A Marvel sempre foi uma editora diferenciada.
Na era de ouro, enquanto a DC faturava alto com heróis certinhos como Superman, Flash, Mulher
Maravilha e outros, a Marvel se destacava com anti-heróis como Namor, o
príncipe submarino e o Tocha Humana. Enquanto na DC a linha que demarcava os
heróis dos vilões era muito clara, na Marvel, era um limite tênue.
Na década de 1960, quando Stan Lee, Jack Kirby
e Steve Ditko renovaram a Marvel, transformando-a num sucesso absoluto, essas
características foram ampliadas ao invés de atenuadas. Eram heróis estranhos,
que poderiam se tornar vilões em determinado momento e até vilões que viravam
heróis.
Essa característica é plenamente visível na
graphic Origens – a década de 1960, da coleção Salvat. O volume reúne alguns
das primeiras histórias de diversos herói da casa das ideias.
A primeira HQ, de origem do Quarteto Fantástico
– o grupo que comandou a virada da Marvel – mostra todas essas características.
A narrativa é genial. Ao invés de mostrar os heróis logo de cara, Lee joga com
a curiosidade dos leitores ao mostrar um sinal dos céus, chamando o Quarteto. Então
vemos uma mulher em uma loja se tornando invisível. Invisível, ela saí nas
ruas, assustando a todos.
O mesmo ocorre com o Coisa e o Tocha Humana
(mostrado nessa primeira HQ com um visual que não permitia ver seu rosto).
Imagino a garotada da época, lendo e se perguntando: quem são essas pessoas?
Depois, quando se reúnem e um perigo é
anunciado, a origem do grupo é contada em flash back. Red Ricards decide fazer
um voo espacial sem autorização do governo para garantir a primazia dos EUA na
corrida espacial. Bem Grinn se recusa devido aos riscos, mas aceita ao ser
desafiado. Depois, quando se transformam, culpa Red Richards e tenta atacá-lo
com uma árvore. Durante essa primeira história há diversos momentos assim, de
conflito no conflito e conflito dos heróis com eles mesmos.
Na comparação com os amistosos encontros da
sociedade da justiça, em que os membros se reuniam para confraternizar, comer e
contar histórias divertidas, o Quarteto Fantástico deve ter sido uma revolução
imensa. O quarteto parecia ser composto por pessoas reais. Uma curiosidade: o
grupo nessa primeira história vivia em Central City. Nova York só surgiria
depois.
É curioso também perceber como essa primeira
história do Quarteto é só uma releitura das histórias de monstros da Marvel da
década de 1950. Uma pequena mudança na narrativa fez com que as histórias
chavões e passadas se tornassem revolucionárias. É como pegar um jogo de
montar, modificar uma ou duas peças de lugar e no final conseguir um resultado
completamente diferente.
Esse aspecto de pegar algo já padronizado,
mudar um pouco e fazer algo revolucionário é igualmente percebida na hq
seguinte, com a origem do Homem-formiga. Era só mais uma hq sobre cientista que
desenvolve uma fórmula que o faz encolher e suas arguras num formigueiro, mas
já havia ali a gênese do heroísmo Marvel – tanto que depois o personagem, que
era para uma única HQ (no final, ele joga fora a fórmula) foi resgatado, se
tornando um herói.
O volume permite entender, também, por que razão
os X-men, um dos quadrinhos Marvel de maior sucesso de todos os tempos, não teve
vendas baixas à época. Imagino que deve ter sido difícil para os jovens da década
de 1960 se identificarem com heróis que viviam sob domínio de um professor
autoritário. “Venham imediatamente! Atrasos serão punidos”, diz ele, em mais de
um momento da história. A figura do professor Xavier seria suavizada na década
de 1970 e, nas vezes em que ele tentava ser autoritário, isso gerava conflito
com os alunos, o que certamente contribuiu para o sucesso da revista no final
dos anos 1970.
É interessante notar como Jack Kirby era de
fato o rei no início da Marvel. Das 10 histórias do volume, apenas três não são
desenhadas por ele. Mais interessante ainda perceber como seu traço muda de
acordo com o arte-finalista.
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