segunda-feira, julho 31, 2023

Mineirices

 


Quando entrevistava o mestre Cláudio Seto para meu livro Grafipar, a editora que saiu do eixo, comentei com ele que Minas é o local do Brasil mais parecido com o Japão em termos de cultura – ao que ele concordou.
No Japão há uma espécie de dívida de gentileza. Se alguém nos faz um favor, ficamos em dívida com essa pessoa e devemos em outro momento, retribuir esse favor. Sônia Luyten me contava que quando foi fazer doutorado no Japão certa vez recebeu uma encomenda que era para a vizinha e entregou assim que ela chegou. No dia seguinte, a vizinha bateu-lhe na porta com um presente em retribuição à gentileza de ter recebido a encomenda.
Eu cansei de ver isso na minha infância e vejo isso quando visitos meus parentes mineiros. É uma gentileza tão grande que às vezes chega a ser constrangedora. Você não sai sem tomar um cafezinho - e esse cafezinho logo se transforma num verdadeiro banquete de quitandas. 
Seto conta que comprava gibis dinheiro com o dinheiro dos ovos. Ele sempre acompanhava sua avó à granja do tio para comprar ovos. Chegavam lá eram tratados da melhor forma possível e, ao final, quano a avó queria pagar, o tio não aceitava. Paga, não paga, paga não paga, a velhinha deixava o dinheiro em algum lugar. Quando o tio descobria, corria atrás deles para devolver o dinheiro. Como a avó se recusava a receber, as notas acabava parando nas mãos do Seto, que usava para comprar gibis.
Mas isso, claro, tem o outro lado, tanto em Minas quanto no Japão: a pessoa só aceita uma favor, uma gentileza de alguém na qual ela confia. Afinal, ela não vai querer ficar devendo um favor para alguém que não é confiável. Por essa razão que recusar uma gentileza é tão ofensivo: significa que a pessoa considera que o outro não é confiável e, portanto, não quer ficar em dívida com ele.
Durante anos, embora tenhamos saído de Minas, a guardiã das tradições mineiras era minha avó. Enquanto morei com ela, nunca perdi o “uai” e sempre comia angu em todas as refeições.
Minha avó foi uma das pessoas mais admiráveis que já conheci. Estudou apenas até a quarta-série, mas escrevia melhor que vários estudantes universitários. Quando eu trabalhava em jornal e trazia os exemplares para casa, ela devorava da primeira à última página. Foi a única pessoa que conheci que leu a Bíblia de cabo a rabo mais de uma vez. Hoje em dia, a pessoa lê um versículo e já sai dizendo que leu a Bíblia.
E foi com ela que aprendi mais uma parte da cultura mineira que lembra muito o modo japonês de ser: a honra.
Ela sempre me dizia:
- Meu filho, pobre não tem nada, só tem a própria honra.
Exemplo disso aconteceu quando ela aceitou fazer, de graça, um vestido para uma vizinha.
Minha avó era costureira prendada, do tipo de costurava para esposa do prefeito, vereador e cobrava bem, mas para a vizinha, que era amiga, se recusou a cobrar (mais uma vez a história da gentileza mineira – imagina se ela ia cobrar de uma amiga!).   
Quando recebeu o vestido, a vizinha reclamou:
- E a minha tesoura?
- Como assim, que tesoura?
- Quando levei o vestido, levei também uma tesoura nova. Cadê a tesoura?
Minha avó insistiu que não tinha visto tesoura nenhuma e nem precisava, pois tinha tesoura em casa. E a outra insistindo:
- Cadê a tesoura?
Resumo da ópera: minha avó foi até a loja, comprou uma tesoura nova e levou para a vizinha, ainda na embalagem. Preferiu ficar no prejuízo a ser chamada de ladra.
No dia seguinte a vizinha achou a tal tesoura e veio devolver a que recebera. Minha avó recusou. Deixou a vizinha com as duas tesouras. Mas também nunca mais falou com ela. Ela não poderia ser amiga de alguém que desconfiava de sua honestidade. Como ela sempre dizia: “Pobre não tem nada, meu filho, só tem a própria honra”.

Esquadrão Atari – Contra Ataque

 


Até a edição 7, Morféa era vista como o membro mais inofensivo do Esquadrão Atari. Afinal, seu poder era apenas a empatia e ela até então se revelara uma pacifista, fazendo o possível para evitar conflitos (não por acaso ela atua como psicóloga).

No número 7, intitulado Contra ataque, vemos Morféa em todo o seu esplendor, a começar pela capa, na qual ela enfrenta o ser que na edição anterior havia torturado Tormenta.

Na história, Martin Champion se entregara ao vilão achando que com isso este libertaria seu filho, o que não acontece. Embora Dart e Paco Rato ainda estejam soltos, percorrendo os dutos de ventilação da nave, tudo parece perdido.

É quando a empata vai até a nave disposta a resolver a situação.

Então descobrimos que ela tem um ferrão mental forte o suficiente para deixar desacordado qualquer um dos soldados inimigos.

Morféa enfrenta um ser que se alimenta da dor...


Ao tentar libertar Tormenta ela se defronta com Psyklops, um ser que se alimenta da dor alheia. Usando seus poderes sobre a empata, ele a faz reviver seu passado, uma forma extremamente eficiente de aprofundar a personagem, pois acontece no meio da ação e está diretamente relacionada com ela. Não é o tipo de flash back que parece uma quebra da narrativa e, portanto, muitas vezes é pulado pelo leitor.

Nesse flash back descobrimos que Morféa foi criada numa sociedade em que todos são iguais, como formigas e o pronome “eu” é proibido. Levada à rainha por sua inadequação, ela se lamenta: “Eu sou tão solitária”. Por sua incapacidade de fazer parte da massa, ela é punida.

... e relembra seu passado. 


Todas essas recordações trazem muita dor para a personagem, para deleite de Psyklops, mas Morféa consegue se recompor numa sequência genial, em que texto e desenhos se unem perfeitamente. Ela inicialmente está caída no chão, com o uniforme usado por todos no mundo natal, mas vai se levantando aos poucos e sua roupa se transformando. Sua fala: “Este ser é importante! Este ser é real! Eu... sou importante! Eu... sou real! Eu... não serei destruída! Eu... não permitirei”. O uso do pronome pessoal se associa ao empoderamento da personagem, sua afirmação de identidade, que ganha vulto quando ela finalmente contra-ataca.

A sequência genial mostra a personagem superando o domínio do vilão. 


Essa união de ação empolgante, cenários e personagens diferenciados e aprofundamento psicológico fez com que Esquadrão Atari se tornasse uma das séries mais célebres da DC de todos os tempos. Cortesia de Gerry Conway e José Luís Garcia-Lopez.

The Last Kingdon

 


Quem gostou de Vikings certamente irá apreciar The Last Kingdon, lançado recentemente no Brasil pela Netflix.
Se Vikings é focado nos nórdicos, Tha Last Kingdon é centrado nos saxões. Acompanhamos praticamente os mesmos eventos – a Inglaterra sendo invadida, a resistência, as vitórias e derrotas, mas agora do ponto de vista saxão.
O personagem principal, no entanto, é uma mistura das duas culturas, o que permite um equilíbrio interessante e um dilema que acompanha sempre.
A série conta a história de Uhtred, um garoto cujo pai foi morto em um ataque viking. O próprio garoto é pego como prisioneiro e é criado por seu captor, Ragnar Ragnarson, como se fosse um filho ao salvar a filha deste de uma tentativa de estupro. Uhtred, batizado como cristão, é criado como danês, reverenciando deuses como Thor e Odin e irá, durante toda a série oscilar entre esses dois opostos. Embora renegue os ensinamentos cristãos, seu melhor amigo na série é um padre.
A vida desse personagem fictício é usada para contar praticamente toda  a história da Inglaterra na época das invasões nórdicas, com um apuro histórico bem maior do que Vikings, que em alguns momentos abusava da liberdade poética. Assim, Uhtred é, muitas vezes sem querer, envolvido nos principais acontecimentos do período, em especial nas guerras, já que se revela um guerreiro sem igual.
Baseada na série de livros Crônicas Saxônicas, de Bernard Cornwell, The Last Kingdon começa lenta, especialmente na comparação com Vikings, mas vai ganhando ritmo, principalmente a partir da segunda temporada. Na terceira temporada em diante, as batalhas parecem mais realistas, a direção mais frenética e até o figurino parece melhor (em uma das batalhas, a filha do rei é perseguida por daneses e a câmera a acompanha como se fosse alguém correndo próximo, num dos momentos mais eletrizantes da série). É também quando o expectador já conhece melhor os personagens e já simpatiza com eles.
Alexander Dreymon nem de longe é um ator tão versátil quanto Travis Fimmel, que faz papel de Ragnar em Vikings, mas mesmo assim consegue dar verossimilhança ao papel.
The Last Kigdon já está na quarta temporada e a Netflix já anunciou que será feita uma quinta temporada.
É uma ótima pedida para fãs de história.

Livro Jornalismo em Quadrinhos

 

Em Jornalismo em Quadrinhos, Gian Danton não apenas traça um histórico dessa área, mas também analisa as principais obras publicadas no Brasil e no mundo. Além do conteúdo servir como uma generosa introdução ao tema, o autor ainda traz os bastidores de diversas produções de Jornalismo em Quadrinhos feitas por ele mesmo.

Valor: 25 reais (frete incluso)

Pedidos: profivancarlo@gmail.com 

Entenda por que os comentários estão sendo moderados

 


 - Gian, entrei no seu blog e tentei comentar numa matéria, mas não ele não foi publicado imediatamente 

- Infelizmente eu tive que acionar a moderação de comentários. 

- Mas por quê? 
- Olha o tipo de comentário que os bolsominions estavam postando. 



- Caramba, são dezenas de comentários iguais o cara já começa te chamando de stalinista! 

- Pois é, virei um "extremista de esquerda stalinista"! 
- Caramba! 
- É o culto à personalidade. Como eles consideram o Bolsonaro um semi-deus, qualquer um que não o idolatre é imediatamente chamado de comunsita, petista, stalinista, dentista, skatista, surfista, remista. E pode colocar na conta vários outros "comunistas": Jim Starlin vira marxismo cultural, Raul Seixas vira marxismo cultural, Alan Moore vira marxismo cultural. E, para eles, comunista precisa ser preso. Para eles a Globo é comunista, a Folha de São Paulo é comunista, o Estadão é comunista. Esse tipo de gente só se informa pelo zap zap e por canais bolsonaristas como o Terça-livre. Qualquer coisa fora disso é comunismo. 
- O cara está te chamando de lulo-petralha?!!!



- Pois é, eu que nunca votei no PT, que sempre critiquei o PT, que na época da faculdade vivia em pé de guerra com os petistas da turma, de repente virei petralha só porque me recuso a idolatrar o mito. 
- E você praticamente nem fala de política no seu blog. 
- Pois é. Mas a estratégia deles é Dart Vader: ou você idolatra o Capitão ou é comunista, stalinista, petista, skatista, surfista, dentista, remista. Teve um "amigo" bolsominions que ameaçou me dar um soco só porque eu disse que político é para ser cobrado não para ser idolatrado. Outro disse que o pior tipo de "comunistas" são os "isentões": isentão aí significa alguém que se recusa a idolatrar o mito deles, mas ao mesmo tempo não idolatra o Lula, que se recusa a tecer elogios à ditadura militar, mas também não elogia a Coréia do norte. Antigamente para ser comunista precisava ser fã do Karl Marx, precisava ler o Manifesto Comunista, precisava acreditar em ditadura do proletariado. Hoje em dia, para ser comunista, basta não idolatrar o mito.
- Ele te acusa de cometer um gesto lulo-petista. Que gesto lulo-petista é esse?
- Me recusar a idolatrar o mito. Para quem escreveu esse comentário, qualquer um que não idolatre o mito está cometendo um gesto lulo-petista. Ou seja, na cabeça dele, está cometendo um crime. São pessoas que só se informam pelo zap zap e por vídeos de teoria da conspiração.
- Caramba, estou lendo aqui. O cara está ameaçando te denuncia... Te denunciar para quem? 
- Para os militres, provavelmente. 




- Estou vendo aqui. Ele te acusa de doutrinar os alunos. Fui seu aluno e você nunca falou de política em sala de aula. 
- Deve ser porque uso camisas da Marvel em sala de aula. Dizem que estou doutrinando os alunos a gostarem da Marvel. Nisso, confesso, sou culpado. Mas em minha defesa posso dizer que gosto da DC quando ela é desenhada pelo Garcia-Lopez.... rsrs... 
- Nossa, o cara diz que vai fazer você perder o emprego! Chega até a te chamar de estelionatário! 
- Só faltou dizer que vai me prender e  torturar pessoalmente para que eu confesse todos os meues crimes...kkkk Tudo isso porque eu me recuso a idolatrar o Capitão. E é esse pessoal que diz que é a favor da liberdade. A liberdade que eles querem é a liberdade de poder denunciar e prender quem pensa diferente deles. E como você pode ver, postaram essas ameaças dezenas de vezes no blog antes que eu bloqueasse os comentários. É por isso que não é mais possível comentar no meu blog. Infelizmente, tive que bloquear essa possibilidade de contato com meus leitores por causa desse tipo de comentário ameaçador.   
- Assustador, melhor manter os comentários do blog moderados mesmo.  
- Pois é. Melhor do que dar voz a gente desse naipe, que só se informa pelo zap zap e acredita em todas as teorias da conspiração possíveis. 

A convergência das mídias

 


Vivemos em um mundo em que a separação entre as coisas vai, aos poucos, se diluindo. Casa, trabalho, diversão e informação são instâncias que se misturam na era da informação. Da mesma forma, a separação entre os meios perde cada vez mais valor, num fenômeno que os estudiosos chamam de convergência de mídias.
Para entender esse fenômeno, é necessário associá-lo à sociedade em redes que surge em oposição à era das massas.
No período dominado pelos MCM, o esquema era um para muitos. Um único produtor confeccionava a mensagem e a transmitia para uma grande legião de receptores. A estes, só restava consumir ou não. A única outra forma possível de feedback eram as respostas a pesquisas de opinião.
A internet mudou completamente esse esquema. Agora todos querem ser produtores, todos querem participar e interagir, daí o sucesso de redes sociais, como o Facebook e o Twitter. Até mesmo os políticos, normalmente pouco afeitos a abrirem um canal de retroação com seus eleitores, foram obrigados adotar a lógica interativa. É bastante conhecido o uso do Twitter como elemento importante na campanha de Obama à presidência dos EUA. No Brasil vários políticos estão adotando o Twitter como forma de divulgar suas ações e conversar com os eleitores. Entretanto, aqueles que entraram na rede, mas se recusaram a interagir, revelando um desconhecimento do funcionamento das novas mídias, foram bloqueados pela maioria das pessoas. 
Essa postura interativa das novas gerações leva a uma cultura de convergência. Os jovens antenados assistem à notícia na TV, procuram mais informações em blogs e comentam o assunto no Twitter. Muitos nem usam mais a TV, preferindo aparelhos celulares, ou o Youtube.
Para que essa cultura de convergência são necessários dois fatores: a digitalização crescente de conteúdos e a disponibilização dos mesmos na rede mundial de computadores.
A digitalização nem sempre é feita pelos produtores, muitos dos quais se recusam a aceitar a nova realidade do cibermundo, mas pelos próprios consumidores.
 Castells, no livro A sociedade em rede, diz que a origem universitária da internet faz com que ela adote como lema: todos contribuem com todos. Nessa nova realidade, o status é dado pela capacidade colaborativa. Quem mais transmite e difunde informações ganha seguidores e respeito. Exemplo disso são os blogs de scans, cujos autores escaneiam suas coleções, disponibilizando histórias em quadrinhos, muitas das quais raras, ou que nunca seriam lançadas no Brasil.
Essa cultura de compartilhamento faz com que programas de TV estejam disponíveis no Youtube ou em outros sites pouco depois de sua exibição.  Alguns programas tentam lutar contra essa tendência, outros se aproveitam disso para aumentar sua audiência, como o CQC e Lost.
O caso do Proteste Já Barueri é exemplo disso.  No ano de 2010, o CQC doou uma televisão de plasma à prefeitura de Barueri para ser usada em uma escola pública. O aparelho foi desviado para a casa de uma funcionária. A matéria foi proibida pela justiça e o anúncio da proibição fez aumentar os comentários no Twitter, em tempo real, sobre o caso. A tag #cqc logo se transformou numa das mais populares e permaneceu assim durante toda a semana seguinte, num movimento virtual pela liberação da reportagem. 
A exibição o programa na semana seguinte se beneficiou desse viral. Curiosamente, muitos dos que comentaram o assunto não haviam assistindo na televisão, mas no Youtube.  
O assuntou ganhou novo fôlego na rede com a divulgação de um vídeo amador no qual a filha do secretário de educação de Barueri aparecia ameaçando expulsar um colega de turma da faculdade. Como uma bola de neve, que se auto-alimenta, o vídeo aumentou a procura pela reportagem do CQC na internet e estimulou a audiência do programa. Por outra vez, os integrantes do programa, também contribuíram para aumentar a visibilidade do vídeo.  
Outros exemplos de estratégias de convergência são o filme Matrix e o seriado Lost. Matrix usou os filmes, jogos, histórias em quadrinhos e até contos para contar a história.
Lost foi chamado pela revista Superinteressante como a série que marcou o fim da TV como a conhecemos hoje. Seriado da era da convergência, Lost teve parte de sua história contada em episódios para celular e as mais diversas informações espalhadas pela internet. O enredo complexo justifica essa busca e levou até à criação de uma Lostpedia por parte dos fãs.
Nesse contexto, os fabricantes buscam a criação de um aparelho que resuma essa convergência. Em aparelhos celulares já é possível assistir à televisão, ouvir rádio, fazer ligações, mandar mensagens, entrar na internet, jogar e entrar na internet para interagir com outras pessoas através das redes sociais. O sucesso dos smartphones é sinal claro da tendência do mercado a procurar aparelhos convergentes.
O recente sucesso dos tablets também é demonstração da busca por uma unimídia, um aparelho que faça a convergência pela qual anseia a nova geração. Da mesma forma, o anúncio do Google TV, versão do mecanismo de busca para a televisão digital indica outra possibilidade nesse sentido.
Qualquer que seja o futuro das comunicações, ela será focada busca de uma mídia que reúna em si todas as outras. A convergência parece ser um fenômeno irreversível.

Conan – O povo da escuridão

 

Atualmente é impossível dissaçociar o sucesso de Conan aos artistas filipinos que atuaram principalmente na arte final do traço de John Buscema. Um filipino que raramente é associdado ao personagem é Alex Niño. Entretanto, ele emprestou seu traço único ao personagem em uma história publicada em Savage Sword of Conan 6.

A história, intiluada O povo da escuridão, é uma adaptação de Roy Thomas em cima de uma história de Robert. E. Howard que nada tinha a ver com Conan (Thomas era um especialista nisso) e fala de um homem moderno que, ao penetrar numa caverna, cai de uma escada, bate a cabeça e acorda como um bárbaro de tempos imemoriais.

Os quadros se fundem, fazendo com que a página forme um todo. 


A página de abertura é um exemplo perfeito da maestria de Niño: quadros que vão se ampliando vão mostrando aos poucos um homem que se aproxima enquanto ao fundo vemos uma árvore sombria e o rosto de um homem. Figura e fundos e unem, formando um todo numa técnica que só alex niño parecia dominar.

Na terceira página, o desenhista abstrai até mesmo os quadros, as imagens vão se sobrepondo, mas ainda assim conseguimos entender a ações.

Página mostra o personagem caindo da escada e voltando no tempo: genialidade narrativa. 


O protagonista é Jim O´Brien, um homem apaixonado por uma garota que não consegue se decidir entre ele e outro homem, formando um triângulo amoroso. Ao descobrir que seu rival pretende visitar a caverna de Dagon (uma referência a Lovecraft, do qual Howard era amigo), este desce a caverna para matá-lo.

Mas quando cai, se vê como conan. E aqui, essa história, revolucionária em muitos aspectos, ganha mais um aspecto inovador. Conan está caído no chão da caverna e um flash back mostra como ele chegou até ali: ele participaram da invasão de da cidade de Venarium. Quando andava pelas ruas da cidade, Conan deparara-se com uma garota e se apaixonara pelos cabelos dourados e os olhos acizentados (há aqui uma insinuação de tentativa de estupro).

Conan tenta violentar uma garota, que conta com um protetor. 


Mas a moça tem um protetor, que foge com ela para a floresta e, finalmente, para uma caverna, justamente o local onde vive o povo da escuridão. Ao perseguir o casal, Conan acaba, à certa altura, protegendo a moça dos ataques dessa raça reptiliana.

Estabelece-se um triângulo amoroso que, depois, ao final, irá se refletir nos dias atuais, numa trama muito bem costurada.

Eis uma história que surpreende mesmo os leitores costumazes do bárbaro.

domingo, julho 30, 2023

Neil Gaiman em Conhecimento Prático Literatura

 

Neil Gaiman foi um autor que iniciou nos quadrinhos, mas se tornou uma sensação na literatura. Muitos de seus fãs literários nem mesmo conhecem sua trajetória nos quadrinhos. Foi para dar uma ampla visão desse grande autor que publiquei na revista Conhecimento Prático Literatura 24 a matéria “Neil Gaiman: o escritor dos sonhos”. No texto eu falo do início da carreira do premiado roteirista, em Sandman e Orquídea Negra, e a analiso suas incursões literárias e os vários prêmios conseguidos. 

Fundo do baú - Terra de gigantes

 


Terra de gigantes foi o mais audacioso, criativo e caro projeto de Irwin Allen, o produtor de vários seriados de sucesso da década de  1960, como Viagem ao fundo do mar e perdidos no espaço.
A história se passa no ano de 1983, quando uma nave terrestre é envolvida por uma névoa magnética e transportada para um planeta 12 vezes maior que a Terra.
A nave ficou avariada, impossível de regressar, iniciando uma série de perigosas aventuras para os seus sete passageiros.
Os gigantes, em sua maior parte, são seres perigosos e desejam capturar os “Pequeninos”, como costumam chamá-los, a todo custo, visto que a tecnologia dos gigantes está 50 anos atrasada em relação à Terra. Logo no dia em que os Pequeninos chegam ao planeta,  já são vistos pelos gigantes e se tornam interessantes para estudos de cientistas, para servirem de brinquedo, ou mesmo para gerar lucro, como em um circo, por exemplo.
A população do planeta é controlada por um Regime Autoritário de Poder, muito assemelhado a ditaduras, que na época em que a série foi gravada, eram mais numerosas que nos dias atuais. Com isso, as histórias de Terra de Gigantes foram críticas evidentes ao autoritarismo.
Curiosidades
- Para dar maior impressão de que os atores gigantes realmente tinham alguns metros de altura, as cenas eram filmadas de baixo para cima, a uma certa distância.
- A maquete da nave Spindrift tinha praticamente 1,80m de comprimento e contou com peças já utilizadas em outras produções da Fox. Os assentos da cabine, por exemplo, foram usados no filme “O Planeta dos Macacos” (1968). Por sua vez, partes originais da Spindrift foram reutilizadas no filme “Cidade Sob o Mar” (1970).
- A equipe de criação e design era muito competente e conseguiu reproduzir bem alguns objetos em grandes dimensões, como hidrantes, câmeras, coleira de um cão, um esfregão ameaçador, tubos de ensaio, uma galinha com fome, drenos, rédeas de um cavalo, entre outros, mas quando um gigante pegava um pequenino, era sempre uma mão mecânica.
A série Terra de Gigantes foi retransmitida para mais de 80 países, incluindo da América Latina. No Brasil, a estreia foi pela TV Record de São Paulo, no dia 2 de março de 1969, às 18h30, um domingo.
Por volta de 1974, passou a ser exibida pela Rede Globo e, anos depois, pela TV Tupi.

O código Da Vinci e o sagrado feminino

 



O CÓDIGO DA VINCI é um livro de 2003, de Dan Brown. Publico abaixo uma resenha publicada por mim na época: 

Brown escreve bem, apesar de algumas escorregadas (algumas expressões destoam do restante e parecem chulas). Seu texto é claro, limpo, sem cacoetes literatescos. E ele sabe transmitir de maneira fácil assunto complexos.

O livro também se destaca pela ótima utilização do suspense. Três níveis de narrativa deixam o leitor grudado nas páginas como só os grandes mestres da literatura pop sabem fazer.

Quanto às teorias expostas no livro, o próprio autor as expressa com ressalvas, uma atitude sensata, embora claramente o livro tenha como inspiração da idéia do sagrado feminino, a noção de que a sociedade ocidental passou a valorizar apenas o aspecto masculino, esquecendo o feminino. Brown propõe a complementariedade masculino-feminino, yin-yang.

Para os que não sabem, o sagrado feminino, refere-se à religião da deusa, que venerava a terra e as mulheres por sua capacidade de gerar vida. Para os homens, o fato das mulheres darem à luz era um enigma que fazia com que a mulher tivesse caráter divino, afinal, apenas Deuses têm a capacidade de criar vida. As mulheres ficavam grávidas em uma grande festa na primavera, em honra à Mãe Terra, em que todo mundo transava com todo mundo (para quem não sabe, essa é a origem do carnaval). Um detalhe interessante é que praticamente todas as mulheres engravidavam ao mesmo tempo e tinham seus filhos antes do período de colheita, da qual participavam ativamente.

Em algum momento da evolução humana, os homens começaram a perceber uma relação entre o sexo e o nascimento das crianças. A partir daí, como forma de poder, os homens passaram a exigir exclusividade. As mulheres eram trancafiadas e os rituais antigos em honra à Mãe Terra, foram proibidos.

Nesse momento o regime político saiu do matriarcado para tornar-se patriarcal.

O livro acusa indiretamente a Igreja por essa supervalorização do masculino, mas a situação é bem mais complexa.

Por um lado a visão católica romana, sãopaulina, seja de fato conservadora e machista. Na Inquisição, a maior parte das pessoas que morreram era mulheres acusadas de venerarem a Mãe Terra (as chamadas feiticeiras).

No entanto, o culto ao sagrado feminino sobreviveu na  Igreja Católica no culto à Nossa Senhora.

Por outro lado, uma das pessoas apontadas como mestres do priorado de Sião e, portanto, protetores do segredo do graal, é Sir Isaac Newton, talvez o maior responsável pela disseminação do pensamento cartesiano, que divide a realidade em partes e certamente é importante para a dissociação entre os aspectos complementares da realidade.

Bem, mas talvez eu esteja divagando. O que quero dizer é que, apesar de algumas incoerências, o livro é uma leitura divertida. Vale a pena ser lido.

O bamba do regimento

 



O Bamba do regimento, filme estrelado por Jerry Lewis e lançado em 1957 começa com um trem indo na direção de um quartel do exército. Dois soldados encontram uma vaga em frente a um recruta, que se revela um gênio capaz de decorar todos os manuais técnicos do exército. Mas, em contrapartida, é um atrapalhado sem igual que arranja todo tipo de confusão chegando a parar a locomotiva.

Esse início dá o tom de toda a obra. Bixby é um recruta genial em assuntos técnicos, mas um desastre total em todo o resto – o que leva às cenas de humor. Bixby chega até mesmo a derramar um caminhão de seixos em cima do jeep no qual está o sargento.

Mas uma psicóloga do exército (que ocupa o importante cargo de major) está interessada nele. Se for possível transformar Bixby em um bom soldado, milhares de outras pessoas em situações semelhantes poderão ser aproveitadas. E para essa tarefa ela encarrega exatamente aqueles dois soldados do início.

As coisas complicam ainda mais quando o regimento é enviado para a África e um grupo terrorista árabe sequestra o recruta para fazer com que ele monte um canhão.

Sad Sack no traço de seu criador. 


Uma curiosidade sobre esse filme é que ele é a adaptação de uma história em quadrinhos de sucesso da época da II Guerra Mundial: Sad Sack. Criada pelo sargento George Barker, ela tinha como protagonista um recruta atrapalhado (a expressão Sad Sack, usada no exército à época, significa “soldado inepto”).

No Brasil esse personagem foi publicado como Soldado Valdemar, O azar do Valdemar e, finalmente, Recruta Biruta, nome pelo qual ficou conhecido. Quando esse personagem foi publicado pela editora Abril na década de 1970, muitos acharam que se tratava de uma cópia do Recruta Zero, o que não é verdade, já que Sad Sack é anterior. Aliás, os dois tiveram trajetórias inversas: enquanto o Recruta zero surgiu como um estudante que posteriormente se alista no exécito, o Recruta Biruta surgiu como um soldado que depois dá baixa e vai viver como civil.

A editora Abril publicou o personagem com o título de Recruta Biruta. 


Nas décadas de 1940 e 50 o personagem foi muito popular no Brasil, a ponto de ganhar uma música, gravada por Eliana e Adelaide Chiozzo. A letra da canção faz referência ao nome pelo qual o personagem era conhecido à época: “"Valdemar é um recruta biruta/que não sabe nem marchar/E qualquer voz de comando/Esquerda, direita; tonteia o Valdemar/Mas o sargento, rabugento, muito tesa,/se enfeza e faz o Valdemar marchar”.

O filme Recruta Biruta está disponível no Youtube aqui: https://www.youtube.com/watch?v=SbjybH1mJPY, e a interpretação de  Eliana e Adelaide Chiozzo está disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=HLKDDyxGv3U

Hulk – consertando cercas

 


Peter David e Dale Keown em sua fase no Hulk mostraram o personagem dividido entre três personalidades – e conseguiam perfeitamente fazer a distinção de cada um tanto visualmente quanto em termos de diálogos e de personalidade.

O início da história “Consertando cercas”, publicada em The incredible Hulk 373 demonstrava muito bem isso.

A história começa com as duas versões do golias na mente de Banner, lutando para ver quem conseguirá assumir o controle. Isso é representado metaforicamente por uma porta de metal. Na splash page inicial, o Hulk verde tenta empurrar a porta e escapar. O Hulk cinza empurra de volta enquanto diz: “Volta pra dentro, sua anta verde!”, ao que o outro responde: “Hulk fracote pensa que pode mandar Hulk de verdade embora, mas...”. O cinza consegue fechar a porta com um estratagema que é uma piada nerd: “Olha atrás de ti! É o Lou Ferrigno!” (o ator que interpretou o Hulk na série de TV). Quando o verde olha para trás, ele fecha a porta e escarnece: “Mané, sempre cai nessa.”.

A consciência de Banner é representada por uma porta. 


A história era continuação de uma história anterior, em que Banner reencontra Beth Ross, mas o que parecia ser um final feliz descamba para pura ação quando aparece o exército e até o FBI para prender Banner.

Aliás, é numa sequência com agentes do FBI que Peter David melhor exercita sua verve para o humor. Um agente diz: “É por isso que os locais precisam de nós em casos assim. Somos observadores treinados”, enquanto Bruce Banner e Betty Ross escapam atrás deles, numa moto.

Amazing Fantasy 15 - Surge o Homem-aranha!

 


Um dos aspectos interessantes da coleção clássica Marvel é o fato de muitas vezes eles reproduzirem textos da época, que permitem compreender melhor as estratégias editoriais – o que ainda é complementado pelos excelentes estudiosos italianos que escrevem os artigos de apoio.

O volume 1, dedicado ao Homem-aranha, é um exemplo disso. No texto de introdução, Massimiliano Brighel explica que Martin Goodman não havia gostado do herói aracnídeo e Stan Lee usara uma estratégia para convencê-lo a publicar o personagem. A revista Amazing Adult Fantasy ia ser cancelada no número 15 e Lee sugeriu publicar uma história do novo herói naquele último número. 

A capa, de autoria de Jack Kirby, mostra o aracnídeo se balançando numa teia, segurando um malfeitor e dizendo: “Embora o mundo possa zombar de Peter Parker, o adolescente tímido, em breve todos ficarão maravilhados com o incrível poder do Homem-aranha!”. Na mesma capa havia uma caixa com o texto: “Ainda nesta edição: uma mensagem importante do editor para você... sobre a nova revista!”.

A capa com a primeira aparição do personagem foi desenhada por Jack Kirby. 


A capa é um ótimo exemplo de como Stan Lee era um gênio da auto-promoção. O diálogo instiga o leitor a querer conhecer o personagem e a chamada o leva a procurar o tal texto do editor. E o que dizia o texto do editor? Esse texto está presente na edição da Panini e diz mais ou menos o seguinte: que a revista iria perder a palavra Adult porque alguns leitores se sentima constrangidos de comprar uma revista que era para adultos, ia mudar o formato, de magazine para comics e, finalmente, a malandragem de Lee: “Como você verá, apresentamos um dos personagens mais incomuns de todos os tempos, o HOMEM-ARANHA, que continuará a aparecer todos os meses em AMAZING. Talvez se suas cartas exigirem, podemos estender suas histórias, ou incluir DUAS aventuras do Homem-aranha em cada edição”.

O texto é uma tremenda malandragem porque Lee sabia que a revista ia ser cancelada, então sabia que o herói não continuaria a aparecer nela. Mas estimulava os leitores para escreverem cartas para a redação. Essas cartas seriam o seu argumento para convencencer Goodman a continuar publicando a revista, mas agora alterada, tendo apenas histórias do heróis aracnídeo.

Mas toda essa estratégia não daria certo se o material não tivesse qualidade. E o que vemos é uma história em quadrinhos realmente empolgante, muito bem narrada, um exemplo de como contar uma boa história em apenas 11 páginas.



A HQ inicia com uma splash page de Peter Parker olhando, desconsolado para um grupo, que caçoa dele. Na parede, sua sombra emula uma aranha. Aquela primeira página já cria uma identificação imediata. As pessoas a tendem a se identificarem e a simpatizarem com personagens vítimas de injustiças.

Segue-se uma sequência em que vemos que Peter Parker vive com os tios, pelos quais sente enorme carinho e  mais uma vez ele sendo desprezado pelos amigos porque prefere ir para uma feira de ciências a comparecer a uma festa.

Mais do que uma vítima, Peter Parker é um bom rapaz, querido pelos professores e pelos tios. É também muito inteligente, e possivelmente ganhará uma bolsa de estudos.

Em seguida vemos toda a sequencia célebre: o garoto sendo picado pela aranha, descobrindo que ganhou poderes, aproveitando os poderes para ganhar dinheiro e finalmente descobrindo que grandes poderes trazem grandes responsabilidades, quando o tio morre por culpa dele, que não parou um ladrão quando poderia fazê-lo. Tudo isso em pouquíssimas páginas!

Uma curiosidade é que, ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, naquela primeira história, o Tio Ben jamais falou a famos frase sobre poderes e responsabilidades. Ela aparece apenas na caixa de texto final da história.