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O tempo passa. Que idade Roberto
tem agora? Dez, doze anos? Ele está ali parado, impassível enquanto observa seu
pai morrendo. Ele está caído no chão da sala, ainda de terno e leva a mão
contraída ao peito. Sua irmã está ali, ao lado de dele, de joelhos, gritando
para que ele não se vá. A mãe chora descontroladamente. O irmão liga para a
ambulância, mas Roberto sabe que não adiantará. Seu pai está morrendo e não há
nada que possa ser feito.
A mãe olha para ele, e seu olhar é
de mágoa e raiva:
- Você matou ele! Você matou ele!
Roberto está rindo por dentro.
Não, não matou. Ou talvez tenha matado. Talvez a preocupação e o medo do filho
tenham liquidado com seu coração frágil.
Mas o menino não se dá ao trabalho
de responder. Ele só pensa em uma coisa agora: a herança. Ele a quer só para si
e tem apenas três obstáculos para conseguir isso.
Roberto risca a faca na pele
branca e a mulher geme. Ele sente prazer com isso, mas tenta se concentrar nas
lembranças. Elas também são agradáveis. Naquela sala há uma caixa na qual ele
guarda lembranças de cada uma de suas vítimas: uma mecha de cabelos, um botão
de blusa, algo que o ajuda a focar nas recordações e no prazer que elas lhe
proporcionam.
Quantos anos ele tem agora?
Quatorze? Quinze anos?
Ele olha pela janela. Lá embaixo
seu irmão está caído na grama e ainda estrebucha em movimentos reflexos.
Roberto fica ali olhando, esperando. Ele se indaga se o irmão irá morrer ou ele
terá que descer lá e terminar o serviço. Mas enfim o outro silencia.
Ele está sozinho em casa e,
lentamente, segue na direção do telefone. Ele precisa chamar a ambulância.
Precisa parecer preocupado, talvez desesperado. Ele sabe que a polícia virá e
será bom que ele interprete de maneira correta seu papel.
Funciona. Quando a polícia chega,
sua mãe e sua irmã já estão ali. Elas dizem que o irmão foi morto, mas não há
provas, não há testemunhas. E quem poderia acreditar que um garoto de quatorze
anos conseguiria matar um homem de dezoito anos, muito mais musculoso?
Roberto fala com os policiais. Ele
diz que a mãe e a irmã estão fora de si em decorrência da dor da perda. O
policial agradece e vai embora. Ninguém, além da mãe e da irmã suspeitam dele.
Ele agora está com a irmã. Roberto
lhe diz que pode matá-la e ninguém suspeitará dele e ela sabe disso. Ele pode
ver isso nos olhos dela. Eles estão sozinhos no quarto, ele agarra seu pescoço
e repete que pode matá-la. Mas não fará isso se ela for boazinha. Ela chora, em
desespero, mas faz o que ele manda. Ele repete isso no dia seguinte, e no outro
e no outro, deliciando-se com a dor da irmã.
A mãe tornou-se apenas uma sombra
do que era antes. Anda pelos corredores, assustada, fugindo dele. Não sai mais
de casa. Não tem amigos. Vive apenas com o medo. Roberto gosta disso.
Onde ele está agora? Sim, claro.
Ele está no aniversário de dezoito anos. A casa está cheia de pessoas, mas nem
sua irmã nem sua mãe estão lá. Estão em seus quartos, trancadas e assustadas com
a mansão tomada por estranhos.
E a mãe tem um motivo a mais para
temer. Agora ele é maior de idade. Pode receber a herança. Um mês depois
Roberto chora a morte da mãe. Os médicos não conseguem encontrar uma razão, mas
Roberto lhes explica que a mãe nunca fora a mesma depois da morte do marido.
Agora são só ele e a irmã e uma
grande herança.
A irmã está totalmente subjugada
por ele. Ele a proíbe de sair de casa e a mantém presa no quarto. Alguns
empregados começam a comentar. Ouvem os gritos dela e Roberto percebe que
precisa de um local em que os gritos de suas vítimas não possam ser ouvidos.
A polícia surge na casa, mas ele
lhes traz a irmã. Ela segura o choro, mas conta a história que ele havia lhe
ditado: ela tinha um namorado e ele batia nela. Ela lhes mostra os hematomas,
os olhos assustados dela procurando os dele. O medo, o medo faz com que ela
faça de tudo para convencer os policiais. Ela sabe que será morta se não o
fizer. Roberto delicia-se. No fundo, ele sabe que ela será morta de qualquer forma.
Quando os policiais vão embora,
ele a tranca no quarto e despede todos os empregados. Em seguida começa a
construção de uma nova casa. Uma casa em que ele poderia andar por onde
quisesse com suas vítimas e fazer o que quisesse com elas sem ser incomodado.
Dois meses depois os irmãos se
mudam.
- Oh, não! – ela implora, de
joelhos diante dele.
Ela sabe que vai ser morta.
Nessa época ele é apenas um novato
e ela morre depois de poucas horas de dor.
Roberto percebe que está viciado e
começa a caçar. Sai à noite, procurando moças sozinhas. Elas se sentem
aliviadas por encontrá-lo. Ele é jovem, bonito, rico e muito, muito simpático.
Acima de tudo é alguém do qual ninguém desconfiaria.
Ele aprende a se divertir com elas
sem matá-las, a prologar a dor por horas e depois dias e esse hobby delicioso o
ajuda a enfrentar a monotonia das reuniões na empresa, os prêmios honorários,
as visitas a instituições de caridade. Ele é homem querido e invejado. Um homem
acima de qualquer suspeita.
Roberto desperta de suas
lembranças. A faca está em sua mão e ele fica um longo tempo contemplando-a,
maravilhado. Então volta a levantá-la, agora para o rosto da mulher. Ela
percebe o que ele vai fazer e geme alto, um último pedido de misericórdia. A
ponta da faca encosta no olho da mulher, seu gume frio testando a resistência
da retina. Então uma leve pressão e acontece o milagre. A mulher se agita
descontroladamente, o olho furado esvaindo líquido.
Roberto contempla sua obra. Isso é
bom. É muito bom.
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