quarta-feira, outubro 31, 2018

O gigante esmeralda e o deus do trovão


O sucesso do Quarteto Fantástico fez com que Stan Lee ganhasse carta branca do dono da Atlas (agora rebatizada de Marvel), Martin Goodman, para criar novos personagens. Lee tinha criado uma nova maneira de fazer super-heróis. Nada de ricaços infalíveis e perfeitos, mas pessoas normais que se viam, de repente, portadores de poderes extraordinários. Nas palavras de Stan Lee, seus personagens tinham, sob as botas de heróis, pés de barro.
Esse conceito foi levado ao extremo com um novo personagem surgindo em 1962: o incrível Hulk. Exposto aos terríveis raios gama (Stan Lee adorava criar esses nomes estranhos), o cientista Bruce Banner transforma-se num monstro irracional, mas de bom coração, que é perseguido pela humanidade. Inicialmente o personagem era cinza, mas uma falha de impressão fez com que ele saísse verde e essa passou a ser sua cor oficial. Para desenhar o personagem, Lee chamou seu melhor desenhista: Jack Kirby! Hulk era o ser mais poderoso da terra e ninguém melhor para desenhar seres poderosos do que o bom Kirby. Anos mais tarde, Kirby afirmou que a idéia para o personagem foi sua, após ver uma mulher levantar um carro para salvar seu filho, o que o levou a concluir que todas as pessoas poderiam liberar seu lado Hulk em determinadas situações.
Apesar do sucesso, a revista teve que ser cancelada no número seis para dar lugar às novas criações de Stan Lee, entre elas o Homem-aranha. Isso aconteceu porque Martin Goodman havia vendido sua distribuidora, colocando todas as suas revistas nas mãos de uma distribuidora que faliu. Assim, ele teve que ir rastejando, pedir para a rival National (atual DC) distribuir suas publicações. Eles toparam, mas exigiram que a Marvel não lançasse mais do que 12 revistas por mês. Assim, para lançar uma revista nova, era preciso cancelar uma antiga.
No rastro das inovações, Stan Lee pediu a Jack Kirby que fizesse um herói baseado na mitologia nórdica. Essa era uma mitologia muito pouco explorada nos quadrinhos, mas segundo Lee, era a mais dramática. Roberto Guedes, no livro Quando surgem os super-heróis, diz que ¨Kirby estilizou de forma ímpar os deuses asgardianos, indo além do figurino trivial dos marmanjos vikings. A cidade de Asgard mais parecia um planetóide alienígena, de charme inigualável¨. O personagem principal, o deus Thor, foi mostrado não como um viking cabeludo, mas como um jovem loiro, de cabelos longos, antecipando o visual dos hippies (posteriormente, Mark Millar exploraria isso na série Os Supremos, mostrando Thor como um hippie ecologista).
King tinha uma mente incrível para grandes sagas e personagens fantásticos. Assim, ele criou vários personagens ou locais marcantes, como Ego, o planeta vivo, a montanha de Wundagore, os colonizadores de Rigel e O Registrador. Lee colaborava com o lado humano e com as tramas bem elaboradas. Um expediente comum era colocar o personagem numa situação insolúvel no final da revista. Na revista seguinte, a situação era solucionada, apenas para dar lugar a uma situação ainda mais complicada. Thor vivia uma verdadeira vertigem de aventuras. Além disso, King usou na série um expediente absolutamente inovador: colagens de fotos que eram misturadas aos seus desenhos, dando um charme especial às histórias.
Hulk e Thor são, até hoje, personagens fundamentais para a Marvel Comics.   

O surgimento do Homem-aranha

O lançamento do Quarteto Fantástico foi uma verdadeira revolução no mercado, abrindo caminho para que a Marvel se tornasse a editora predileta dos fãs. Mas o personagem que melhor representaria esse método Marvel de fazer quadrinhos só surgiria em 1962. Trata-se do Homem-aranha.
            Quando Stan Lee apresentou a idéia para o personagem, todos na editora, especialmente o dono, Martin Goodman, acharam que seria um fracasso. Afinal, ele não era rico, era cheio de complexos e falhas de caráter e nem ao menos era bonito, fisicamente. Além disso, todo mundo odeia aranhas.
            Mas era justamente nesses pontos negativos do personagem que Lee apostava. Ele achava que os leitores iriam se identificar com aquele nerd que só se dava mal, era rejeitado por todos, mas, quando vestia sua máscara, tornava-se o grande herói da cidade. Para destacar ainda mais esses supostos aspectos negativos, Lee chamou Steve Ditko, que fazia Peter Parker franzino, com cara de nerd. Jack Kirby, o outro grande artista da editora, foi rejeitado por fazer o personagem musculoso. A idéia era mostrar um perdedor que se tornava o herói do pedaço.
            O homem-aranha fez um sucesso imediato. A história mostrava o garoto frágil, Peter Parker, vítima de gozação dos outros, que ganha super-poderes ao ser picado por uma aranha radioativa. Inicialmente ele usa esses poderes para ganhar dinheiro, apresentando-se na TV, mas tudo muda quando ele deixa escapar um bandido, que depois irá matar seu tio Ben.  A partir de então, ele passa a adotar como lema uma frase do tio: ¨Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades¨ e usa suas novas habilidades para ajudar as pessoas e combater os criminosos. Como contraponto, Parker convive com uma tia super-protetora. Tornou-se comum a cena em que ele liga para tia, ainda vestido de homem-aranha, e ela lhe diz para tomar cuidado, usar agasalho para não se resfriar e, principalmente, tomar cuidado com o Homem-aranha.
            A série levou ao extremo os temas já abordados no Quarteto Fantástico. O homem-aranha é extremamente humano. Ele fica doente, tem dúvidas sobre sua atuação com herói, recebe foras das namoradas... Os poderes recebidos parecem mais um fardo, um problema a mais para um garoto que enfrenta vários problemas, entre eles o aluguel do fim do mês. A morte da namorada Gwen Stacy, na década de 1970 mostrou a que ponto o realismo podia chegar: mesmo os protagonistas poderiam morrer.
            Uma das histórias mais antológicas do personagem é aquela em que ele precisa conseguir um composto químico capaz de salvar Tia May, mas esse composto também está sendo procurado também pelo doutor Octopus. De repente o herói se vê preso sob uma pesada viga. A seqüência mostra, em várias páginas, ele tentando se livrar do obstáculo. Quando finalmente consegue levantar a viga, o frágil Peter Parker é mostrado (no desenho de Steve Ditko) como um homem musculoso. É como se o grande inimigo que ele precisasse vencer fosse a si mesmo e, ao se tornar vitorioso, ele se tornava um herói. Era algo com que os adolescentes de qualquer lugar do mundo podiam se identificar. Afinal, o que é a adolescência, senão um período de dúvidas, dramas e vitórias?
            A grande qualidade dos artistas que passaram pelo personagem (Stan Lee e Gerry Conway nos roteiros, Steve Ditko, John Romita e Ross Andru nos desenhos) só fizeram resaltar o ar de mito que o personagem ganhou. Em todas as culturas há histórias de jovens guerreiros que são desprezados pelos demais, mas que, nos momentos decisivos, acabam salvando a aldeia, ou o reino, ou a cidade. Como Davi, vencendo o gigante Golias.

terça-feira, outubro 30, 2018

Linguagem corporal

Quero lhe pedir um favor. Dê uma olhada nessas duas garotas e diga quem é mais bonita. Não tentem racionalizar, simplesmente digam qual delas parece mais bonita e atraente.
Garota 1
Garota 2


Embora as duas fotos sejam quase iguais, a maioria dos leitores, deve ter achado a primeira jovem mais bonita. A única diferença entre as fotos é que, na primeira foto, a garota teve a pupila dilatada. A pupila dilatada demonstra interesse, inclusive sexual, e os homens são programados para reagir a esse fato achando bonitas garotas que estão interessadas neles. Uma estratégia evolutiva, sem dúvida, que demonstra bem as pequenas mensagens subliminares que nosso corpo envia e que são decodificadas por outras pessoas de forma inconsciente.
A nossa incrível capacidade de ler as mensagens subliminares enviadas pelo corpo de outras pessoas é demonstrada na situação de duas pessoas andando num corredor apertado. Na maioria das vezes, as pessoas desviam para lados opostos, evitando se trombar, sem que para isso precisarem trocar uma única palavra.
Vale lembrar que, na maioria das vezes, nem mesmo a pessoa que envia a mensagem, tem consciência disso. É um processo quase que totalmente incosciente de envio, recebimento e decodificação de mensagens.
Tudo na pessoa fala alguma coisa sobre ela: as roupas, os cabelos, os gestos, o sorriso, o olhar e até mesmo a forma como elas imitam inconscimente as outras, o chamado eco posicional. Subalternos costuma adotar posturas semelhantes às de seus chefes como uma forma de dizer: ¨Eu quero ser como você¨. Bons vendedores não só adotam posturas corporais semelhantes às de seus clientes, como ajustam o tom de voz para criar uma empatia.
O eco posicional pode revelar até mesmo interesse romântico. Lembro de uma vez em que vi um rapaz e uma moça num ponto de ônibus. Os dois obviamente estavam flertando, embora nenhum dos dois tomasse a iniciativa de iniciar a conversa. Mas o corpo deles falava, e muito. Quando ela cruzava as pernas, ele cruzava. Quando ele olhava para a esquerda, ela olhava. Quando ele coçava uma parte do corpo, ela coçava... e ficaram nesse jogo de repetições de movimentos por bastante tempo, seus corpos dizendo um para o outro: ¨Eu sou parecido com você e estou interessado. Venha conversar comigo¨.
Um bom conhecimento da linguagem corporal ajuda em quase todas as atividades. A mais óbvia é a área de marketing. Mas até um roteirista de quadrinhos deve ter um conhecimento preciso da linguagem corporal. No meu livro Roteiro para Quadrinhos eu falo, por exemplo, da sequência em que Alan Moore indicou que o personagem Rorschach, de Watchmen, é homossexual.
Nessa sequência, o herói teve uma briga com o amigo Coruja e os dois fazem as pazes. Rorschach pede desculpas e oferece a mão. O Coruja aceita as desculpa e aperta a mão do outro, mas Rorschach não quer largar. Reparem como o Coruja usa a outra mão para se livrar do aperto. Reparem também como o Coruja está constrangido. Ele olha para os lados, evitando o rosto de Rorschach, pois sabe que aquele não é um aperto de mãos normal, e, assim que se solta, afasta-se. Ao mesmo tempo, Rorschach acaricia a própria mão e as manchas em sua máscara formam um sorriso, talvez o único sorriso de toda a história. Sua postura corporal é de garotinho apaixonado...

segunda-feira, outubro 29, 2018

O surgimento da Marvel


Em 1961, uma partida de golfe mudaria a história dos quadrinhos de super-heróis. Os jogadores eram Martin Goodman, da Atlas (atual Marvel) e Jack Liebowitz, da National (atual DC Comics). Liebowitz comentou que a revista da Liga da Justiça, recentemente lançada, era um sucesso entre os leitores.
Goodman despediu-se e foi para a editora, pedir a Stan Lee que criasse uma cópia da Liga para aproveitar aquele interesse dos leitores por heróis clássicos reunidos num grupo.
Acontece que Stan Lee já estava de saco cheio daquilo. Ele se sentia mal, num campo editorial enfraquecido pela concorrência da televisão e perseguido por pais e professores. Além disso, queria fazer algo diferente. Ele tinha algumas idéias em mente, mas tinha medo de apresentá-las. Foi sua esposa que o convenceu que aquela era uma oportunidade de fazer o que queria: ¨Querido, se não der certo, o pior que pode acontecer será Goodman demiti-lo¨.
Então, ao invés de promover uma reunião de personagens clássicos, como Namor e o Capitão América, ele propôs algo completamente diferente. O novo grupo era um quarteto de astronautas que, ao fazer uma viagem espacial, foram bombardeados por raios cósmicos e ganharam incríveis poderes: o Quarteto Fantástico! O grupo era composto por um cientista que conseguia se esticar como elástico, uma moça que podia se tornar invisível, um rapaz que pegava fogo e virava uma tocha humana e um ser grotesco, o Coisa. Esse último personagem foi o mais diferente, e logo cativou os leitores. Até então, os heróis pareciam muito felizes com seus poderes, mas Bem Grimm não. Os raios cósmicos o haviam transformado num monstro de pedra. Inconformado, ele vivia resmungando pelos cantos e comprando brigas com os outros.
Isso era uma novidade: até então os heróis pareciam coroinhas ou escoteiros: todos muito bonzinhos e afáveis. Um herói ranzinza e um grupo que se parecia mais com uma família (inclusive com suas brigas) foi algo que provocou estranhamento, mas logo conquistou os leitores. Além disso, as histórias começaram a apresentar uma cronologia. Até então as histórias eram sempre isoladas e não havia uma continuidade. Nas histórias do Quarteto, se um personagem pegava uma gripe numa história, na história seguinte ele continuaria gripado. Para arrematar, Lee deu a seus heróis um caráter humano que permitia uma identificação dos leitores: os heróis Marvel, a despeito de seus incríveis poderes, eram pessoas normais, que levavam fora das namoradas, sentiam ciúmes, eram esnobados, ficavam doentes... e até morriam.
A revista do Quarteto Fantástico tinha desenhos de Jack Kirby, o rei dos quadrinhos de super-heróis. Seu traço expressionista influenciou praticamente todos os artistas americanos a partir de então e criou as bases do visual dos super-heróis.
Kirby era um mestre épico, das grandes sagas intergaláticas e dos heróis super-poderosos. Já Lee era o mestre do lado humano, dos dramas e comédias da vida normal. Os leitores se identificavam com a humanidade colocada nas histórias por Lee e se projetavam no grandioso, especialidade de Kirby.
Stan Lee era um roteirista e editor querido por todos os artistas. Era um um gente-boa, que dava liberdade criativa para seus artistas e conseguia deles o seu melhor. Ele também usava e abusava da promoção pessoal, colocando em destaque o seu nome e o dos artistas nas páginas das revistas.  Além disso, ele criou o chamado método Marvel de escrever roteiros. Como exercia a função de editor e escrevia diversas revistas, ele não tinha tempo de produzir scripts completos, então fazia apenas um resumo da história e entregava para o desenhista. Este ilustrava, entregando depois para que Lee colocasse os textos e diálogos. Esse aspecto fez com que alguns colocassem em dúvida a verdadeira importância de Stan Lee, mas hoje são poucos os pesquisadores que descartam a relevância desse roteirista para o sucesso da editora que ficou conhecida como ¨A casa das idéias¨.

Combate inglório - quadrinhos anti-militaristas


Em 1965, James Warren estava transformando uma paixão em negócio. Ele havia lançado com sucesso uma revista sobre monstros e sua revista de quadrinhos de terror, a Creepy, era um sucesso. Ele resolveu então aumentar seu catálogo de publicações com uma revista sobre guerra e chamou para isso o seu único funcionário, o roteirista e editor Archie Goodwin.
Goodwin tinha um método próprio de trabalho: ele conversava com cada desenhista e descobria o que ele gostava de desenhar. E fazia histórias a partir dessas preferências. Isso garantia que os desenhistas tivessem algumas das suas melhores performances em revistas editadas por ele. Por outro lado, Archie Goodwin era um dos melhores roteiristas dos comics americanos de todos os tempos, com uma incrível capacidade de criar histórias envolventes, poéticas quando necessário e acima de tudo profundas.
O resultado disso, a revista Blazing Combat, só poderia ser um sucesso.
Mas foi um fracasso.
A razão disso foram as histórias sobre a guerra do Vietnã. Na década de 1970 essa guerra se tornaria extremamente impopular, mas naquela época a opinião pública norte-americana era a favor da guerra. E as histórias de Goodwin (e Joe Orlando, nos desenhos), mostravam uma visão anti-militarista, como a história de um camponês vietnamita que perde tudo, de sua família ao arrozal por conta da guerra.
Os distribuidores de quadrinhos viram a história e começaram a boicotar a revista. Como os relatórios de vendas demoravam a chegar, Warren continuou publicando o gibi até o número quatro, mas o prejuízo quase fecha a editora – que só se sustentou graças ao sucesso absoluto da Creepy.
Apesar de ter tido apenas quatro número, Blazing Combat entrou para a história como a melhor revista de guerra de todos os tempos.
Em 2011 a editora Gal publicou um encadernado com essas histórias com o título de Combate Inglório. A edição de mais de 200 páginas traz, além de todas as histórias em quadrinhos publicadas na revista, uma entrevista com James Warren e outra com Archie Goodwin. É uma edição imperdível para qualquer um que goste de quadrinhos de qualidade. Além do texto simplesmente brilhante de Goodwin, a lista de desenhista é impressionante: Joe Orlando, Al Williamson, John Severin, Wallace Wood, Alex Toth, Gene Colan, Reed Crandal, Angelo Torres, Gray Morrow. 

A memória vegetal

Antes de qualquer coisa, A memória vegetal (Record, 2010, 272 págs.), de Umberto Eco, é uma declaração de amor aos livros. O amor pelo objeto feito de papel percorre todas as quase 300 páginas do volume em textos que vão de definições a listas de livros raros, passando por contos fantásticos. 

Eco começa a obra definindo o título: no começo, existia uma memória orgânica. Essa memória era composta pelos velhos, que tinham o conhecimento da tribo e repassavam para as novas gerações: "Talvez, antes, eles não tivessem utilidade e fossem descartados, quando já não serviam para encontrar comida. Mas com a linguagem, os velhos se tornaram a memória da espécie: sentavam-se na caverna, ao redor do fogo e contavam o que havia acontecido antes de os jovens nascerem. Antes de começar a cultivar essa memória social, o homem nascia sem experiência, não tinha tempo de fazê-lo e morria. Depois, um jovem de vinte anos era como se tivesse vivido cinco mil". 

Com a invenção da escrita, surgiu uma memória mineral. O conhecimento era registrado em tabuinhas de argila ou esculpido na pedra. Era uma memória que incluía também a questão arquitetônica, já que grande parte do conhecimento era registrado em monumentos. 

Com o tempo, surgiu uma memória vegetal, com o papiro e o papel. Entre outras revoluções, o livro criou uma memória individual, que é uma versão pessoal das coisas - e a leitura se tornou um diálogo com alguém que não está diante de nós e que, muitas vezes, está morto. O livro aumentou a memória do homem em séculos, milênios. Segundo Eco, o analfabeto vive apenas uma vida, ao passo que o leitor vive diversas vidas. 

Um dos maiores méritos dos livros foi nos ensinar a duvidar dos próprios livros, pois eles contradizem-se entre si e aprendemos que são apenas versões de fatos, e não uma verdade universal. A interpretação ingênua (está publicado, é verdade) é típica de quem não está acostumado a ler. 

Aprender a identificar as boas obras é um mérito dessa leitura crítica. Se antigamente o problema era encontrar livros, hoje é selecionar os bons entre os milhares que são lançados anualmente. Nessa monstruosidade de informação, o leitor muitas vezes se sente perdido. Para Eco, o processo de escolha é como aquele do namoro. Devemos nos perguntar se o livro que estamos prestes a tomar nas mãos é daqueles que jogaríamos fora depois de lidos. Jogar fora um livro depois de lê-lo é como não desejar rever a pessoa com a qual passamos a noite. 

Assim, para um verdadeiro leitor, a relação com o livro deve ser sempre de amor. Cada nova leitura deve ser como cada nova vez em que o apaixonado reencontra a amada. 

A memória do livro é a memória da humanidade e até mesmo livros maus, como Os protocolos dos Sábios de Sião, devem ser preservados, como forma de lembrar de um passado ignóbil. Lembrar que um dia um livro foi escrito para promover o racismo contra os judeus é evitar que o nazismo aconteça novamente. 

Segundo Eco, devemos salvar não só as baleias, as focas ou os ursos. Devemos salvar também os livros: "Temam aquele que destrói, censura, proíbe os livros: ele quer destruir ou censurar nossa memória (...) Começa-se sempre pelo livro, depois instalam-se as câmaras de gás". 

Como se vê, A memória vegetal é uma carta de amor de um apaixonado. Como tal, há coisas que só interessam a ele e ao objeto de sua paixão, como listas de livros. Mas há outros que interessam a todos, pela universalidade de sentimentos. Um dos capítulos mais interessantes é "Varia et curiosa" sobre livros curiosos. Eco cita, por exemplo, análises da loucura de Rousseau ou de Maomé, livros sobre transplantes de testículos de macacos para homens, sobre como a masturbação pode provocar cegueira, surdez e demência. Nesse mesmo capítulo são lembradas as obras que se tornariam sucesso de público e de crítica, mas que haviam sido recusados por editores ou detonados por alguns críticos. Moby Dick, por exemplo, foi recusado por um editor com a desculpa de que não funcionaria no mercado juvenil por ser longo e antiquado. A revolução dos bichos, de George Orwell foi recusado nos EUA com a desculpa de que livros com animais não vendiam. Sobre O diário de Anne Frank, um analista escreveu: "Essa jovem não parece ter uma percepção especial, ou seja, o sentimento de como se pode levar esse livro acima de um nível de simples curiosidade". Sobre Lolita, escreveram que o editor, ao invés de publicar o livro, deveria levar o autor a um psicanalista. O livro A máquina do tempo, clássico da ficção-científica de H. G. Wellsm, foi considerado "pouco interessante para o leitor comum e não suficientemente aprofundado para o leitor científico". A boa terra, de Pearl Buck foi recusado porque, supostamente, o público norte-americano não estava interessado em nada referente à China. Um analista considerou que John Le Carré e seu livro O espião que veio do frio não tinham futuro. 

Um crítico escreveu que, felizmente, o livro O morro dos ventos uivantes, de Emily Bronte, nunca seria popular. Outro escreveu que Walt Whitman tinha tanta relação com a arte quanto um porco com a matemática. 

O livro ainda contém deliciosos contos fantásticos, no estilo Jorge Luís Borges, como um sobre um mundo em que uma peste dominasse todos os livros de trapo (que são normalmente mais duradouros), o que coloca de cabeça para baixo o mercado livros raros. 

Em suma: A memória vegetal é leitura apaixonante para os que são apaixonados por esses objetos de papel. Ou para os que querem se apaixonar.

domingo, outubro 28, 2018

Charles Chaplin - O Grande Ditador - Discurso final (Legendado)

Dez pessoas que eu seguiria

Meu filho ainda era pequeno quando isso aconteceu. Estava aprendendo a andar e eu o levava quando íamos comprar pão. Certa vez passamos por um rapaz sentado no meio-fio. Ele estava lá parado, sentado, o olhar perdido no nada, como se até mesmo pensar fosse um esforço grande demais. Com os passos pequenos de meu filho, demoramos a chegar na panificadora, e demoramos a voltar, mas quando voltamos, lá estava o rapaz parado, estático, bobo. Era como se ele estivesse apenas observando a vida passar diante dele.A experiência me marcou. Percebi que existem pessoas e pessoas. Existem aquelas que simplesmente passam pela vida e deixam a vida ir embora, sem fazer qualquer diferença. Por outro lado, existem aquelas que se destacam tanto que mudam o mundo, o nosso jeito de pensar, a nossa percepção das coisas. São os grandes, os gigantes, cujos passos deveriam ser seguidos. Eis a minha lista:


Monteiro Lobato

Ao pensar em alguém que fez a diferença em minha vida e na de muitas outras pessoas, o primeiro nome que me vem à mente é Monteiro Lobato. Lobato é muito mais do que um escritor de literatura infantil, embora ele tenha produzido uma obra genial nessa área. Lobato foi um visionário, alguém muito avançado para sua época. Mesmo sua abordagem da literatura infantil tinha muito de afronta aos pré-conceitos, afinal, na época essa era considerada uma área menor da literatura. Lobato me ensinou o valor da clareza, da importância de compreensão por parte do leitor. Ele escrevia sobre os temas mais difíceis e sempre de maneira agradável. Tenho visto tanta gente que acha que escrever é enrolar o leitor numa teia de dificuldades e palavras difíceis (muitas vezes usadas equivocadamente), e sempre penso: esse pessoal não leu Lobato. E Lobato era de uma sinceridade provocante, embora também fosse muito gentil (quando Mário de Andrade escreveu um texto matando-o, Lobato declarou: "Mário é grande, ele tem o direito de nos matar"). Uma de suas frases prediletas virou meu lema: "Isto acima de tudo: sê fiel a ti mesmo".


Alan Moore


Não há quem leia uma obra de Alan Moore e não passe a ver os quadrinhos de forma diferente. Moore revolucionou a maneira como as pessoas viam os roteiristas. Antes, as grandes estrelas eram os desenhistas, disputados a tapas pelas editoras. Parecia que os leitores só compravam as revistas por causa dos desenhos. Alan Moore produziu obras tão fantásticas que a simples menção de seu nome na capa de uma revista já é indício de boas vendas. Sua genialidade é tal que é muito difícil definir qual é a sua melhor obra. Miracleman, Monstro do Pântano, WatchmenV de VingançaDo Inferno, todos esses são obras-primas. E são como cebolas, que descascamos e descobrimos novos sabores, novas interpretações a cada leitura. A melhor obra é aquela que nos surpreende a cada leitura. Eu poderia passar o resto da minha vida lendo e relendo os trabalhos de Alan Moore e uma leitura jamais seria igual à outra.




Gandhi


A ética inabalável, o desprendimento pelo fruto de suas ações e a generosidade mesmo para com os inimigos são exemplos que deveriam ser seguidos por qualquer homem público. Infelizmente, os exemplos são poucos e, por isso mesmo, louváveis. Gandhi é um deles. A todos esses atributos, ele juntou mais outro: a inteligência e a estratégia. Até o início do século XX, os ingleses eram vistos como homens nobres e civilizados, que estariam tirando suas colônias da barbárie. A forma violenta como os ingleses reprimiram as pacíficas manifestações de Gandhi mostraram ao mundo uma situação invertida: o honrado britânico na verdade era um bárbaro, enquanto o pequenino hindu se comportava como um gentleman. Inteligência, acima da violência, essa foi a grande lição de Gandhi.




Hipátia

Entre 370 e 415 viveu em Alexandria uma filósofa chamada Hipátia. Filha do sábio Theon, ela foi criada para ser um exemplo do ideal helênico de mente sã, corpo são. Hipátia dominava a matemática, astronomia, filosofia, religião, poesia, as artes e a retórica. Dizem que andava pelas ruas ensinando Aristóteles, Platão e Sócrates a quem quisesse ouvir. O fato de ser mulher e o fato de estar esclarecendo o povo incomodou os cristãos fanáticos, que a pegaram na rua, tiraram suas vestes, deixando-a nua, e a levaram para uma igreja, onde ela foi retalhada com conchas até a morte. Depois seu corpo e suas obras foram queimadas. Mesmo sabendo que era perigoso, Hipátia foi fiel a si mesma até o último momento.



Chaplin 
A minha ligação com Chaplin é mais que estética. É espiritual. Alguém que tinha as mesmas crenças que eu e o mesmo tipo de inimigo. E Chaplin ensinou ao mundo que havia poesia até mesmo nos momentos mais tristes... Indico um filme menos conhecido, mas genial, que demonstra bem o tipo de história que Chaplin contava: Luzes da ribalta, sobre um palhaço que salva uma bailarina do suicídio.






Lao Tse

Foi o criador do taoísmo e de uma filosofia que valorizava a mudança, muito antes de Pitágoras. Para entender sua importância, é importante lembrar que, para muitos filósofos, existia uma essência imutável e a mudança era apenas aparente. Ao valorizar a mudança, o taoísmo nos dá uma dica sobre como lidar com o mundo e com a nossa própria vida. Também foi uma antecipação do anarquismo, ao dizer que o melhor governo é o que menos governa. DuchampO homem que revolucionou a arte, invertendo a lógica. Antes dele, o artista era visto quase como um artesão, alguém que tinha uma habilidade manual e a usava para criar coisas belas. Duchamp mostrou que artista é o autor da ideia. Fazer arte é idealizar, é pensar sobre o mundo e até sobre a arte. A mudança de foco trazida por ele permite, por exemplo, que Alan Moore, um roteirista de quadrinhos, seja considerado um grande artista.



Danton 
De onde acham que tirei meu nome? Em 1989, comemorava-se os 200 anos da revolução francesa e as bancas foram inundadas de publicações sobre o assunto. Comprei tudo que pude. E fiquei fascinado com a figura de Danton, o único dos revolucionários que se levantou contra o terror revolucionário, mesmo sabendo que isso lhe custaria a cabeça. Como dizia Lobato: seja fiel a ti mesmo. Até o fim. Gian Lorenzo BerniniAntigamente eu assinava Jean Danton. Mas parecia estranho. Não era um bom nome. Então, um dia, folheando um livro na biblioteca, acabei me deparando com um texto sobre Bernini. Fascinante. Ele representou para o barroco o que Leonardo da Vinci representou para a renascença. Era arquiteto, escultor, pintor, cenógrafo. Suas imagens tinham a perfeição dos renascentistas, mas eram mais emocionais, o que era destacado pelo uso da luz. Gostei muito, tanto que peguei dele o nome.


O estudante chinês que parou um tanque


Ninguém sabe seu nome, mas ele fez história. Ficou na frente de um tanque que vinha para reprimir os estudantes em protesto na Praça da Paz Celestial, em Pequim. O motorista tinha permissão de atropelá-lo, mas não o fez, comovido com aquele gesto que muito me lembra Gandhi. Eu vi essa cena quando lia sobre Danton e a revolução francesa. A cena marcou minha adolescência. Se eu morasse na China, estaria ali. E também seria provavelmente morto quando o governo chinês resolveu usar a violência para acabar com o protesto que pedia liberdade e lutava contra a corrupção. Um gesto para ser seguido por todos aqueles que não compactuam com os canalhas e ditadores. Todos aqueles que são fiéis a si mesmos.

Metal Pesado - Imortalidade

Metal Pesado foi a versão nacional da famosa revista Heavy Metal (que, por outro lado, era a versão americana da Metal Hurlant).Publicada na década de 1990, a revista marcou época e mostrou que havia muita qualidade nos quadrinhos nacionais. Eu participei de três números. Um deles foi o número 3, com a história Imortalidade, com desenhos de Luciano Lagares. A ideia para a história havia partido do desenhista: um povo contaminado por uma estranha doença. O protagonista é um carteiro em seu primeiro dia de trabalho que descobre um mundo que nunca imaginou. Gosto particularmente da narrativa (embora o pessoal da editora tenha colocando algumas legendas como se fossem falas do personagem). 

Pequeno dicionário das expressões paraoras

Belém, como toda a Amazônia, é rica em tudo. Em bio-diversidade, em minérios, e até em expressões e lendas. O caso das expressões é particular porque eu acabei participando, direta ou indiretamente, da criação de algumas que se tornaram célebres. O que apresento a seguir é uma amostra de palavras e expressões relacionadas por mim e por Alan Noronha (algumas definições são dele). Tal dicionário pode ser útil, caso você tenha a temerária idéia de visitar Belém. Saber que égua não é xingamento pode ser tão útil quanto saber que, em Curitiba, salsicha é vina...
Égua - essa é, depois de deveras, a única palavra brasileira que pode ser usada em qualquer situação. Você pode usar égua para expressar dor, tristeza, alegria, admiração, espanto e até mesmo enfado. Se, por exemplo, passar pela sua frente uma morena jeitosa, você pode exclamar deliciado: “Égua!”. E não se preocupe que ela não vai achar que você está chamando-a de eqüina. Se, por outro lado, descer um disco voador no seu quintal, não pense duas vezes. Grite: “Égua!”.
Pai d´égua - é uma derivação do égua. Significa legal, bacana. Se um paraense gostar de você, vai dizer que é um cara pai d´égua. Sinta-se orgulhoso, pois você acaba de receber um grande elogio
 - é o primo pobre do égua. Também pode ser usado em qualquer situação, mas não tem autonomia para constituir uma frase. Geralmente é usado para dar ênfase à frase: “Mas quando, já?”; “Mas maninho, tu já bebe...”.
Mofino - entristecido, quieto. Geralmente boladas no saco, foras da namorada e ônibus que não param (muito comuns em Belém) deixam o indivíduo mofino.
Noiado - redução de paranóico que, com o tempo, ganhou outras significações. Usa-se para designar um indivíduo neurótico, problemático. Você, por exemplo, pode estar mofino porque é um indivíduo noiado. Mas a experiência tem demonstrado que, assim como chifre, nóia é coisa que botam na sua cabeça.
Rolar o mal - jogar sinuca. Diz a lenda que um metaleiro que jogava sinuca soltava a cada dois segundos: “Pô, cara, muito mal”. Assim que ele saiu, os outros começaram a usar a expressão, por sarro, até que a expressão acabou se aplicando ao próprio jogo. Esse é um termo que surgiu num grupo de amigos meus e acabou se alastrando assustadoramente pela cidade. Estar em mal significa estar em situação de sinuca. Em Belém você pode convidar um amigo para rolar o mal, ao que ele vai responder, indignado: “Eu não. Você só gosta de deixar a gente em mal”.
Ah se eu te pego, te requebro, na cabeça do meu prego - cantada sutil e malevolente. Deve ser empregada no tom de voz adequado.
Pariceiro - colega, amigo. Pejorativo muito usado pelas mães em referência aos amigos do filho.
Pano de bunda - trouxa, mala. Normalmente usado pelas mães que querem expulsar os filhos de casa. Exemplo: “Você só vive com esses seus pariceiros! Pega os seus panos de bunda e vai morar com eles!”.
Teba - grande. Geralmente usado para aquilo. Comum a expressão “Olha a teba!”, com gesto indicativo do tamanho da coisa em questão.
Miúdo - pequeno, de pouco valor.
Graúdo - grande. Certa vez fui assaltado e o e ladrão, depois de examinar minha carteira, perguntou enfurecido: “Cadê o dinheiro graúdo?”. Eu só tinha dinheiro miúdo...
Rolar o chocolate - fazer amor. Essa expressão surgiu depois que passou no cinema o filme Como Água para Chocolate e chegou a ter uma certa popularidade. Atualmente foi substituído por comparecer. Há também quem use conhecer, no sentido bíblico.
Tocar piano - é o que você faz quando está com uma garota, mas não pode rolar o chocolate. Foi inspirada no filme O Piano. Talvez por causa da origem nobre, não chegou a ter ampla repercussão, embora fosse a expressão predileta de alguns alunos meus. Provavelmente porque eles ainda não haviam chegado na idade de rolar o chocolate.
Hermético - fechado, difícil. Palavra recuperada do português formal, de uso corrente em alguns bairros.
Leso - doido, abobalhado. Se, por exemplo, você tem oportunidade de rolar o chocolate com uma gatíssima, mas acaba só tocando piano, então você corre o risco de ser chamado de leso.
Broca - comida. Comendo uma broca, você deixa de estar brocado.
Cachorro-quente - a expressão não é pitoresca, mas o que ela representa sim. Belém é, provavelmente, o único local do Brasil onde o cachorro-quente é feito com carne-moída (chamada de picadinho). Em cada esquina de Belém há uma banca de cachorro-quente e essa é, pasmem, a razão pela qual a McDonalds demorou tanto a se instalar na cidade...

Pink Floyd e uma linda homenagem ao dia das mães



Mais uma música do Pink Floyd raiz (antes da banda receber uma fortuna para mudar completamente suas músicas). Uma linda homenagem ao dia das mães, usada em lojas de todo mundo para promover a data. Uma música que certamente ajudou a movimentar o comércio nesse dia durante anos. Muitas lojas ganharam muito dinheiro vendendo panelas ao som de Mother. 

Titãs - Nome aos Bois

sábado, outubro 27, 2018

O início da Marvel



A Marvel sempre foi uma editora diferenciada. Na era de ouro, enquanto a DC faturava alto com heróis  certinhos como Superman, Flash, Mulher Maravilha e outros, a Marvel se destacava com anti-heróis como Namor, o príncipe submarino e o Tocha Humana. Enquanto na DC a linha que demarcava os heróis dos vilões era muito clara, na Marvel, era um limite tênue.
Na década de 1960, quando Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko renovaram a Marvel, transformando-a num sucesso absoluto, essas características foram ampliadas ao invés de atenuadas. Eram heróis estranhos, que poderiam se tornar vilões em determinado momento e até vilões que viravam heróis.
Essa característica é plenamente visível na graphic Origens – a década de 1960, da coleção Salvat. O volume reúne alguns das primeiras histórias de diversos herói da casa das ideias.
A primeira HQ, de origem do Quarteto Fantástico – o grupo que comandou a virada da Marvel – mostra todas essas características. A narrativa é genial. Ao invés de mostrar os heróis logo de cara, Lee joga com a curiosidade dos leitores ao mostrar um sinal dos céus, chamando o Quarteto. Então vemos uma mulher em uma loja se tornando invisível. Invisível, ela saí nas ruas, assustando a todos.
O mesmo ocorre com o Coisa e o Tocha Humana (mostrado nessa primeira HQ com um visual que não permitia ver seu rosto). Imagino a garotada da época, lendo e se perguntando: quem são essas pessoas?
Depois, quando se reúnem e um perigo é anunciado, a origem do grupo é contada em flash back. Red Ricards decide fazer um voo espacial sem autorização do governo para garantir a primazia dos EUA na corrida espacial. Bem Grinn se recusa devido aos riscos, mas aceita ao ser desafiado. Depois, quando se transformam, culpa Red Richards e tenta atacá-lo com uma árvore. Durante essa primeira história há diversos momentos assim, de conflito no conflito e conflito dos heróis com eles mesmos.
Na comparação com os amistosos encontros da sociedade da justiça, em que os membros se reuniam para confraternizar, comer e contar histórias divertidas, o Quarteto Fantástico deve ter sido uma revolução imensa. O quarteto parecia ser composto por pessoas reais. Uma curiosidade: o grupo nessa primeira história vivia em Central City. Nova York só surgiria depois.
É curioso também perceber como essa primeira história do Quarteto é só uma releitura das histórias de monstros da Marvel da década de 1950. Uma pequena mudança na narrativa fez com que as histórias chavões e passadas se tornassem revolucionárias. É como pegar um jogo de montar, modificar uma ou duas peças de lugar e no final conseguir um resultado completamente diferente.
Esse aspecto de pegar algo já padronizado, mudar um pouco e fazer algo revolucionário é igualmente percebida na hq seguinte, com a origem do Homem-formiga. Era só mais uma hq sobre cientista que desenvolve uma fórmula que o faz encolher e suas arguras num formigueiro, mas já havia ali a gênese do heroísmo Marvel – tanto que depois o personagem, que era para uma única HQ (no final, ele joga fora a fórmula) foi resgatado, se tornando um herói.
O volume permite entender, também, por que razão os X-men, um dos quadrinhos Marvel de maior sucesso de todos os tempos, não teve vendas baixas à época. Imagino que deve ter sido difícil para os jovens da década de 1960 se identificarem com heróis que viviam sob domínio de um professor autoritário. “Venham imediatamente! Atrasos serão punidos”, diz ele, em mais de um momento da história. A figura do professor Xavier seria suavizada na década de 1970 e, nas vezes em que ele tentava ser autoritário, isso gerava conflito com os alunos, o que certamente contribuiu para o sucesso da revista no final dos anos 1970.
É interessante notar como Jack Kirby era de fato o rei no início da Marvel. Das 10  histórias do volume, apenas três não são desenhadas por ele. Mais interessante ainda perceber como seu traço muda de acordo com o arte-finalista.

Saco de ossos


Saco de ossos, de Stephen King, é uma história trivial, mas contada com um domínio perfeito das técnicas narrativas.
A história é sobre uma viúva jovem e bonita em disputa com sogro milionário pela guarda da filha. Para isso, ela conta com a ajuda de um escritor de livros de sucesso.
Claro que se trata de uma história de Stephen King e não poderia faltar o elemento sobrenatural. No caso, são os espíritos que se comunicam, principalmente através de imãs de geladeira no formato de letras, com o escritor.
O que há de melhor em King não é necessariamente o terror, mas a forma como ele conta o cotidiano dos personagens. King chega a ser obsessivo nos detalhes, mas no final parecemos conhecer tão bem os personagens como se eles fossem amigos de infância.
O grande domínio narrativo se mostra principalmente através do suspense. Suspense é falta de informação, é algo que precisa ser revelado.
Em Saco de ossos, temos os seguintes elementos de suspense: A mãe vai perder a guarda da menina? Quem é o fantasma que assombra a casa do escritor? A mulher do escritor estava realmente grávida quando morreu? Ela tinha um amante?
Tentar a responder a essas perguntas é uma das razões para seguir em frente nas quase 400 páginas do livro. A outra, claro, é o texto delício de King.

A belíssima arte de Ivo Milazzo

Ivo Milazzo se tornou mundialmente famoso ao desenhar a história em quadrinhos Ken Parker, com roteiro de Giancarlo Berardi. Ken Parker se destacou ao trazer o humanismo para os quadrinhos de faroeste, com tramas que giravam principalmente em torno dos personagens do período, com uma visão impressionista. O desenho de Milazzo se encaixaram perfeitamente na proposta. Seu traço limpo, quase minimalista era absolutamente perfeito para as histórias diferenciadas do personagem. Nas artes das capas, Milazzo se destacava pelas belíssimas aquarelas. Confira o belíssimo trabalho desse artista.














sexta-feira, outubro 26, 2018

Álcool é droga!

O álcool é a porta de entrada para outras drogas. Quem diz isso é o presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), Carlos Salgado. Segudo o psicólogo, essa é a droga que mais afeta a juventude: "Quanto mais disponíveis estão as drogas, mais são utilizadas. Disponibilidade tem a ver com preço e aceitação social. O álcool e tabaco são drogas que, apesar de todas as resistências, têm elevada aceitação social. Por isso, acabam sendo muito usadas".
O álcool é também a droga que mais afeta a sociedade. É, por exemplo, a principal causa de violência doméstica. O consumo de álcool está associado também a acidentes de trânsito e homicídios.
O interessante aí é que a prefeitura pode interferir diretamente nesse quadro, fiscalizando os bares. Um estudo mostrou que fechar bares uma hora mais  cedo diminui em 16% a criminalidade.
A cidade de Diadema, em São Paulo, considerada a mais violenta do Brasil, diminuiu em 80% os homicídios com uma medida simples: impondo um horário de 23 horas para fechamento dos bares.  Os poucos bares que têm autorização para funcionar além desse horário deve cumprir uma rigorosa legislação, que inclui isolamento acústico, proibição de venda de bebidas para menores, etc.
Em Macapá não existe legislação limitando o funcionamento de bares, ou, se existe, ela não é respeitada. No dia da eleição, por exemplo, os bares funcionaram normalmente, mesmo com a Lei Seca. Moro ao lado de um bar e vejo que ele funciona até a hora em que o proprietário decide. Pior: vejo muitos pais trazerem seus filhos para o bar, inclusive bebês, que ficam no carrinho enquanto os pais enchem a cara. Em Macapá não há qualquer fiscalização, nem com relação ao horário e funcionamento, nem com relação à presença de crianças.
Pode até ser que os pais não consumam drogas pesadas, mas essas crianças, ensinadas desde cedo que é normal consumir substâncias químicas em grande quantidade, têm grande chance de se tornarem usuários de crack, cocaina e outras drogas.
É mais fácil evitar que os jovens entrem no mundo das drogas do que tirá-los delas.

quinta-feira, outubro 25, 2018

A hora do vampiro

Li A hora do vampiro, de Stephen King.
O livro é de 1975 e foi lançado na sequência de Carrie. Mostra um King em plena forma: na pequena cidade de Salem´s Lot, uma antiga mansão, na qual um homem se matou e matou a esposa, volta a ser ocupada. Desde o começo, o leitor advinha que os novos moradores são vampiros, mas na primeira metade da obra, o que mais interessa são os ótimos personagens (entre eles o protagonista, um escritor que volta para a cidade natal) e a ambientação. King cria uma cidade tão realista que, quando surge o terror,você fica pensando: Será que os heróis serão presos por homicídio após cravarem a estaca no coração do vampiro? Quem leu a história sobre vampiros escrita por Alan Moore para o Monstro do Pântano vai lembrar imediatamente dessa HQ ao ler A hora do vampiro. Moore nitidamente se inspirou em King ao estabalecer a ideia de uma cidade habitada por vampiros.
A hora do vampiro também é interessante por antecipar o King da escrita automática, solta, que veríamos em Saco de ossos, por exemplo.
A garotada que hoje curte Crepúsculo deveria ler King para saber o que realmente é trabalhar com vampiros.  
Como não poderia deixar de ser, A hora do vampiro virou filme e fez tanto sucesso que surgiram vários outros títulos semelhantes em português. Quando a Sampa resolveu fazer uma copilação de histórias minhas e do Bené, eles a chamaram de A hora do Crepúsculo