quinta-feira, agosto 21, 2025

O historiador


Eu fui o primeiro coordenador do primeiro curso de comunicação do Amapá, em uma faculdade particular. Como era a primeira do estado, recebia muitas visitas inusitadas, como gente que não tinha sequer graduação querendo lecionar no curso. Mas o caso mais bizarro foi de um boliviano que chegou com uma pasta repleta de papeis sujos.

Ele se apresentou com pesquisador de história brasileira e queria ministrar uma palestra para nossos alunos. Era um negócio imperdível: uma palestra totalmente gratuita lecionada por um boliviano que havia descoberto fatos surpreendentes e totalmente inéditos sobre a história do Brasil!

Pedi para ver os papéis que ele trazia na pasta e era um amontoado de textos, sem citações, referências, nada. Parecia ser algo escrito por alguém que nunca tinha ouvido falar da ABNT. Ele me apresentou um diploma de graduação que achei muito suspeito e alguns papéis que deveriam comprovar que ele tinha mestrado e doutorado, mas não eram diplomas.

Perguntei qual era o órgão que financiava as pesquisas dele.

- Não recebo bolsa de nenhum órgão. Sou um pesquisador independente! – respondeu ele, com orgulho.

Indaguei quais eram essas novidades extraordinárias que ele havia descoberto e ele me deu uma prévia, empolgado. Na palestra, ele contaria, por exemplo, a origem da palavra Brasil que, pasmem, tinha relação com uma madeira que existia em nossas terras da qual era extraído um corante.

Olhei para ele, esperando uma risada que comprovasse que se tratava de uma pilhéria. Esse é o tipo de informação que eu havia tido nos primeiros anos de estudo, quando ainda era criança. Mas ele permanecia sério, esperando por aplausos como se tivesse dito uma grande novidade.

Ele tinha uma outra pasta, repleta de recortes de palestras que havia ministrado em faculdades particulares em cidades pequenas.

No final, eu o dispensei argumentando que precisava antes pedir a autorização do diretor e que o diretor estava viajando etc... mas fiquei me perguntando o que ele ganharia com essa palestra. Deveria haver algum golpe por trás disso.

Só fui entender tudo algum tempo depois quando descobri que ele de fato havia conseguido ministrar a tal palestra em uma outra faculdade local.

O golpe era o seguinte: ele ministrava a palestra, conseguia uma matéria de jornal e depois se apresentava nas escolas particulares se dizendo professor daquela faculdade e cobrando pela tal palestra um valor altíssimo.

Em Macapá mais de uma dezena de escolas haviam caído nesse golpe. A pessoa que me contou, dono de uma escola particular, chegou a comentar: “Eu não entendi como a faculdade tal poderia contratar alguém tão desqualificado. A palestra dele não fazia sentido nenhum!”.

Claro que era um golpe que tinha um prazo de validade (em algum momento os donos das escolas descobriam que ele não era professor universitário), o que o obrigava a ficar se mudando de cidade de tempos em tempos.

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