segunda-feira, julho 31, 2023
Mineirices
Esquadrão Atari – Contra Ataque
Até a edição 7, Morféa era vista como o membro mais inofensivo do Esquadrão Atari. Afinal, seu poder era apenas a empatia e ela até então se revelara uma pacifista, fazendo o possível para evitar conflitos (não por acaso ela atua como psicóloga).
No número 7, intitulado Contra ataque, vemos Morféa em todo o seu esplendor, a começar pela capa, na qual ela enfrenta o ser que na edição anterior havia torturado Tormenta.
Na história, Martin Champion se entregara ao vilão achando que com isso este libertaria seu filho, o que não acontece. Embora Dart e Paco Rato ainda estejam soltos, percorrendo os dutos de ventilação da nave, tudo parece perdido.
É quando a empata vai até a nave disposta a resolver a situação.
Então descobrimos que ela tem um ferrão mental forte o suficiente para deixar desacordado qualquer um dos soldados inimigos.
Morféa enfrenta um ser que se alimenta da dor... |
Ao tentar libertar Tormenta ela se defronta com Psyklops, um ser que se alimenta da dor alheia. Usando seus poderes sobre a empata, ele a faz reviver seu passado, uma forma extremamente eficiente de aprofundar a personagem, pois acontece no meio da ação e está diretamente relacionada com ela. Não é o tipo de flash back que parece uma quebra da narrativa e, portanto, muitas vezes é pulado pelo leitor.
Nesse flash back descobrimos que Morféa foi criada numa sociedade em que todos são iguais, como formigas e o pronome “eu” é proibido. Levada à rainha por sua inadequação, ela se lamenta: “Eu sou tão solitária”. Por sua incapacidade de fazer parte da massa, ela é punida.
... e relembra seu passado. |
Todas essas recordações trazem muita dor para a personagem, para deleite de Psyklops, mas Morféa consegue se recompor numa sequência genial, em que texto e desenhos se unem perfeitamente. Ela inicialmente está caída no chão, com o uniforme usado por todos no mundo natal, mas vai se levantando aos poucos e sua roupa se transformando. Sua fala: “Este ser é importante! Este ser é real! Eu... sou importante! Eu... sou real! Eu... não serei destruída! Eu... não permitirei”. O uso do pronome pessoal se associa ao empoderamento da personagem, sua afirmação de identidade, que ganha vulto quando ela finalmente contra-ataca.
A sequência genial mostra a personagem superando o domínio do vilão. |
Essa união de ação empolgante, cenários e personagens diferenciados e aprofundamento psicológico fez com que Esquadrão Atari se tornasse uma das séries mais célebres da DC de todos os tempos. Cortesia de Gerry Conway e José Luís Garcia-Lopez.
The Last Kingdon
Livro Jornalismo em Quadrinhos
Valor: 25 reais (frete incluso)
Pedidos: profivancarlo@gmail.com
Entenda por que os comentários estão sendo moderados
- Gian, entrei no seu blog e tentei comentar numa matéria, mas não ele não foi publicado imediatamente
- Infelizmente eu tive que acionar a moderação de comentários.
- Caramba, são dezenas de comentários iguais o cara já começa te chamando de stalinista!
A convergência das mídias
Conan – O povo da escuridão
Atualmente é impossível dissaçociar o sucesso de Conan aos
artistas filipinos que atuaram principalmente na arte final do traço de John
Buscema. Um filipino que raramente é associdado ao personagem é Alex Niño.
Entretanto, ele emprestou seu traço único ao personagem em uma história
publicada em Savage Sword of Conan 6.
A história, intiluada O povo da escuridão, é uma adaptação
de Roy Thomas em cima de uma história de Robert. E. Howard que nada tinha a ver
com Conan (Thomas era um especialista nisso) e fala de um homem moderno que, ao
penetrar numa caverna, cai de uma escada, bate a cabeça e acorda como um
bárbaro de tempos imemoriais.
Os quadros se fundem, fazendo com que a página forme um todo. |
A página de abertura é um exemplo perfeito da maestria de
Niño: quadros que vão se ampliando vão mostrando aos poucos um homem que se
aproxima enquanto ao fundo vemos uma árvore sombria e o rosto de um homem.
Figura e fundos e unem, formando um todo numa técnica que só alex niño parecia
dominar.
Na terceira página, o desenhista abstrai até mesmo os
quadros, as imagens vão se sobrepondo, mas ainda assim conseguimos entender a
ações.
Página mostra o personagem caindo da escada e voltando no tempo: genialidade narrativa. |
O protagonista é Jim O´Brien, um homem apaixonado por uma
garota que não consegue se decidir entre ele e outro homem, formando um
triângulo amoroso. Ao descobrir que seu rival pretende visitar a caverna de
Dagon (uma referência a Lovecraft, do qual Howard era amigo), este desce a
caverna para matá-lo.
Mas quando cai, se vê como conan. E aqui, essa história,
revolucionária em muitos aspectos, ganha mais um aspecto inovador. Conan está
caído no chão da caverna e um flash back mostra como ele chegou até ali: ele
participaram da invasão de da cidade de Venarium. Quando andava pelas ruas da
cidade, Conan deparara-se com uma garota e se apaixonara pelos cabelos dourados
e os olhos acizentados (há aqui uma insinuação de tentativa de estupro).
Conan tenta violentar uma garota, que conta com um protetor. |
Mas a moça tem um protetor, que foge com ela para a floresta
e, finalmente, para uma caverna, justamente o local onde vive o povo da
escuridão. Ao perseguir o casal, Conan acaba, à certa altura, protegendo a moça
dos ataques dessa raça reptiliana.
Estabelece-se um triângulo amoroso que, depois, ao final,
irá se refletir nos dias atuais, numa trama muito bem costurada.
Eis uma história que surpreende mesmo os leitores costumazes
do bárbaro.
domingo, julho 30, 2023
Neil Gaiman em Conhecimento Prático Literatura
Fundo do baú - Terra de gigantes
O código Da Vinci e o sagrado feminino
O CÓDIGO DA VINCI é um livro de 2003, de Dan Brown. Publico abaixo uma resenha publicada por mim na época:
Brown escreve bem, apesar de algumas escorregadas (algumas expressões destoam do restante e parecem chulas). Seu texto é claro, limpo, sem cacoetes literatescos. E ele sabe transmitir de maneira fácil assunto complexos.
O livro também se destaca pela ótima utilização do suspense. Três níveis de narrativa deixam o leitor grudado nas páginas como só os grandes mestres da literatura pop sabem fazer.
Quanto às teorias expostas no livro, o próprio autor as expressa com ressalvas, uma atitude sensata, embora claramente o livro tenha como inspiração da idéia do sagrado feminino, a noção de que a sociedade ocidental passou a valorizar apenas o aspecto masculino, esquecendo o feminino. Brown propõe a complementariedade masculino-feminino, yin-yang.
Para os que não sabem, o sagrado feminino, refere-se à religião da deusa, que venerava a terra e as mulheres por sua capacidade de gerar vida. Para os homens, o fato das mulheres darem à luz era um enigma que fazia com que a mulher tivesse caráter divino, afinal, apenas Deuses têm a capacidade de criar vida. As mulheres ficavam grávidas em uma grande festa na primavera, em honra à Mãe Terra, em que todo mundo transava com todo mundo (para quem não sabe, essa é a origem do carnaval). Um detalhe interessante é que praticamente todas as mulheres engravidavam ao mesmo tempo e tinham seus filhos antes do período de colheita, da qual participavam ativamente.
Em algum momento da evolução humana, os homens começaram a perceber uma relação entre o sexo e o nascimento das crianças. A partir daí, como forma de poder, os homens passaram a exigir exclusividade. As mulheres eram trancafiadas e os rituais antigos em honra à Mãe Terra, foram proibidos.
Nesse momento o regime político saiu do matriarcado para tornar-se patriarcal.
O livro acusa indiretamente a Igreja por essa supervalorização do masculino, mas a situação é bem mais complexa.
Por um lado a visão católica romana, sãopaulina, seja de fato conservadora e machista. Na Inquisição, a maior parte das pessoas que morreram era mulheres acusadas de venerarem a Mãe Terra (as chamadas feiticeiras).
No entanto, o culto ao sagrado feminino sobreviveu na Igreja Católica no culto à Nossa Senhora.
Por outro lado, uma das pessoas apontadas como mestres do priorado de Sião e, portanto, protetores do segredo do graal, é Sir Isaac Newton, talvez o maior responsável pela disseminação do pensamento cartesiano, que divide a realidade em partes e certamente é importante para a dissociação entre os aspectos complementares da realidade.
Bem, mas talvez eu esteja divagando. O que quero dizer é que, apesar de algumas incoerências, o livro é uma leitura divertida. Vale a pena ser lido.
O bamba do regimento
O Bamba do regimento, filme estrelado por Jerry Lewis e lançado em 1957 começa com um trem indo na direção de um quartel do exército. Dois soldados encontram uma vaga em frente a um recruta, que se revela um gênio capaz de decorar todos os manuais técnicos do exército. Mas, em contrapartida, é um atrapalhado sem igual que arranja todo tipo de confusão chegando a parar a locomotiva.
Esse início dá o tom de toda a obra. Bixby é um recruta genial em assuntos técnicos, mas um desastre total em todo o resto – o que leva às cenas de humor. Bixby chega até mesmo a derramar um caminhão de seixos em cima do jeep no qual está o sargento.
Mas uma psicóloga do exército (que ocupa o importante cargo de major) está interessada nele. Se for possível transformar Bixby em um bom soldado, milhares de outras pessoas em situações semelhantes poderão ser aproveitadas. E para essa tarefa ela encarrega exatamente aqueles dois soldados do início.
As coisas complicam ainda mais quando o regimento é enviado para a África e um grupo terrorista árabe sequestra o recruta para fazer com que ele monte um canhão.
Sad Sack no traço de seu criador. |
Uma curiosidade sobre esse filme é que ele é a adaptação de uma história em quadrinhos de sucesso da época da II Guerra Mundial: Sad Sack. Criada pelo sargento George Barker, ela tinha como protagonista um recruta atrapalhado (a expressão Sad Sack, usada no exército à época, significa “soldado inepto”).
No Brasil esse personagem foi publicado como Soldado Valdemar, O azar do Valdemar e, finalmente, Recruta Biruta, nome pelo qual ficou conhecido. Quando esse personagem foi publicado pela editora Abril na década de 1970, muitos acharam que se tratava de uma cópia do Recruta Zero, o que não é verdade, já que Sad Sack é anterior. Aliás, os dois tiveram trajetórias inversas: enquanto o Recruta zero surgiu como um estudante que posteriormente se alista no exécito, o Recruta Biruta surgiu como um soldado que depois dá baixa e vai viver como civil.
A editora Abril publicou o personagem com o título de Recruta Biruta. |
Nas décadas de 1940 e 50 o personagem foi muito popular no Brasil, a ponto de ganhar uma música, gravada por Eliana e Adelaide Chiozzo. A letra da canção faz referência ao nome pelo qual o personagem era conhecido à época: “"Valdemar é um recruta biruta/que não sabe nem marchar/E qualquer voz de comando/Esquerda, direita; tonteia o Valdemar/Mas o sargento, rabugento, muito tesa,/se enfeza e faz o Valdemar marchar”.
O filme Recruta Biruta está disponível no Youtube aqui: https://www.youtube.com/watch?v=SbjybH1mJPY, e a interpretação de Eliana e Adelaide Chiozzo está disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=HLKDDyxGv3U
Hulk – consertando cercas
Peter David e Dale Keown em sua fase no Hulk mostraram o personagem dividido entre três personalidades – e conseguiam perfeitamente fazer a distinção de cada um tanto visualmente quanto em termos de diálogos e de personalidade.
O início da história “Consertando cercas”, publicada em The incredible Hulk 373 demonstrava muito bem isso.
A história começa com as duas versões do golias na mente de Banner, lutando para ver quem conseguirá assumir o controle. Isso é representado metaforicamente por uma porta de metal. Na splash page inicial, o Hulk verde tenta empurrar a porta e escapar. O Hulk cinza empurra de volta enquanto diz: “Volta pra dentro, sua anta verde!”, ao que o outro responde: “Hulk fracote pensa que pode mandar Hulk de verdade embora, mas...”. O cinza consegue fechar a porta com um estratagema que é uma piada nerd: “Olha atrás de ti! É o Lou Ferrigno!” (o ator que interpretou o Hulk na série de TV). Quando o verde olha para trás, ele fecha a porta e escarnece: “Mané, sempre cai nessa.”.
A consciência de Banner é representada por uma porta. |
A história era continuação de uma história anterior, em que Banner reencontra Beth Ross, mas o que parecia ser um final feliz descamba para pura ação quando aparece o exército e até o FBI para prender Banner.
Aliás, é numa sequência com agentes do FBI que Peter David melhor exercita sua verve para o humor. Um agente diz: “É por isso que os locais precisam de nós em casos assim. Somos observadores treinados”, enquanto Bruce Banner e Betty Ross escapam atrás deles, numa moto.
Amazing Fantasy 15 - Surge o Homem-aranha!
Um dos aspectos interessantes da coleção clássica Marvel é o fato de muitas vezes eles reproduzirem textos da época, que permitem compreender melhor as estratégias editoriais – o que ainda é complementado pelos excelentes estudiosos italianos que escrevem os artigos de apoio.
O volume 1, dedicado ao Homem-aranha, é um exemplo disso. No texto de introdução, Massimiliano Brighel explica que Martin Goodman não havia gostado do herói aracnídeo e Stan Lee usara uma estratégia para convencê-lo a publicar o personagem. A revista Amazing Adult Fantasy ia ser cancelada no número 15 e Lee sugeriu publicar uma história do novo herói naquele último número.
A capa, de autoria de Jack Kirby, mostra o aracnídeo se balançando numa teia, segurando um malfeitor e dizendo: “Embora o mundo possa zombar de Peter Parker, o adolescente tímido, em breve todos ficarão maravilhados com o incrível poder do Homem-aranha!”. Na mesma capa havia uma caixa com o texto: “Ainda nesta edição: uma mensagem importante do editor para você... sobre a nova revista!”.
A capa com a primeira aparição do personagem foi desenhada por Jack Kirby. |
A capa é um ótimo exemplo de como Stan Lee era um gênio da auto-promoção. O diálogo instiga o leitor a querer conhecer o personagem e a chamada o leva a procurar o tal texto do editor. E o que dizia o texto do editor? Esse texto está presente na edição da Panini e diz mais ou menos o seguinte: que a revista iria perder a palavra Adult porque alguns leitores se sentima constrangidos de comprar uma revista que era para adultos, ia mudar o formato, de magazine para comics e, finalmente, a malandragem de Lee: “Como você verá, apresentamos um dos personagens mais incomuns de todos os tempos, o HOMEM-ARANHA, que continuará a aparecer todos os meses em AMAZING. Talvez se suas cartas exigirem, podemos estender suas histórias, ou incluir DUAS aventuras do Homem-aranha em cada edição”.
O texto é uma tremenda malandragem porque Lee sabia que a revista ia ser cancelada, então sabia que o herói não continuaria a aparecer nela. Mas estimulava os leitores para escreverem cartas para a redação. Essas cartas seriam o seu argumento para convencencer Goodman a continuar publicando a revista, mas agora alterada, tendo apenas histórias do heróis aracnídeo.
Mas toda essa estratégia não daria certo se o material não tivesse qualidade. E o que vemos é uma história em quadrinhos realmente empolgante, muito bem narrada, um exemplo de como contar uma boa história em apenas 11 páginas.
A HQ inicia com uma splash page de Peter Parker olhando, desconsolado para um grupo, que caçoa dele. Na parede, sua sombra emula uma aranha. Aquela primeira página já cria uma identificação imediata. As pessoas a tendem a se identificarem e a simpatizarem com personagens vítimas de injustiças.
Segue-se uma sequência em que vemos que Peter Parker vive com os tios, pelos quais sente enorme carinho e mais uma vez ele sendo desprezado pelos amigos porque prefere ir para uma feira de ciências a comparecer a uma festa.
Mais do que uma vítima, Peter Parker é um bom rapaz, querido pelos professores e pelos tios. É também muito inteligente, e possivelmente ganhará uma bolsa de estudos.
Em seguida vemos toda a sequencia célebre: o garoto sendo picado pela aranha, descobrindo que ganhou poderes, aproveitando os poderes para ganhar dinheiro e finalmente descobrindo que grandes poderes trazem grandes responsabilidades, quando o tio morre por culpa dele, que não parou um ladrão quando poderia fazê-lo. Tudo isso em pouquíssimas páginas!
Uma curiosidade é que, ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, naquela primeira história, o Tio Ben jamais falou a famos frase sobre poderes e responsabilidades. Ela aparece apenas na caixa de texto final da história.