitos especiais bem ao estilo dos anos 80. Numa série como essa, parece o
episódio mais conservador em termos de história. Nem as referências a H.P.
Lovecraft salvam esse episódio dirigido por Vincenzo Natali.
Sonhos na casa da bruxa
Uma das características da obra de Lovecraft é aquilo que
Edgar Alan Poe chamava escrever de uma sentada: eram textos com uma narrativa
muito clara, que se tornavam muitas vezes extensos graças às descrições
aterradoras (que muitas vezes não descreviam nada e serviam apenas para criar
um clima de pavor). Este episódio dirigido por Catherine Hardwicke não
apresenta nenhuma dessas características. O roteiro se perde numa trama com
muitas idas e voltas cheias de efeitos especiais sobre um rapaz cuja irmã
morreu e quer trazê-la de volta. O fato do episódio ser protagonizado por Rupert
Grint, que interpretava o Ron da série Harry Potter, também não ajuda. Parece
que estamos vendo um episódio mais pesado da saga do bruxinho.
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