domingo, março 31, 2019

Distopias hipodérmicas em Literatura Lado B

Literatura Lado B foi uma antologia organizada por Denize Lazarin e Rodolfo Londero e publicado pela Editora da Unicentro com textos sobre ficção científica, terror, fantasia e quadrinhos.
O título refere-se ao fato desse tipo de literatura ter pouca visibilidade nos estudos acadêmicos. Geralmente o lado B é o que trazia as músicas menos conhecidos dos discos. Da mesma forma, são poucos os estudos sobre literatura de gênero no Brasil

Eu colaborei com o artigo “As distopias hipodérmicas”, sobre a como a teoria hipodérmica da mídia influenciou algumas das principais distopias do século XX: Admirável Mundo Novo, 1984 e Fahrenheit 451Clique aquipara baixar o livro. 

Maria atrás das grades


No início da década de 1970, auge da ditadura militar, a vida não era nada fácil para quem fazia quadrinhos eróticos (ênfase no erótico, em que as situações só poderiam ser insinuadas). Os militares consideravam que o erotismo era uma forma do comunismo internacional destruir a família brasileira.
Na época, um dos maiores sucessos era Maria Erótica, criação de Cláudio Seto e publicada pela editora Edrel. Apesar de ser assediada por todos os homens, Maria era virgem - a ênfase das histórias, com forte influência do mangá, era exatamente o fato do ato consumar (na época Maria nem sequer ficava realmente nua).
A Liga das Mulheres Católicas achou que Maria era comunista (afinal, apesar de ser virgem, ela deixava os homens doidos por ela) e a denunciou aos militares.
Os militares invadiram a editora, em busca do autor, Cláudio Seto, mas este morava no interior de São Paulo e só ia à capital para entregar os originais. Sem poder prender o autor e dar uma satisfação às mulheres católicas, os militares resolverem por uma situação surreal: levaram a própria Maria Erótica presa! Os originais da história foram confiscados e levados para a sede da polícia. 
Maria, presa, coitada, só queria amar.

História retirada do meu livro Grafipar, a editora que saiu do Eixo. 

Kid Miracleman e a pós-verdade

Para alguns, Kid Miracleman era um herói. 
Uma das passagens mais marcantes da série Miracleman, de Alan Moore é quando o Kid Miracleman, seu parceiro mirim, sai do controle. Enlouquecido pelo poder, ele destrói Londres e mata milhares de pessoas. Não só mata. Ele tortura, amputa, decepa. A dor torna-se uma forma dele afirmar seu poder. Muitos dos heróis da história morrem para deter ao massacre.
Os quadrinhos mostravam pessoas mortas e torturadas. 

O curioso é que, logo após esses eventos, surge um grupo que idolatra o Kid Miracleman. Para eles, ele era o verdadeiro herói e os crimes associados a ele pela mídia eram apenas invenções. Nem mesmo as milhares de fotos, vídeos e relatos de sobreviventes eram capazes de convencer esse grupo de que o Kid Miracleman era um vilão.
A história é uma metáfora do Moore para pessoas que se recusam a acreditar nas evidências, preferindo acreditar que a mídia, os relatos, os historiadores, as fotos são falsos e que suas convicções são verdadeiras.

Para o grupo que idolatra Kid Miracleman, o massacre é uma invenção da mídia.


Explicando melhor: eu não fui preso em um campo de concentração, não fui perseguido pelos nazistas. Mas eu sei que tudo isso aconteceu porque leio relatos de sobreviventes, vejo fotos, leio livros de historiadores e matérias da mídia especializada.
Eu não precisava estar lá presente para saber que esses fatos aconteceram. Há muitas evidências.
Entretanto, há um grupo que quando vê matérias sobre nazismo diz que relatos de sobreviventes são falsos, que a mídia e historiadores estão mentindo etc.
Os adoradores de Kid Miracleman são uma metáfora do Moore para esse tipo de situação, cada vez mais comum em que as convicções pessoais são mais relevantes que os fatos, o depoimento de sobreviventes, as matérias jornalísticas, os livros de historiadores etc.
Ou, trazendo para um exemplo mais brasileiro, a pessoa que prefere acreditar que a matéria jornalística (de um jornal que pode ser processado - e deve - se publicar uma notícia falsa) não tem credibilidade nenhuma, mas que um texto anônimo de zap zap, que ninguém sabe quem escreveu (e, portanto, quem escreveu não tem nada a perder) é a verdade absoluta - isso quando a pessoa não assina com o nome de uma pessoa famosa (como aconteceu recentemente com o Padre Fábio de Melo) para dar credibilidade ao texto e fazer essa pessoa ser processada pelas informações erradas, calúnias etc.
Moore como sempre antecipando e discutindo situações extramente atuais.

O cair da Noite

O cair da noite é um conto de Isaac Asimmov, conto publicado pela primeira vez em 1941
O texto narra a história do planeta Lagash, iluminado por seis sóis, e que nunca conheceu a noite. 
Mas, de tempos em tempos, o planeta acaba sofrendo com um eclipse. O que para nós, acostumados com a noite, é algo normal, para um povo que nunca viu a escuridão, pode ser o equivalente ao fim do mundo. 
O conto é um dos mais famosos de Asimov e não sem razão. O autor usa a situação de um povo que nunca conheceu a noite para fazer uma investigação antropológica. Um dos maiores problemas da FC é justamente o fato de que a maioria dos autores imagina mundos muito parecidos com a terra quando retratam outros planetas. Asimov mostra que uma única mudança pode ter grandes consequências na psicologia e na forma de vida de um povo. 
O conto também é interessante por mostrar como funcionam os processos científicos (nesse sentido, Asimov não faz concessões: a ciência de Lagash segue os mesmos princípios científicos que conhecemos, de elaboração de hipóteses, observação e registro de dados empíricos) e principalmente por abordar a questão da intolerância religiosa e cegueira anti-ciência e anti-intelectual. 
Na história, um grupo de cientistas pretende registrar o eclipse antes que o mundo acabe, deixando informações para os sobreviventes que serão os habitantes do próximo ciclo.  Um grupo religioso considera isso uma heresia e fará de tudo para impedir o registro. 
A posição de Asimov contra a intolerância religiosa é clara. Nesse sentido, O cair da noite é uma metáfora para os malefícios da fé cega, que nega a racionalidade. 

Um Quarteto clássico


Quem hoje em dia vê o Quarteto Fantástico naufragar no cinema filme após filme dificilmente poderia imaginar que esse pequeno grupo de super-heróis foi durante muito tempo o que havia de mais interessante e revolucionário nos quadrinhos americanos de super-heróis. A coleção histórica Marvel, recentemente lançada pelo Panini, serve como exemplo disso.
O Quarteto surgiu em 1961, graças a uma partida de golfe. Martin Goodman, dono da Marvel (que na época chamava-se Atlas) jogava com Jack Liebowitz, dono da National (atual DC Comics) e Liebowtiz se vangloriou que a revista da Liga da Justiça, lançada recentemente, estava se tornando um sucesso absoluto entre os jovens leitores.
Goodman correu para a Marvel e pediu para seu editor-chefe, Stan Lee, que criasse um grupo de heróis aos moldes a Liga: unindo heróis da Era de Ouro.
Lee, à essa altura, estava pensando em abandonar os quadrinhos e se dedicar à literatura. Queria propor algo diferente, mas achava que o chefe não iria aceitar. Foi sua esposa que o encorajou a apresentar a nova ideia. Afinal, o máximo que poderia acontecer seria ele ser demitido, algo que ele já queria.
A ideia de Lee era um grupo totalmente diferente de heróis, humanizados, com histórias dotadas de cronologia e que nem mesmo usavam uniformes ou máscaras (posteriormente eles usariam um informe azul, mas sem máscaras). Surpreendentemente, o dono da Atlas aceitou e assim surgiu o Quarteto Fantástico.
 Além da continuidade, dos heróis bidimensionais (em oposição aos heróis unidimensionais da DC da época), Stan Lee e Jack Kirby criaram uma série de tirar o fôlego, em que a ação acontecia de maneira ininterrupta e ganchos e mais ganchos seguravam o leitor e o deixavam se fôlego.
Provavelmente o melhor exemplo disso seja o volume dois da coleção histórica, dedicado aos confronto do Quarteto com Galactus. Dizem que a sinopse, escrita por Stan Lee para a história foi: “O Quarteto enfrenta Deus!”. E de fato era um deus, um ser tão poderoso que se alimentava de planetas. Essa história elevou o nível dos vilões. Se antes eles queriam roubar um banco, ou dominar um país, esse singrava as estrelas e tinha tanta consideração pela humanidade quanto um ser humano tinha por uma formiga.
O volume apresenta histórias de duas fases, ambas escritas por Lee, mas com dois desenhistas diferentes. Na primeira fase, Jack Kirby imprime seu traço simples, mas potente, de ação pura. Na segunda fase, John Buscema imprime elegância aos desenhos e dá o visual que seria definitivo do Surfista Prateado, que havia sido colocado na primeira história como um simples coadjuvante, que deveria desaparecer depois. Dizem que Stan Lee viu o desenho e viu ali um ser nobre, um profeta ou filósofo das estrelas, mas essa nobreza só foi alcançada no traço de Buscema em um trabalho tão fantástico que deu origem à revista do personagem, de vida curta, mas que virou cult entre os leitores.    

Azazel: cuidado com o que deseja



Azazel é uma coletânea de contos de fantasia de Isaac Asimov sobre um homem que encontra um demônio ancestral e o usa para resolver situações. Para quem está acostumado com o Asimov escritor de ficção científica, essa coletânea irá surpreender. O autor mostra que sabe lidar com o humor como poucos.
Todas as histórias são narradas por George Bimnut, um falastrão metido a esperto, que as conta diretamente para Asimov, enquanto se aproveita do escritor, fazendo-o pagar a conta do almoço.
Há uma estrutura básica nos contos: George percebe uma situação em que algo precisa ser resolvido e faz uso do demônio, que resolve a situação a seu jeito – com resultados sempre catastróficos.
A obra pode ser resumida a um lema, que resume perfeitamente seu conteúdo: cuidado com o que deseja. Seu desejo pode sair do controle.

sábado, março 30, 2019

E você de que lado está?

Não seja professor




Não seja professor. Esse é o conselho que 60% dos atuais professores dão às gerações atuais.
Isso reflete diretamente a falta de valorização da categoria. Professores enfrentam turmas lotadas, baixos salários, nenhuma valorização profissional, levam muito trabalho para casa (planos de aula, correção de provas, preenchimento de diários), mas, segundo o atual Ministro da Educação, trabalham pouco (o Ministro quer turmas com média de 60 alunos).
As escolas estão igualmente sucateadas. Na maioria faltam itens básicos, como água no banheiro, sabão ou papel higiênico. Em muitos locais os professores precisam comprar do próprio bolso até mesmo giz. Aliás, é raro o professor que nunca tirou do próprio bolso para comprar material usado em sala de aula.
Uma pesquisa recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aliás, mostrou que os professores brasileiros têm um dos menores salários do mundo. Um professor brasileiro ganha algo em torno de 10 mil dólares por ano. A média dos outros paíse é 25 mil dólares. Em Luxemburgo esse valor salta para 66 mil dólares.
Os salários no Brasil são tão baixos que muitos estão tendo que fazer bicos. Vários professores, por exemplo, estão se tornando motoristas de aplicativos. Mesmo a atividade sendo exercida nas horas vagas, gera mais dinheiro que a docência.  
Unido a isso há uma total falta de reconhecimento. Já uma pesquisa da Varkey Foundation mostrou que, de 35 nações avaliadas, o Brasil é o país que menos valoriza os professores.
Recentemente uma deputada foi eleita em Santa Catarina com um discurso totalmente anti-professores. Explica-se: ela era aluna de mestrado e sua dissertação foi reprovada pela banca. Vejam a inversão de valores: para ela, a culpa não foi dela, mas da professora (a culpa pela reprovação nunca é do aluno). E esse discurso convenceu milhões de pessoas, a ponto dela ter sido uma das deputadas mais votadas daquele estado. Seu primeiro ato como deputada eleita foi abrir um canal de denúncias contra professores. A quantidade de pessoas que votou nela espelha a realidade de anos em anos de intensa propaganda segundo a qual os professores são os maiores responsáveis por todos os problemas do Brasil. 
Alie-se a isso à violência. O recente massacre em Suzano mostrou que as escolas são alvos preferenciais dos assassinos seriais (depois do massacre, a polícia já descobriu diversos outros planos para ataques em escolas – reflexo direto de anos de campanha contra os docentes).
Não é à toa que a profissão de professor é que a mais apresenta problemas mentais, em especial stress.
Se a situação já não fosse precária o suficiente, agora temos a reforma da previdência, que vai aumentar em média mais de 10 anos a idade mínima para que os professores se aposentem. Isso para quem começou muito cedo, com 20 anos, por exemplo, ou menos. Para a maioria, será praticamente impossível aposentar antes dos 65 anos. Com uma rotina massacrante de sala de aula, que professor conseguirá continuar trabalhando até essa idade? A aposentadoria diferenciada era uma dos poucos aspectos positivos da docência. Agora até esse será tirado.
Então, fica o conselho: se você pensa em ser professor, esqueça. Não seja professor. Procure profissões mais valorizadas.   

A incrível arte fantástica de Moebius

Moebius revolucionou a ficção científica nos quadrinhos com suas imagens lisérgicas e histórias surreais em revistas como a Metal Hurlant. Confira abaixo alguns do desenho do mestre.














Paulo Coelho descreve tortura sofrida durante regime militar.

Jamil Chade
29/03/2019 23h54

GENEBRA – "Vocês acham que eu tenho medo de choque? Vocês acham que tenho medo de dor? Pois não se preocupem – eu vou torturar a mim mesmo". O trecho faz parte do livro Hippie. Mas a frase e a cena ocorreram de fato com seu autor, Paulo Coelho.
Na iminência de ser torturado por agentes brasileiros, o escritor conta em seu livro como reagiu ao ver que seria alvo de choques elétricos. Com as unhas, arrancava de si mesmo pele e sangue.
Paulo Coelho, nesta semana, voltou a falar sobre seu caso, num artigo escrito para o Washington Post e mandou seu recado ao governo brasileiro. "São essas décadas de chumbo que o Presidente – depois de mencionar no Congresso um dos piores torturadores como seu ídolo – quer festejar nesse dia 31 de março", alertou.
Segundo ele, em 28 de maio de 1974, um grupo de homens armados invade seu apartamento. "Começam a revirar gavetas e armários – não sei o que estão procurando, sou apenas um compositor de rock", diz. "Um deles, mais gentil, pede que os acompanhe "apenas para esclarecer algumas coisas". O vizinho vê tudo aquilo e avisa minha família, que entra em desespero. Todo mundo sabia o que o Brasil vivia naquele momento, mesmo que nada fosse publicado nos jornais", escreveu. Leia mais

Lendas - o samba do Byrne doido




Lendas foi o primeiro crossover da DC após Crise nas infinitas Terras. Criado a partir de uma ideia de John Ostrander, teve como principal roteirista Len Wein e a maior parte dos desenhos por conta de John Byrne (que também fez as capas).
Aqui foi lançada pela editora Abril em uma minissérie de seis capítulos, em 1988.
Se Crise era uma obra coesa, em que roteiro e desenho se casavam à perfeição para compor uma obra que vai num crescendo até seu final apoteótico, Lendas parece um bolo que desandou porque todo mundo botou a mão.
Para começar, a própria premissa não nada é original: Darkside resolve acabar com os heróis (as Lendas) introduzindo um personagem que controla mentes e faz a população ficar contra os heróis. Quem leu os quadrinhos da Marvel na década de 1970 sabe que essa premissa foi usada em mais de uma história. Além disso, o personagem que faz isso é muito mal construído. Gordon Godfrey é um político? Um estudioso? Um jornalista? Ele surge do nada na história, concedendo uma entrevista televisiva. Não há nenhuma explicação de porque ele está sendo entrevistado e não temos nenhuma explicação de nada durante a série: Godfrey não tem existência como personagem, é apenas um roteirismo, alguém necessário para que a trama ande.
E, bem, a trama não anda. Há muitas idas e voltas, mas pouco desenvolvimento. A ida do Superman para Apokolips, por exemplo, é totalmente desnecessária e não contribuiu em nada para o enredo (tanto que no final dessa subtrama o herói perde a memória do que aconteceu).
O desenho de Byrne ajuda a dar um charme para a série, especialmente quando o roteiro está a cargo de Len Wein, que tenta salvar a história como pode. Mas Byrne encontra tempo até mesmo para dar uma alfinetada em seu antigo-chefe, Jim Shoter, colocando-o como vilão em uma sequência totalmente desnecessária. Como àquela altura ele era um astro dos comics, parece que ninguém teve coragem de dizer que aquelas quatro páginas não encaixavam na trama.
Um dos piores capítulos é o segundo, escrito por John Ostrander e desenhado por Joe Brozowski, focado inteiramente em Nuclear, em que a subtrama se resolve com... tortas na cara. Não, não é brincadeira. A trama se resolve com tortas na cara.
Lendas foi um verdadeiro samba do Byrne doido.

sexta-feira, março 29, 2019

Ensina-me a viver



Há certos filmes que nos deixam uma sensação de paz de espírito, de êxtase estético indescritível. Um deles é ENSINA-ME A VIVER, de Hal Ashby (1971).
Em ENSINA-ME A VIVER,  Harold é um rapaz obcecado pela morte conhece uma velhinha que o convence a ver a viver a vida.
As cenas iniciais, em que Harold simula a sua própria morte, são uma atração à parte. Em uma delas ele se enforca, em outra ele corta os pulsos na banheira, em outra ele morre afogado na piscina, sempre sob o olhar indiferente da mãe. A relação da mãe é totalmente desprovida de carinho, mas cheia de autoritarismo. Emblemática a cena em que ela resolve achar uma namorada para o filho e, na hora de preencher a ficha, ela mesma preenche, enquanto Harold dá um tiro na boca.
Então Harold conhece uma velinha de 79 anos em um velório. Com muito cuidado, ela consegue cativá-lo. A personagem é ótima. Maud rouba carros para passear e depois os abandona. Quando Harold pergunta por que ela faz isso, ela diz que é para lembrar às pessoas que as coisas materiais não duram para sempre e que, portanto, não devemos nos apegar a elas. Maud diz que devemos ter uma emoção nova a cada dia. Em outra cena, eles estão em um cemitério. Ela mostra uma flor diz que o grande problema do mundo é que as pessoas são como flores, mas se deixam tratar como túmulos. E a seqüência mostra as milhares de lápides, todas iguais e todas perfiladas como soldados ou operários.
De certa forma, Maud introduz na vida de Harold um olhar filosófico, de encantamento com o mundo, um olhar de criança que vê tudo e se encanta com tudo. O curioso é que ela, uma pessoa já no fim da vida, parece mais jovem que o rapaz, demonstrando bem o adágio que a idade está não no corpo, mas na cabeça.
Como o leitor deve estar advinhando, o rapaz acaba se apaixonando por ela e resolve se casar. A reação da sociedade é expressa na forma da opinião de um padre, um militar e um psicólogo. As cenas são com câmera parada, pegando os personagens de frente, sempre na mesma mesa, para ressaltar a semelhança entre eles. Só o que muda é o quadro de fundo. Na cena do militar, aparece Nixon. Na cena do psicólogo, Freud. Na cena do padre, o Papa. O psicólogo diz, por exemplo, que compreenderia que Harold tivesse desejo pela mãe, mas pela avó? A cena caracteriza bem os aparelhos repressores de Althusser que, nas visão marxista limitada, achava que eram só do estado e que tinham como único objetivo impedir uma revolução socialista. Aliás, se o filme se passasse em um país socialista, a figura de um político com a foto de Marx ao fundo seria inevitável...
Curiosamente, mesmo os jovens hippies não foram capazes de entender a ideia do filme, que foi um fracasso na época e só se tornou cult com o tempo.

O orgulho da ignorância

Sócrates dizia que era o homem mais sábio da Grécia justamente porque ele era o único que sabia que não sabia. Esse conhecimento de sua própria ignorância sempre foi o que impulsionou os grandes pensadores. Mas hoje vivemos tempos estranhos, em que não saber algo, ou saber de forma superficial, é considerado um mérito.
Hoje, alguém que viu um meme na internet ou um vídeo de cinco minutos se considera uma autoridade no assunto. Mais: considera-se uma autoridade mais competente do que quem passou a vida estudando aquele assunto, escreveu livros, artigos etc.
Um exemplo: em uma discussão sobre educação, um indivíduo defendia que a solução para a educação no Brasil era apenas mudar a "grade" curricular. Feito isso, tudo se resolvia por mágica. Segundo a pessoa, era preciso esquecer ignorar todos os pensadores da educação e se focar apenas nisso: mudar a "grade". Não sabia exatamente que tipo de mudança, mas sabia que a solução para tudo estava na mudança da "grade". Onde ele aprendera isso? Num meme.
Outro exemplo é a questão dos que defendem que o nazismo era comunista. Leandro Karnall, doutro em história e um dos mais importantes historiadores brasileiros, diz que em décadas participando de congressos internacionais, nunca ouviu falar disso. Mas, segundo os defensores do nazismo-comunista, Leandro Karnall é suspeito para falar justamente por ser um historiador.
Eu já escrevi um livro sobre o nazismo e, durante a pesquisa em vários outros livros e sites sérios na época não encontrei nenhuma referência a isso de nazismo-comunista. Mas, segundo alguns comentadores de internet eu sou suspeito para falar sobre assunto justamente por ter escrito um livro sobre o nazismo. Ou seja: o fato de eu ter pesquisado o suficiente para escrever um livro, faz com que eu tenha menos autoridade para falar sobre o assunto do que uma pessoa que viu um meme com uma imagem de uma moeda com a suástica e a foice e o martelo (uma imagem que ninguém sabe dizer a fonte) ou viu um vídeo de dois minutos.
Por outro lado, os tais "especialistas de meme" são incapazes de explicar, por exemplo, por que os nazistas usavam um símbolo budista sem serem budistas.
Essas são pessoas que fazem campanha contra a mídia e contra os livros. Nos comentários das páginas de jornais é comum encontrar postagens com telefones para cancelar a assinatura. Em postagens sobre livros, os comentários argumentam que livros são mentirosos.
Para essa geração, orgulhosa de sua própria ignorância, a verdade está lá fora: no zap zap.
Tristes tempos em que ser ignorante virou motivo de orgulho.

Marketing: ponto de venda no shopping

Os locais tradicionais para abrir um ponto de venda são: shoppings, centro da cidade, bairros e de localização individual. Antes de escolher entre um desses ambientes, é necessário conhecer bem seu próprio negócio. Feito isso, é bom conhecer também um pouco de cada um dos pontos levados em consideração.
Os shoppings centers são ambientes, tanto fechados como abertos, que tendem a simular uma cidade. Na realidade, é uma microcidade. O seu maior diferencial é que reúne diversas atrações que convidam o público a frequentá-lo, mas o aluguel é caro. Compensará se o tipo de produto oferecido for destinado a esse consumidor exclusivista. É necessário, mesmo estando dentro de um shopping, analisar os concorrentes próximos visto que, teoricamente, todos os transeuntes estão propensos a comprar algo. Assim, a boa apresentação do PDV é indispensável para chamar a atenção do possível cliente.
Nos centros urbanos é um pouco diferente. Mesmo havendo a concorrência direta de outros pontos, há vários ruídos que podem atrapalhar um PDV. Placas, sons, pessoas entregando panfletos, tudo isso influencia no comportamento do possível cliente. Esses, quando procuram lojas no centro, geralmente são consumidores que buscam praticidade e rapidez, pois fazem suas compras nos intervalos do trabalho. O centro é caracterizado também pela predominância de pessoas de média a baixa renda. Os melhores locais no centro são os próximos das paradas de ônibus e de estacionamentos particulares.
Nos bairros, os consumidores procuram lazer e têm mais tempo para a escolha. Os melhores locais, portanto, são aqueles que contam com variedade no transporte coletivo.

Já a localização individual possui aluguéis mais baratos, porém é necessário um elevado investimento em publicidade para atrair os consumidores. A localização individual é preferível para as lojas especializadas. É o caso das pet shops, dos sex shops e das lojas para surfistas. São estabelecimentos que o consumidor já procura com o produto em mente. 

Poesia de Platão


Gregos e romanos produziram boas poesias e até Platão, que mais tarde escreveria contra a poesia, chegou a arriscar uns versos para tentar conquistar um rapaz. Abaixo a poesia de Platão e outra de Petrônio:

POESIA DE PLATÃO
Envio-te uma maçã com estas palavras:
Recebe-a, se concordares em amar-me
E dá-me em troca tua virgindade.
Mas se és contrário ao meu desejo,
Aceita-a da mesma forma
E pensa em como é efêmera a beleza.

POESIA DE PETRÔNIO
Mas antes, antes, num feriado interminável
Fiquemos a beijar-nos sobre o leito!
Não haverá cansaço nem rubor;
Isso nos agradou, agrada e agradará;
Isso jamais termina, é um começar sem fim. 

quinta-feira, março 28, 2019

A ABNT e o professor que ensinava os alunos a fazerem parafusos




Uma ex-aluna de pós-graduação atualmente é professora de metodologia científica (ótima professora, por sinal) e sempre que surge uma dúvida, ela vem me procurar. Certa vez ela me contou que na faculdade em que ele trabalhava havia um professor de ética que dizia aos alunos que tudo que ela ensinava para eles estava errado. “A ABNT mudou completamente. Agora não é nada mais disso”. E ensinava para os alunos o que ele achava ser o jeito certo.
Aconselhei-a a perguntar qual tinha sido a NBR que mudou. Explico: ABNT significa Associação Brasileira de Normas Técnicas. O que muda não é a ABNT, o que muda são as normas, as NBR.
Pois bem, ao ser indagado que NBR tinha mudado, o professor gaguejou e finalmente respondeu: a NBR 36.
Essa minha amiga não sabia o que era a NBR 36, e nem eu, então entramos no site da ABNT (http://www.abntdigital.com.br) para descobrir que tipo de norma era essa. Para nossa surpresa, a NBR 36 existe, é de 1981, não é mudada desde aquela época e fala sobre... PARAFUSOS E PORCAS.
Ou seja, o tal professor estava ensinando os alunos a fazerem trabalhos universitários baseado em uma NBR sobre parafusos e porcas. Desculpem, mas não posso deixar de pensar que esse professor tem algum tipo de problema: ou é no parafuso ou é na porca...
Meninos, quando alguém aparecer dizendo que a ABNT mudou completamente, pergunte qual NBR mudou, quando e o que mudou. Se o professor não souber dizer, pode ter certeza de que ele não entende nada do assunto. A ABNT tem centenas de normas e às vezes muda a norma de papel higiênico e muita gente sai por aí dizendo que as normas para fazer trabalhos científicos mudou. Qualquer dúvida, consulte o site da ABNT.

Livros do amanhã



Quando eu tinha uns 12 anos ainda se usava encerar a casa e depois espalhar um monte de jornais pelo chão.  Eu nunca entendi direito porque era necessário fazer isso, mas o fato é que se fazia... e eu era encarregado de encerar, lustrar e espalhar os jornais. Numa dessas ocasiões vi algo que me interessou num dos jornais espalhados pelo chão e já meio sujos de cera vermelha. Era uma artigo sobre histórias em quadrinhos, mais especificamente sobre O Fantasma. Fiquei lá acocorado, lendo e relendo a matéria. Não tinha a noção de que os gibis, tão desprezados, pudessem ser assunto de um artigo em jornal, quanto mais de um livro. Para mim foi algo revelador. Tempos depois eu assumi aquela mesma coluna no jornal.
A descoberta de que se podia escrever de forma séria sobre HQ foi fundamental para que eu procurasse livros sobre o assunto. A relação abaixo é um relato de uma busca que se iniciou naquele dia, acocorado sobre o chão encerado de vermelho e apresenta não todos os livros sobre o assunto, ou os mais importantes, mas os que mais me marcaram.

A primeira obra que li sobre o assunto foi O que é história em quadrinhos, de Sônia Luyten, da coleção Primeiros Passos (Brasiliense), emprestado da Biblioteca Pública.  Para um livro sobre quadrinhos, era muito mal ilustrado, mas mesmo assim foi através dele que conheci alguns clássicos das HQs, como Litle Nemo, Tarzan  e Pogo. Além disso, o texto  fluido da Sônia ajudava muito. É o primeiro livro que indico para quem quer está começando a pesquisar sobre o tema.
Já na faculdade, descobri, também na Biblioteca, Shazan! (Perspectiva), uma coletânea organizada por Álvaro de Moya. Esse livro reúne artigos na maior parte do grupo que organizou a Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos (em 1951), além de Jô Soares e Naumim Aizen, filho de Adolfo Aizen, dono da editora Ebal, a maior da época.
É um volume pesado, de mais 300 páginas, mas com linguagem gostosa e repleto de ilustrações. Os temas abordados vão da pedagogia à política. Destaque para o artigo “Era uma vez um menino amarelo”, de Álvaro de Moya, que serve de introdução ao volume, e “Os dilemas do Fantasma e do Capitão América”, de Jô Soares, em que ele analisa a situação do Fantasma numa época em que a África lutava contra o colonialismo e do Capitão América numa época em que os EUA perdiam a guerra do Vietnã. Um texto curto e divertido, mas que faz profunda análise sociológica dos super-heróis.

Enfim, Shazan! É livro para ler diversas vezes, a cada vez com um enfoque diferente.
Um dia, quando visita Belém, um amigo me emprestou As incríveis aventuras de Kavalier e Clay (Record), de Michael Chabon.
Chabon pesquisou a história da origem dos quadrinhos para fazer não um livro documental, mas um romance, e acabou construindo um amplo relato dos heróis que levantaram a indústria dos comics, muitas vezes sem ter qualquer retorno, mesmo financeiro, por isso.
Kavalier e Clay são dois jovens judeus fanáticos por ficção científica que se juntam para criar um personagem para aproveitar a onda de sucesso do Super-homem. Criam então o Escapista, um herói capaz de escapar de qualquer situação, da mesma forma que Kavalier havia escapado da Europa sob dominação nazista.
O que é fascinante em Chabon é como ele monta sua trama, mostrando como os acontecimentos particulares e sociais interferem na produção e, portanto, fazem com que o Escapista seja uma obra autoral, mesmo estando dentro de uma indústria.
É natural, por exemplo, que os vilões das primeiras histórias sejam nazistas. Quando Kavalier conhece uma garota e se apaixona, o romance é introduzido na história. Quando os dois primos vão assistir ao filme Cidadão Kane, a HQ ganha ares de experimentação e proximidade da linguagem do cinema.
Kavalier e Clay são a personificação de figuras reais, que fizeram a história em quadrinhos: Jack Kirby, o criador do capitão América, Jerry Siegel e Joe Shuster, criadores do Superman, e Will Eisner, criador do Spirit. Chabon uniu suas histórias em uma só trama.
Além disso, o romance tem uma estrutura espiralada que obriga o leitor a ficar atento. A história começa lá no futuro e volta para o passado remoto, depois vai retornando ao futuro, para depois retroceder de novo.
Ao contrário do que muitos esperariam de um romance baseado em quadrinhos, As Incríveis aventuras de Kavalier e Clay é um livro denso e profundo, que prima pela contextualização histórica e análise psicológica de seus personagens, mostrando toda a complexidade por trás dos comics de super-heróis. Sua qualidade é atestada pelo prêmio Pulitzer de 2001 na categoria de melhor romance.  
Para entender melhor o livro de Chabon, vale ter na estante Homens do Amanhã (Conrad), de Gerard Jones. Jones é roteirista de quadrinhos, tendo escrito, entre outros personagens, a Liga da Justiça, mas nos últimos anos tem se dedicado a pesquisar a origem dos quadrinhos de super-heróis.

Homens do Amanhã é focado em Jerry Siegel e Joe Shuster, os criadores do Super-homem, mas dá uma ampla panorâmica do surgimento desse tipo de diversão e de seus criadores. Jones mistura história, biografia de autores e análise de histórias. Ou seja, é um livro completo para quem quer entender esses heróis que usam a cueca sobre a roupa (inclusive isso é explicado no livro: os super eram baseados nos homens musculosos que se apresentavam em circos e que usavam short e malha).
O subtítulo da obra deixa claro o objeto de estudo: “geeks, gangsteres e o nascimento dos gibis”. Os primeiros autores de super-heróis eram rapazes despreparados para o mundo, fãs de ficção-científica, facilmente manipulados e explorados pelas empresas para as quais trabalhavam. Eram também judeus, já que os norte-americanos achavam indigno se envolver com esse tipo de lixo cultural. Aparentemente, boa parte do preconceito contra os gibis está relacionado ao preconceito racial: algo feito por judeus não deve ser boa coisa.
No entanto, Jones mostra que os autores colocavam suas angústias e sonhos nos quadrinhos, fazendo muitas vezes uma obra autoral.

O que Homens do amanhã é para os quadrinhos norte-americanos, A Guerra dos gibis (Cia das Letras), de Gonçalo Júnior, é para os quadrinhos nacionais.
Gonçalo acompanhou a trajetória de Adolfo Aizen, dono da editora Ebal, do início modesto como jornalista até a criação da maior editora da América Latina, culiminando na melancólica decadência da Ebal.
Como a Ebal focava quase toda a sua produção na área de quadrinhos, A Guerra dos Gibis acaba traçando um vasto panorama da nona arte no nosso país.
O livro se destaca especialmente por mostrar que a perseguição aos quadrinhos adquiriu no Brasil traços políticos por conta das brigas entre Roberto Marinho com seus inimigos. Como Marinho fez sua fortuna publicando gibis, a maneira mais fácil de atacá-lo era batendo nos quadrinhos.
A narrativa de Gonçalo Júnior é gostosa e o livro se lê de uma topada. O autor revela uma afeição por Adolfo Aizen que acaba sendo compartilhada pelo leitor.

Argo - o cinema como farsa

Argo é um filme de 2012 dirigido por  Ben Affleck, ganhador de diversos prêmios, entre eles o Oscar de melhor filme. O sucesso de público e de crítica é merecido. A história é intrigante e o filme muito bem dirigido, criando uma espécie de "triller cabeça", em que o suspense se mistura a questões políticas e históricas.
A película é baseada em fatos reais: em 1979 a embaixada americana no Irã é invadida por manifestantes e todos os seus ocupantes são feitos reféns. Mas seis pessoas conseguem escapar pelas portas dos fundos e se refugiam na casa do embaixador canadense. Para resgatar essas pessoas um agente do FBI cria um filme falso de ficção científica chamado Argo. A ideia é tirar os funcionários da embaixada disfarçados de membros da equipe de filmagem.
Affleck surpreende, criando um filme denso, repleto de suspense: o perigo surge a todo momento e, se a farsa for descoberta, todos serão mortos pelo regime iraniano. Fatos reais, como pessoas enforcadas em gruas de construção, ajudam a dar o clima das cenas.
Uma curiosidade é que para tornar a farsa crível foi criado até um cartaz, um story board e desenhos de produção. Boa parte desses desenhos ficou a cargo de Jack Kirby, o rei dos quadrinhos de super-heróis. Reproduzo abaixo algumas dessas imagens.



quarta-feira, março 27, 2019

Monstro do Pântano: o terror que revolucionou os quadrinhos



No início da década de 1980 o terror já era um gênero decadente no mercado de quadrinhos dos EUA. Depois do auge das revistas do gênero na década de 1970, os gibis do gênero vendiam cada vez menos. Seria uma revista da DC Comics, contando com textos do gênio Alan Moore que levaria os quadrinhos de horror a um novo patamar, provocando inclusive a criação de um selo voltado apenas para leitores adultos, a Vertigo.
O personagem surgiu na revista House of Secrets 92, de abril de 1971, criação do roteirista Len Wein e do desenhista Berni Wrightson. Contava a história vitoriana de um homem, Alex Olsen, casado com uma linda mulher, cujos experimentos científicos são sabotados por um colega, que se apaixonou por sua esposa. Os produtos químicos, em junção com as plantas do pântano, fazem com que ele se transforme num monstro. Ele volta para se vingar, mas descobre que não poderá mais voltar a ser humano e foge para o pântano, sob o olhar apavorado de sua esposa. Wrightson  desenhou tudo em uma semana, usando fotos de amigos para compor os personagens.Era uma história fechada, mas fez tanto sucesso que surgiu a ideia de criar um gibi com o personagem.
O personagem foi atualizado e alguns nomes mudados. Alex Olsen virou Alec Holand. Sua esposa tornou-se Linda Holand. Na nova versão, o casal de cientista está pesquisando uma fórmula restauradora capaz de acelerar o crescimento das plantas, o que poderia acabar com a fome do mundo. Mas a experiência é sabotada, Linda morre e Alec se transforma em um monstro sempre em busca de recuperar a sua humanidade perdida.
A revista foi sucesso por algum tempo e lançou personagens importantes, como o vilão Anton Arcane e sua sobrinha Abe, mas logo a fórmula se saturou e as vendas caíram. Alguns anos depois, uma nova equipe criativa, composta pelo roteirista Marty Pasko e o desenhista Tom Yeats assumiu o gibi, sem sucesso. A revista já estava para ser cancelada quando o editor, Len Wein, resolveu chamar um novo talento inglês, Alan Moore, para assumir o roteiro.
Alan Moore não só conseguiu revitalizar o personagem como o transformou em um dos maiores sucessos de público e de crítica, influenciando absolutamente a forma como os leitores viam os quadrinhos de terror.
Para começar, Moore fez a mudança significativa no personagem. O mote procura da humanidade foi abandonado quando o Monstro descobriu que não era Alec Holand, mas um elemental que se apropriara das memórias do cientista. Com isso, as possibilidades se ampliaram muito, permitindo que o personagem pudesse viajar para qualquer lugar do planeta apenas deixando sua casca morre em um ponto e renascendo em outro.
Além disso, Moore incorporou à série um discurso ecológico e libertário, denunciando a destruição da natureza e a cobiça dos governos e grandes corporações. O auge da inovação foi quando o Monstro do Pântano e Abe fizeram amor graças a uma raiz alucinógena. Essa HQ foi a causa do personagem ter parado de ser publicado no Brasil, já que os diretores da Abril, na época a acharam indecente, embora não houvesse, de fato, cenas de sexo.
A revista tinha também desenhos detalhistas e apavorantes de Stepehn Bissete e John Totleben, que posteriormente seriam substituídos por Rich Veitch e Alfredo Alcala.
Mas a grande atração da revista era, sem dúvida, o texto de Moore, que flertava com a poesia e a filosofia. Moore chegou a afirmar que a revista era o seu jeito de devolver a poesia às pessoas. Até Moore, a maioria dos roteiristas usava o texto para apenas ajudar a contar a história. Ele levou o texto a patamares muito mais amplos, usando recursos estilísticos totalmente inovadores. Além do texto poético, as histórias contavam com narrativas não lineares, com flash backs ou com a mesma situação contada por vários personagens. Parecia que a cada número o roteirista inglês experimentava uma nova maneira de contar uma história.
Como resultado, muita gente que tinha parado de ler quadrinhos voltou a eles. Moore conquistou para os gibis os leitores mais velhos e intelectualizados, que seriam a base do selo Vertigo.