terça-feira, novembro 12, 2024

Jornada nas estrelas – O computador supremo

 


Um dos temas principais de Jornada nas estrelas é a humanidade. Não só o conceito de humanidade, mas também o que nos diferencia como seres humanos.

E uma dessas diferenças é a capacidade de interpretar o mundo à nossa volta, diferenciando, por exemplo, um jogo de uma situação real.

Esse é o tema de O computador supremo, episódio da segunda temporada da série clássica.

Na história, a Entreprise é designada para o teste de um computador capaz não só de pilotar, mas também comandar uma nave espacial. Para isso praticamente toda a tripulação é dispensada, ficando na nave apenas 20 tripulantes, incluindo o trio Kirk-Spock-McCoy.

Ocorre que durante o teste algumas naves simulam um ataque à Enterprise num jogo de guerra e o computador interpreta como um ataque real e contra-ataca provocando centenas de mortes. Pior: quando tentam desligá-la, ela interpreta isso também como um ataque.

Até mesmo uma criança de cinco anos consegue diferenciar um perigo real de uma bricadeira. Até mesmo uma criança consegue distinguir um simulacro de algo real. Para isso precisa saber interpretar símbolos e contextos. Ao ver um adulto se aproximando com as mãos estendidas gritando: “Eu vou te pegar”, ela sabe que isso pode ser uma ameaça ou simplesmente uma brincadeira. Se o adulto estiver sorrindo, por exemplo, é uma brincadeira.

Robôs e computadores não têm essa capacidade de interpretação, decodificando de maneira literal as mensagens. Talvez no futuro isso seja possível, mas esse ainda é um limite para a inteligência artificial.

Ao colocar essa situação no episódio, a roteirista DC Fontana reflete sobre como os humanos conseguem ser essenciais mesmo em situações em que um computador parece muito mais inteligente ou capacitado. E somos essenciais exatamente por nossa humanidade e nossa capacidade de interpretarmos e nos adaptarmos ao ambiente.

Só por isso o episódio já seria obrigatório. Mas temos também uma trama extremamente tensa em que o suspense vai num crescendo até o final.  

Gonzaga - de pai para filho

 

Gonzaga, de pai para filho é uma cinebiografia lançada em 2012 de Luiz Gonzaga e Gonzaguinha assinada pelo diretor Breno Silveira e pela roteirista Patrícia Andrade, os mesmos de Dois filhos de Francisco.
Breno Silveira se especializou em trabalhar vida de músicos no cinema e tirar delas o melhor. Em 2 filhos, ele foi inteligente ao focar a narrativa no pai e seu sonho de transformar seus filhos em astros da música, o que transformou o filme interessante até para quem não gosta de Zezé di Camargo e Luciano, como é o meu caso.
Em Gonzaga, ele focou sua narrativa no conflito entre pai e filho. Foi uma estratégia acertada do roteiro. Cinebiografias costuma pecar por falta de conflito, que é o motor de um filme.  O resultado são cenas soltas da vida do biografado. Em Gonzaga, Breno aproveita-se de uma visita que Gonzaguinha faz ao pai e grava com ele uma entrevista como a linha que costura os as cenas. Esse fato realmente aconteceu e em alguns trechos pode-se ouvir o áudio original de entrevista. Nele transparece não só a vida do cantor, mas sua relação difícil com o filho.
Gonzaguinha foi criado pelos padrinhos, quando criança nunca foi em um show do pai e sente-se abandonado por ele. Luiz Gonzaga acha o filho arrogante e comunista. Em meio à conversa, são apresentados os fatos da vida do rei do baião. Eles precisam superar suas diferenças para mostrarem o que realmente sentem um pelo outro (não é novidade para o expectador que os dois se reconciliam e Gonzaguinha torna-se o grande responsável por resgatar a obra do pai. O interessante é saber como isso acontece).
Um ponto positivo a mais é forma como diretor trabalha a música, muitas vezes compondo cenas inteiras em que a narrativa está focada na música, como na ótima cena em que ele volta para casa no sertão. A sequência não tem diálogos, sendo focada na música "Respeita Januário", cujo refrão é conhecidíssimo: "Luis, respeita Januário. Você é mais famoso, mas seu pai é mai tinhoso...". Alías, essa sequência termina com um fantástico plano emblemático: o carro se afasta e a família é filmada pelo vidro do carro e a locução diz: "Eu sai do sertão, mas o sertão não saiu de mim".
Quer um conselho? Assista Gonzaga, de pai para filho, mas separe um lenço.

Conan – a fronteira do fim do mundo

 


Entre as várias sagas de Conan, a do Rio Negro é uma das mais memoráveis e uma das poucas que se alongaram tanto que ocuparam mais de uma edição da revista The Savage Sword of Conan, tendo sido publicada no Brasil em A espada selvagem de Conan 14 e 15 de editora abril .

Com desenhos de John Buscema e Tony DeZuniga e roteiro de Roy Thomas, a história conta a trama da invasão dos pictos contra os assentamentos da Aquilônia no território de Conajohara, às margens dos rios Negro e Trovão.

A história começa com Conan salvando um rapaz, Balthus, que pretende se juntar aos colonos. Os dois irão viver juntos essa aventura repleta de ação de suspense.



Os fatos se acumulam em ritmo acelerado: eles encontram o cadáver de um mercador que havia sido jurado de morte por um feiticeiro picto, tentando levar o corpo dele para o forte, são atacados por um demônio, que arranca a cabeça do cadáver. No forte, recebem a missão de matar o feiticeiro, mas, quando se aproximam de território picto, são atacados. Balthus é preso em um estaca e irá ser morto por uma serpente encantada, mas é salvo por conan.

Agora eles precisam desesperadamente tentar chegar até o forte e avisar sobre o ataque dos inimigos. Depois precisam avisar os colonos para que abandonem suas casas e se dirijam para um local seguro. No meio disso encontram um cachorro apelidado de Mutilador. Depois de ver seus donos assassinados por pictos, ele se tornou uma fera cujo único objetivo é matar selvagens.

A história é repleta de ação. 


Tudo isso é entremeado por aparições de criaturas místicas, demônios e muita, muita ação.

É uma saga tão monumental que ocupou mais de 80 páginas.

Na história o talento dos desenhistas John Buscema, Tony Dezuñiga é visível, mas o que se sobrepõe mesmo é a incrível habilidade de Roy Thomas para contar uma história. Não só pelo ritmo narrativo de tirar o fôlego, mas pelo texto impecável, que prende o leitor.

Creepy volume três

 


Ao ler o volume três do álbum Creepy, lançado pela editora Devir em 2014, duas coisas saltam aos olhos: a incrível imaginação de Archie Goodwin, que escrevia a maioria das histórias e o impressionante time de artistas que esse mesmo Goodwin, que era também editor, conseguiu reunir em torno de si (ele tinha fama de ser um dos caras mais simpáticos da indústria).

Para começar, as capas na maioria eram de ninguém menos que Frank Frazetta! Inclua na lista de artistas Neal Adams (antes de se tornar uma celebridade dos comics), John Severin, Reed Crandall, Joe Orlando, Steve Ditko, Dan Adkins, Gray Morrow e o incrível Angelo Torres (um porto riquinho com traço deslumbrante).

A qualidade das histórias é tão impressionante que torna-se difícil escolher as melhores histórias, mas algumas sem dúvida se destacam.

Ditko faz um inferno psicodélico em Segunda Chance. 


Entre elas, as HQs desenhadas por Steve Ditko. Archie Goodwin era famoso não só por ser um editor extremamente simpático, mas também por adaptar seus roteiros aos desenhistas, aproveitando o máximo das potencialidades estéticas de cada ilustrador. É o caso de “Segunda chance”, em que um assaltante vende sua alma ao diabo em troca de mais tempo de vida após a morte, o que parece um bom negócio, já que ele iria para o inferno de qualquer forma. Mas o diabo é mais esperto do que ele imagina. A situação é usada por Ditko para criar cenas bizarras como a splash page inicial em que o inferno é mostrado como formas surreais que se contorcem em rostos agonizantes. 

Cidadela da perdição: Ditko desenhando fantasia. 

Ditko também parecia se sentir muito à vontade em histórias de espada e magia, como se pode ver em “Onde mora a magia”, em que um guerreiro enfrenta um feiticeiro em meio a animais estranhos e figuras geométricas. O mesmo pode ser dito sobre Cidadade da Perdição, sobre um bárbaro que foi traído por seus amigos e é atraído até uma cidade perdida.

Vale também destacar Hop-frog, adaptação do conto de Edgar Allan Poe adaptada por Archie Goodwin e desenhada por Reed Crandall.



O aviso é uma ótima HQ no estilo além da imaginação: um homem desce do ônibus de madrugada em uma cidadezinha do interior dos Estados Unidos e descobre que o hotel onde deveria ficar está fechado. Curioso, ele procura uma porta lateral, mas o que encontra é uma mulher morta. Roteiro do mestre Goodwin com arte de Jerry Grandenetti, com uma diagramação nada convencional e forte trabalho e claro e escuro que aumentam em muito a sensação de mistério da trama.

E, quem poderia imaginar, Neal Adams se adapta muito bem ao gênero terror e mostra isso em Maldição do vampiro, uma boa hq com final surpresa, daquelas em que nada é o que aparenta.  

O traje do Homem-aranha de Roy Thomas

 

Roy Thomas e sua primeira esposa Jeanie Thomas no Hallowen de Rutland, VT, em 1969
Roy Thomas é um dos principais roteiristas dos quadrinhos norte-americanos e foi um dos principais editores da Marvel. Ele escreveu praticamente todos os personagens da editora, tornando-se imensamente famoso por seu trabalho em Conan, que ele escreveu por mais de uma década. Mas uma face pouco conhecida do escritor foi revelada pelo blog Hero Envy: Roy Thomas foi também um dos primeiros cosplays da Marvel. Isso graças a um traje que ele ganhou de Sol Brodsky. O traje havia sido encomendado pela Marvel para ser usado por um ator no Desfile de Ação de Graças da Macy's. Mas o ator ficou bêbado e não desfilou. Assim, o traje acabou sendo doado para Thomas, que o usou no Halloween em Rutland, Vermont e em convenções de quadrinhos. 
Thomas usando o traje em uma convenção de quadrinhos, junto com fãs fazendo cosplay dos X-men.

Esse evento era famoso por ter tirado o foco das bruxas e monstros e colocado em seu lugar super-heróis. Pessoas de todo o país iam participar do evento fantasiadas de super-heróis, inclusive gente da indústria. E Roy Thomas foi um dos pioneiros. Roy Thomas chegou a se colocar em uma história dos Vingadores vestindo o traje. 
Roy e sua segunda esposa, Dann Thomas

Em outra história, dos Defensores, ele aparece sem o traje, mas a história se passa no Halloween em Rutland. Ah, a Marvel também doou para o roteirista um traje da Mulher invisível, que foi usado tanto pela primeira quanto pela segunda esposa de Thomas em vários eventos. 
O traje chegou a aparecer até em uma revista da Marvel. 

A guerra dos mundos

 


H.G. Wells é um dos fundadores da ficção científica. Alguns dos temas mais caros do gênero surgiram de sua imaginação, assim como algumas das obras mais perturbadoras. Dentre elas, merece destaque A guerra dos mundos, lançado no Brasil pela Suma.
A edição, em capa dura, tem prefácio de Bráulio Tavares, introdução de Brian Aldiss e ilustrações de 1906, de Henrique Alvim Corrêa. Além disso, traz uma entrevista com Wells e Orson Welles, o diretor que comandou a versão radiofônica do livro, tida por muitos como verdadeira e que provocou verdadeiro pânico ao ser transmitida nos EUA, em 1939. Tudo isso fazem dessa uma edição imperdível.
Mas mesmo sem tudo isso, já valeria a pena. Wells não escreveu um simples relato de invasão extraterrestre: ele fez uma obra que nos faz pensar: da denúncia do imperialismo ao futuro da humanidade.
Wells constrói sua obra em capítulos curtos e maneja bem o suspense, viciando o leitor que vira página após página seja para descobrir o destino do protagonista, seja para acompanhar uma explicação sobre os extraterrestres (a maior parte das quais amparada na teoria da evolução). A narrativa de Wells é simples, sem floreios, mas poderosa. A cada frase percebemos que estamos diante de uma mente brilhante.
Como muitas outras obras de ficção ou fantasia, A guerra dos mundos é uma metáfora: neste caso do colonialismo europeu. Os marcianos que lançam seus ataques, destruindo cidades inteiras e matando indiscriminadamente são como os europeus, sedentos por riquezas devastando os países conquistados e reduzindo sua população à escravidão (vale lembrar o domínio da Bélgica sobre o Congo, em que os trabalhadores que não cumpriam sua cota tinham suas mãos cortadas). Para tornar essa metáfora ainda mais poderosa e impactante, Wells faz com que seus marcianos se alimentassem do sangue humano.
O momento em que a invasão de fato ocorre, com os marcianos saindo de suas naves em seus mecanismos tripoides são o grande momento do livro – e o ponto em que o autor mostra o poder de suas palavras: “Ao ver aquelas estranhas, velozes e terríveis criaturas, a multidão à beira do rio pareceu por um momento paralisada de terror. Não houve gritos ou berros, mas silêncio. Em seguida, um murmúrio rouco, um movimento de pés, um jorro d´água”.
Outro grande trunfo é a narrativa em mosaico, em que um acontecimento grande é mostrado através de pequenos fatos. Wells usa esse recurso para humanizar a narrativa, mostrar que são pessoas reais ali, no meio da confusão e da carnificina: na fuga um homem com uma perna enrolada em trapos é ajudado por amigos, um velho com bigode militar sai mancando, depois para, senta-se ao lado de um sifão, tira a bota manchada de sangue, remove uma pedrinha e sai de novo capengando, uma criança grita: “Não consigo continuar, não consigo!”.
Filosofia, ciência, crítica social e uma imaginação poderosa de um homem a frente de seu tempo. O resultado é um clássico absoluto da ficção científica, uma obra que demonstra o quanto o gênero pode ir muito além da simples diversão. 

Star Raiders - a primeira graphic da DC Comics

 

Star Raiders foi a primeira Graphic Novel da DC Comics, Com texto de Elliot S. Maggin  e arte de Jose Luis Garcia Lopez. Foi uma prévia do que viria a ser um dos melhores quadrinhos publicados pela DC nos anos 1980, conhecido aqui como Esquadrão Atari. Sempre procurei por esse material e descobri que ele está disponível em PDF. Para ler, clique aqui.

segunda-feira, novembro 11, 2024

Tarzan, o magnífico

 


Tarzan foi um dos personagens mais populares do século XX. Suas aventuras abrilhantaram milhares de revistas em quadrinhos, tiras de jornais, desenhos animados, filmes. Pouca gente, no entando, sabe que o personagem é oriundo da literatura, criação do norte-americano Edgar Ricer Burroughs.

Tarzan, o magnífico, publicado pelo clube do livro em 1976 permite vislumbrar um pouco desse rei das selvas literário.

A história se passa na África, tendo como foco duas aldeias sui-generis. Nela, mulheres negras aprisionaram homens brancos perdidos e procriaram com eles durante gerações, criando uma raça de mulheres... brancas. Cada aldeia é governada por um irmão gêmeo, velhos carcomidos, que usam pedras preciosas (um enorme diamente e uma enorme esmeralda) para controlar seus súditos através de poderes mágicos.

A história ecoa algumas das melhores tramas do desenho animado de Tarzan da Filmation, com suas cidades perdidas e povos estranhos. Mas o resultado literário fica muito aquém do que se espera.

Para começar, o livro todo é obviamente racista e nitidamente eurocêntrico. Isso a ponto de incomodar um leitor que normalmente não repararia nesses aspectos.

À certa altura, por exemplo, um dos brancos cativos tenta fugir de uma das aldeias e encontra Tarzan. E espanta-se: “Já vi tantas coisas inacreditáveis  desde que vim para essa região que nem mesmo a visão de um homem de alta civilização andando por aí quase nu e sozinho causou tanta surpresa quanto seria de esperar”.

Em outro momento, quando um grupo consegue fugir de uma das aldeias, os negros adotam naturalmente as posições de carregadores e criados pessoais dos brancos, como se fossem escravos deles.

Um dos personagens americanos se apaixonada pela rainha de uma das tribos e foge com ela junto ao grupo do parágrafo anterior. Mas recebe uma advertência de um amigo: embora fosse branca como a neve, ela tinha sangue negro e, por isso, não seria aceita pela sociedade americana.

Mas, se ignorarmos esse aspecto, o livro ainda tem problemas. Tarzan consegue resolver toda a situação por que acha, por acaso, uma passagem secreta que nem mesmo o rei do local conhece. Esse tipo de coinscidencia conveniente é chamada na linguagem de roteiro de deus ex machina.

À certa altura, enquanto fogem, os personagens resolvem se divertir um pouco... caçando leões! Dividem-se em três duplas e cada um mata um. Impressionante como havia leões naquela época e como era fácil caçá-los. Pura diversão!

Além disso, a trama fecha, o terceiro ato termina, e a história continua, como se o escritor não tivesse pensado direito na quantidade de páginas que a história irai ocupar e resolvesse extender a trama. Soma-se a isso o fato de que esse Tarzan literário seja muito pouco parecido com o conhecido por todos nós. Ao invés de se mover pelo alto das árvores em cipós, por exemplo, ele caminha a maior parte do tempo.

E, claro, Burroughs nem de longe é um grande escritor. Mesmo na comparação com outros autores pulps, como Rober E. Howard ou Lovecraft, ou mesmo Conan Doyle, sua narrativa é pobre e muitas vezes confusa. Em alguns momentos, por exemplo, ele pula para outra cena, em outros locais e com outros personagens de um parágrafo para o outro, deixando o leitor confuso.

O que realmente fica desse Tarzan literário é toda a mitologia e toda a ambientação criada por Burroughs, que já aparece nas primeiras páginas “Nenhuma coisa escapava de seu olhar, nenhum odor, contido no seio macio de Usha, o vento, passava sem ser identificado por ele. Bem a distancia, ele viu Numa, o leão, sobre seu posto rochoso de observação; viu ska, o abutre, circulando acima de alguma coisa que sua visão não permitia divulgar”.

É essa mitologia e essa ambientação que fizeram o personagem tão popular e que se tornou eterna nos quadrinhos, nos filmes e nas animações.

Thor e Loki atacam a raça humana

 

Embora posteriormente Thor se tornasse um dos personagens mais interessantes e consistentes da Marvel, no início era muito comum histórias que beiravam a vergonha alheia, em especial na fase em que Kirby havia saído do título e Lee estava só nos argumentos.

Um exemplo disso é Thor e Loki atacam a raça humana, publicado em Journy in to Mistery 94, com diálogos de Robert Bernstein e desenhos de Joe Sinott.

A capa mostra Thor e Loki na sede da ONU. Thor levanta o Mjorn e diz: “Qualquer homem que erguer sua mão contra Loki também terá de enfrentar Thor!”. O deus da trapaça cruza os braços, aproveitando seu momento de glória e pensa: “Fiz Thor pensar que sou seu amigo! Mas quando servir ao seu propósito, ele será minha próxima vítima!”.

Algumas sequênciam beira o humor involuntário. 


Se essa capa já não fosse estranha o suficiente, na splash page inicial Thor encosta o dedinho na torre de Pisa, enquanto pedras caem. Algumas pessoas fogem desesperadas, enquanto alguém grita: “Fujam! Salve-se quem puder!”. A cena toda beira o humor involuntário.

E como Loki fez com que Thor virasse seu aliado? Com uma pancada na cabeça, dada pelo próprio Mjorn, que volta enquanto o deus do trovão está socando uma ilusão criada pelo deus da trapaça. A partir daí, Thor faz tudo que o outro quer. Mas como Loki poderia saber qual o local correto que o martelo deveria bater? Não importa, diriam os autores.

Com a personalidade modificada, Thor vai para Asgard libertar Loki e no caminho, enquanto atravessa a ponte do arco-íris, dá um soco em Heindall. Ele teria entrado da mesma maneira, mas resolve dar o soco para não perder a viagem.

Então temos Odin tentando esganar Loki, Thor salvando-o. Depois o deus do trovão e Loki vão para a terra, onde tocam o terror. Thor destrói o Taj Mahal, esfacela a torre Eiffel enquanto Loki dá vida à esfinge, que destrói as ruas do egito. Isso que é maneira de uma dupla de irmãos se divertirem!

Thor e Loki botam pra quebrar. 


Claro que no final Thor volta a ser bonzinho e a história termina com o deus do trovão jogando seu martelo na cabeça de Loki. Mas se a martelada tinha feito com que Thor ficasse mau, a martelada não muda nada na personalidade de Loki.

Joe Sinnott era um ótimo arte-finalista, mas como desenhista deixava muito a desejar, da mesma forma que Bernstein nos roteiros.

Imagina como os leitores da época deveriam ansiar pela volta da dupla Kirby-Lee.  

Bohemian Raphsody

 

Confesso que acompanhei pouco a carreira do Queen (exceto, claro, a música tema de Flash, provavelmente a melhor coisa do filme). Assim, para mim o filme de Bryan Singer foi uma agradável surpresa. Diretor, roteiro, tudo afinado. Mais do que uma biografia, é um musical. O filme se debruça menos em contar a história do grupo e mais nas razões de seu sucesso. A voz incrível e a interação com a platéia (transformando-a em parte do show), a banca competentíssima. Músicas inteiras são tocadas, em especial, e isso não parece enrolação. Há tempos não via um musical tão bem conduzido. E a caracterização de Rami Malek como Fred Mercury é simplesmente impressionante. É como se tivessem clonado o cantor. 
O final, com a apresentação no Live Aid é apoteótico. 
No entanto, é curioso observar como tanta coisa mudou de lá para cá. Em 1985 uma das maiores figuras da música era um refugiado paquistanês gay, tendo o seu maior momento em um evento em prol das pessoas que passavam fome na África. Hoje, a intolerância é cada vez maior, refugiados são tratados como escória e se fala em guerra contra países em que pessoas passam fome.

Nova York, de Will Eisner

 


Existem obras tão fundamentais para se compreender a linguagem dos quadrinhos que se transformam em verdadeiras aulas de quadrinhos. Exemplo disso é o álbum Nova York – a vida na grande cidade, de Will Eisner.
O álbum reúne anotações do artista sobre a metrópole e as histórias geradas a partir dessas observações. Nesse sentido a capa, com Eisner desenhando uma multidão é a perfeita síntese da obra.
Eisner não foi só um dos primeiros a refletirem sobre a linguagem característica da nona arte – foi uma das pessoas que estabeleceram essa linguagem e isso fica implícito nas 439 páginas do álbum. Está tudo ali: elipses, tempo narrativo, diálogos, o desenho contando por si só a história, plots e reviravoltas, estudos de personagens. Aliás, a própria metodologia do livro é uma lição: não há nada melhor para criar quadrinhos do que observar o mundo à nossa volta e usar a imaginação para complementar aquilo que não podemos ver.
A obra conta várias histórias de Nova Yokr, em vários cenários. 


O livro é dividido em quatro capítulos: Nova York, a grande cidade; O Edifício; Caderno de tipos urbanos e Pessoas invisíveis.
O primeiro capítulo é dedicado às observações de cenários da cidade e o exercício criativo resultante delas. Em um desses exercícios, Eisner desenha um bueiro e imagina todas os dramas possíveis que poderiam ser protagonizados por esse cenário: a prostituta que joga ali um anel de noivado, o homem que perde uma moeda, o assaltante que se livra da faca, uma mulher que perde ali a chave do apartamento no qual vai se encontrar com o amante e, finalmente, os garotos que tentam resgatar esses tesouros.
Outros cenários vão se sucedendo, cada um com suas histórias e dramas: uma escadaria, o metrô, uma lata de lixo.
O Edífício é provavelmente a parte do livro mais conhecida no Brasil, pois essa parte foi separada e publicada pela editora Abril na coleção Graphic Novel. A história gira em torno de um prédio no cruzamento de duas ruas de Nova York e as histórias que se cruzam com a história do edifício.
A história começa com o local sendo derrubado e substituído por um prédio moderno e os fantasmas de quatro pessoas. Se o capítulo anterior é um ótimo exemplo de exercício criativo, este é uma aula de roteiro: Eisner narra a história de cada um desses fantasmas e amarra seus dramas ao próprio edífício, fazendo com que essas diversas tramas paralelas convirjam no final.
Caderno de tipos urbanos é o que o próprio nome diz: uma galeria de tipos de observações de comportamentos, um verdadeiro exercício antropológico. Eisner observa, por exemplo, que o espaço urbano parece afetar a concentração e o contato visual entre as pessoas, fazendo que até mesmo o tema mais pesado e sério pareça uma conversa casual.
Nessa verdadeira obra-prima de quase 500 páginas, Pessoas invisíveis se destaca, em especial a história Santuário. A HQ narra o drama de Pincus Pleatnik, um homem tão invisível que, quando o jornal por engando publica a informação de que ele morreu, todos passam a acreditar que ele de fato está morto.

A informação e a linguagem binária

 


            

   Para visualizar a noção de que a quantidade de informações está relacionada à multiplicidade de possibilidades de respostas (variedade), imagine que os quadrados abaixo são caixas, uma das quais está cheia de bombons. A outra, vazia. Você é desafiado a descobrir qual das duas está cheia de guloseimas, e deve fazer perguntas cujas sejam sim ou não.


A
B


Vamos imaginar que você pergunte: é a A? A resposta pode ser sim ou não.
              Nesse caso, a informação é dada entre duas respostas possíveis do tipo sim ou não. É um bit. Trata-se do que ocorre, por exemplo, com o interruptor de luz, que só permite duas possibilidades de mensagens: aceso/apagado.
              A descoberta da caixa premiada teria muito mais informação se as possibilidades fossem quatro, pois a incerteza seria maior.

A
B
C
D
             

              A quantidade de informação dobraria no caso abaixo.

A
B
C
D
E
F
G
H

              Agora a resposta correta seria uma entre oito possibilidades.
               Para descobrir qual é a caixa premiada, o concorrente poderia fazer perguntas do tipo sim/não (bit). Como atacar o problema?
              Uma possibilidade seria ir perguntando em seqüência:
              É o A?
              É o B?
              É o C?
              Esse método, no entanto, se revelaria desgastante se a resposta correta fosse o H. Seriam necessárias sete perguntas para descobrir a solução.
              Imaginemos, no entanto, que só sejam permitidas três perguntas. A Teoria da Informação propôs uma fórmula otimizada para se chegar à solução. Bastaria dividir o conjunto em dois grupos: A-D e E-F.
              Assim, a primeira pergunta seria:
              A caixa premiada está no conjunto A-D?
              Resposta: Não.
              Conclui-se que a caixa está no conjunto E-H. A segunda pergunta dividiria o conjunto em dois grupos (bits):
              A caixa está no conjunto E-F?
              Resposta: Sim.
              A pergunta seguinte seria simples. Afinal, a caixa só pode ser E ou F.
              Basta indagar:
              É o F?
              Se a resposta for sim, F é a premiada. Se for não, será a E.
              Foram necessárias três perguntas para se chegar à solução, portanto a resposta teria três bits.
              Utilizando-se desse método, a teoria da informação conseguiu calcular a quantidade de informação em cada mensagem. A linguagem binária tornou possível os computadores.
              Para transmitir uma mensagem ao computador, devemos codifica-la em conjuntos do tipo sim ou não em que 1 seria sim e 0 seria não.
              O número 9 em código binário fica: 1001.

              Para transmitir ao computador a imagem de um círculo basta montar uma tabela com diversos quadrados. O sim representa o quadrado preenchido e o não o vazio. Quanto maior a quantidade de quadrados, maior a resolução e maior a quantidade de bits.