quinta-feira, agosto 31, 2023

A guerra dos gibis

 

A campanha do Dr. Fredric Werthan contra os quadrinhos teve um grande impacto no Brasil por causa de uma questão política.
     Segundo Gonçalo Júnior, autor do livro A Guerra dos Gibis, embora existissem iniciativas isoladas desde a década de 30, quando os quadrinhos de aventura chegaram ao Brasil, a campanha contra os quadrinhos só tomou fôlego na década de 40, graças a uma briga entre Roberto Marinho, do Jornal O Globo, e Orlando Dantas, do Diário de Notícias. Dantas estava ganhando mercado ao promover concursos em que os leitores do jornal concorriam a prêmios em dinheiro. Preocupado com a concorrência, Marinho usou sua influência junto ao governo Vargas para fazer com que fossem proibidos os prêmios em dinheiro.
            Dantas, agora sem o principal atrativo de seu jornal, passou a atacar Marinho pelo que considerou o seu ponto fraco: o fato de seu concorrente ser um dos principais editores de histórias em quadrinhos do Brasil (sua publicação Gibi acabou virando sinônimo de quadrinhos). Dantas, ex-repórter de Assis Chateaubrind, sabia que a melhor forma de um jornal sair de uma situação financeira difícil era comprar briga com um concorrente de peso. O Diário de Notícias passou a acusar os gibis de provocarem preguiça mental, inculcarem valores estrangeiros nos jovens e incentivarem a violência. Na verdade, Dantas não tinha nada contra quadrinhos, e, aliás, tinha sido um dos pioneiros a publicar tiras de jornais no Brasil (o humorístico Popeye), mas ele logo descobriu que a melhor forma de chamar atenção para si e alfinetar o rival era fazer acusações aos gibis.
Passou a ser moda falar mal dos gibis. Até mesmo quem nunca tinha lido uma revista se apressava a dar sua opinião. A jornalista Ivone Jean, do Correio da Manhã, por exemplo, escreveu um artigo no qual pedia reconhecimento público por ter roubado um gibi do consultório de um pediatra, impedindo assim, que as crianças tivessem contato com a leitura. Além de se vangloriar do crime, a jornalista admitia que sua birra se devia ao fato dela não compreender o código quadrinístico: “Não sei ler histórias em quadrinhos! Aprendi a ler da esquerda para a direita e linha após linha. As legendas atrapalhadas que ilustram os desenhos são impressas em caracteres estranhos e dançam em todos os sentidos”.
            Mas a campanha contra os gibis teria seu momento mais grave a partir de 1953. Dessa vez, além de Dantas, Roberto Marinho teria contra si Samuel Wainer, do jornal Última Hora. Assim como acontecera com o Diário de Notícias uma década antes, o diário de Wainer estava tomando leitores de O Globo, graças a inovações editoriais. Marinho concentrou sua artilharia no concorrente e descobriu que Wainer não era brasileiro, pois chegara ao Brasil com dois anos de idade. Na época a legislação proibia estrangeiros de terem veículos de comunicação no Brasil.
            Wainer vingou-se empreendendo uma dura campanha contra as histórias em quadrinhos que durou anos. Para isso foi destacado o repórter Pedro Morel. Este percebeu que a estratégia de maior impacto era acusar os gibis de serem responsáveis pela criminalidade infantil. Citando as pesquisas de Fredric Whertan, Morel defendeu que as histórias em quadrinhos ensinavam as crianças como cometerem crimes.
            Para provar o que dizia, Morel foi ao Reformatório de menores Saul de Gusmão atrás do maior criminoso juvenil da época, um tal de Lilico, apelidado de “Terror do subúrbio”. Para sua decepção, encontrou o rapaz jogando futebol, e não lendo gibis. Mas nem por isso achou que seria o futebol o responsável pelos crimes de Lilico. Os responsáveis deviam ser os gibis.
            Apesar da total falta de embasamento e de serem resultados de uma briga de mercado, as denúncias deram resultado. Nas portas das igrejas eram distribuindo panfletos orientando pais a não deixarem seus filhos lerem quadrinhos. Em alguns locais os professores tiravam cinco minutos diários de suas aulas para falarem dos riscos da leitura dos gibis.
            Um dos resultados dessa campanha se vê nos testes escolares. Desacostumados a ler, os estudantes são incapazes de interpretar os textos mais simples. Nos países em que a leitura dos gibis foi estimulada a realidade é outra.

Recordações do futuro

 


Ray Bradbury era um excelente contista. Provavelmente porque livros de contos vendem menos que romances, ao reunir essas histórias em livros, ele dava um jeito de costurar as histórias, de modo que em conjunto elas parecessem uma só história dividida em partes.

Em nenhum livro esses estratégia foi tão bem sucedida quanto em o Homem ilustrado, publicado na década de 70 como Recordações do futuro (no Brasil o livro também ganhou o título de Uma sombra passou por aqui).

Bradbury imagina um homem cujo corpo é todo tatuado. à noite, as imagens se mexem e cada ilustração conta uma história. Mas há um espaço especial nas costas, em que a pessoa que está observando os contos poderá ver a sua própria história... E a forma como irá morrer.

Essa introdução não só é genial, como acaba sendo, surpreendentemente, a melhor parte do livro, graças à prosa poética de Bradbury: "Ali sentado, notei que ele era uma confusão de foguetes, fontes, pessoas, com detalhes e cores tão vívidas, que eu podia escutar as vozes, indistintas e abafadas, murmurando entre as multidões que lhe habitavam o corpo"

As imagens são descritas como se El Greco tivesse pintado miniaturas, com suas imagens detalhadas, cores sulfurosa e anatomia alongada.

Os contos seguem a mesma linha de prosa poética e descrições que provocam ricas mensagens mentais.  

Em “Caleidoscópio” um foguete explode e seus tripulantes ficam a deriva no vácuo. Poderia ser apenas uma ótima história de suspense ambientada no espaço, mas Bradbury vai mais além, transformando a história num poética investigação psicológica. Esse contexto é exemplificado no tripulante que invejava o outro por sua abordagem a respeito da vida: “Eu não tive nada disso. Quando eu vivia, eu o invejava. Quando eu tinha outro dia à minha frente, eu o invejava, suas mulheres e seus prazeres”.

Em “O outro pé”, o autor usa a ficção científica para refletir, de forma poética e alegórica sobre uma das maiores chagas da América: o racismo. Na história, os negros foram enviados para Marte, onde construíram uma civilização. Depois de muitos anos, uma nave de homens brancos se aproxima e muitos querem se vingar pelos anos de linchamentos e segregação. Mas o que sai da nave surpreende a todos. O conto traz uma pérola do estilo Bradbury: "Caiu o silêncio dos silêncios. Um silêncio que se podia agarrar com a mão, um silêncio que descia sobre a multidão como a pressão de uma tempestade distante".

“O foguetista’ é o conto que melhor expressa a característica de Bradbury de prosa saudosista e intimista. Na história, um garoto vive uma eterna tensão a respeito do pai, que pilota um foguete e, a cada viagem, pode não voltar para casa.

O filho e a mãe antecipam o final trágico e tentam aproveitar ao máximo o tempo com o ente querido enquanto o pai tenta resistir a tentação de voltar ao espaço, uma situação exemplificada no trecho: "Lembro me de meu pai naquela tarde, cavando sem cessar no jardim, como um animal em busca de alguma coisa...". A narrativa por si só já valeria a leitura, mas o autor ainda introduz um final surpresa.

Bradbury discute até mesmo teologia, nos tocantes “O homem” e “Os balões ígneos”. O primeiro trata de um comandante que procura um ser iluminado, mas sempre chega a um planeta depois que ele já partiu. Em “Os balões ígneos”,  padres vão a Marte livrar os marcianos do pecado. Mas o que encontram lá é surpreendente e os muda para sempre.

“Os expatriados’ é uma homenagem de Bradbury aos autores que fizeram parte de sua formação: Poe, Dickens, Shakespeare, bran Stocker, Lovecraft... Na história, os livros desses autores foram proibidos na Terra e os autores se refugiaram em Marte. Mas a medida em que o último livro de um autor é queimado, ele desaparece. Um tema recorrente que seria retomado com mais profundidade em Fahrenheit 451

Num livro de contos geniais, que revolucionaram o gênero, é difícil escolher o melhor, mas certamente “A raposa e a floresta” entraria em qualquer lista.

Na história, corre o ano de 2155 e a realidade é uma distopia militarista em guerra eterna. Quando uma empresa resolve ofertar viagens ao passado como forma de entretenimento, um casal de cientistas resolve aproveitar a oportunidade para escapar. Mas eles sabem que serão perseguidos e, se pegos, tortura e morte é tudo que terão. A história se passa na década de 30, no México, e é uma trama de suspense: eles conseguirão despistar seus perseguidores? É surpreendente que Hollywood não tenha aproveitado essa premissa. Poderia dar um ótimo filme.

Outro conto impressionante é “O visitante”. Uma doença incurável chamada ferrugem sangrenta surge e todos que são acometidos por ela são enviados para Marte, como as antigas colônias de leprosos e ficam lá até morrer. Tudo muda quando surge um doente com uma capacidade incrível: criar imagens mentais tão realistas que os doentes conseguem se reimaginar na Terra. Mas essa paraíso se torna um inferno quando os doentes começam a disputar o visitante. O conto ganha muito com a capacidade de Bradbury de criar imagens mentais com seu texto poético: ”Nova York levantou se em torno deles, das pedras, das cavernas, do céu. O sol brilhou nas altas torres. O trem elevado passou como um trovão; rebocadores apitaram no porto. A mulher verde fitou a baía, com uma tocha nas mãos".

São contos e mais contos tão preciosos como pérolas no mar até o seu final curto, mas surpreendente.

X-men – Wolverine à solta

 


Quando tornou-se co-roteirista dos X-men, John  Byrne começou a dar protagonismo ao Wolverine. A razão é que o desenhista queria chamar atenção para um herói canadense como ele. Mas esse processo logo transformaria o baixinho em um dos personagens mais populares da Marvel.

Em nenhum outro momento o protagonismo do herói foi tão relevante quanto em The Uncanny X-men 133. Na história anterior, todos os X-men tinha sido facilmente derrotados e aprisionados pelo círculo interno do Clube do Inferno, com excessão de Wolverine, que foi jogado no esgoto.



A revista começa exatamente com os capangas do Clube no subsolo do local, procurando pelo Carcaju enquanto ele se equilibra acima deles, no teto. Sem dúvida, uma das cenas mais célebres dos X-men de todos os tempos, assim como toda a sequência seguinte.

Wolverine salta do teto e enfrenta os capangas. No final sobra apenas um. Wolverine se mostra em toda a sua essência, numa perfeita demonstração de como o texto de Claremont encaixava perfeitamente nas imagens criadas por Byrne: “Sei o que está pensando, xará. Ele tá ferido, a cinco metros de distância e meu fuzil está carregado. A pergunta é: eu consigo matar o Wolverine antes que dele me alcançar e me fatiar como um sushi com aquelas garras?”. No final, o homem, apavorado, joga sua arma no chão e se entrega.



Só essa sequencia já valeria a história, mas há duas outras, igualmente antológicas.

Na primeira, a Rainha Negra trata Ororo como escrava, revelando como o lado sombrio se apossara dela.



Na segunda, Ciclope tenta entrar em contato com Jean usando o elo mental que existia entre eles. Byrne desenha a sequência sem cenários, com um fundo branco. Em contraste com as outras cenas, repletas de cenários, fica claro que aquela sequência se desenrola num espaço mental. E é nesse ambiente que Cíclope é derrotado e morto pelo Mestre Mental em um duelo de espadas.

Psicopatas: modus operandi e assinatura

 


         O modus operandi é a forma como o criminoso comete o crime. É dinâmico e maleável e melhora à medida em que o infrator ganha experiência e confiança.
         Um ladrão novato pode entrar em uma casa quebrando a vidraça. Esse é o seu modus operandi. Ele pode perceber que o método anterior é arriscado, pois chama atenção e torna o roubo arriscado e apressado. Numa próxima vez, ele pode levar equipamentos que tornem o arrombamento mais garantido e silencioso, mudando assim seu modus operandi.
         Ao contrário do modus operandi, a assinatura nunca muda, pois faz parte da fantasia do psicopata e é sua forma de dizer que aquele crime é de sua responsabilidade.
         Todo psicopata sente orgulho de suas ações e sente que fez uma espécie de obra de arte. Alessandro Marques Gonçalves, que se fazia passar por médico, não escondeu a cabeça quando foi preso. Ao contrário, deixou-se filmar à vontade.
         O promotor de eventos Michael Alig era querido por todos e foi o grande responsável por difundir a cultura clubber em Nova York, organizando festas itinerantes. Em 1996 ele matou um amigo em sua casa. Quando o corpo começou a feder, ele retalhou-o em pedaços e jogou os restos no rio Hudson. Dias depois num programa de TV, o promotor simplesmente contou o que tinha feito em detalhes, orgulhoso. Os jornalistas não acreditaram, mas pouco tempo depois a polícia achou os resto do corpo no rio.

Quer saber mais sobre Psicopatas? Clique aqui

Elvis - uma cinebiografia narrada pelo vilão

 


Um rapaz desconhecido que sai de uma cidade do Tennessee para se tornar rapidamente o cantor mais popular da América. Essa é a história por trás de Elvis, filme de Baz Luhrmann.

O filme tem um vilão, o trapaceiro Coronel Parker, que manipula Elvis, o explora e o submete uma rotina exaustiva de shows que leva o cantor a se viciar em remédios e finalmente provoca sua morte com apenas 42 anos. E essa é a primeira inovação da película: Parker (brilhantemente interpretado por Tom Hanks) é o narrador do filme. Enquanto joga nas máquinas de caça níqueis (ele perdia fortunas em Las Vegas), ele relata como conheceu o cantor e como o transformou num sucesso.

Essa estratégia narrativa cria momentos irônicos, em que o que é narrado é o oposto do que aconteceu, como quando o Coronel se vangoloria pelo formato do especial de Natal. Ele tinha pensado num comportado especial com Elvis cantando musicais natalinas, mas o cantor contrata produtores musicais que inovam introduzindo números de puro rock´n roll, com forte influência da música negra, para desespero de Parker. Quando o especial faz sucesso e renova a carreira do protagonista, ele se vangloria.

Baz Luhrmann parece estar disposto a qualquer meio para contar a biografia do autor, e chega usar animação quando conta a influência dos quadrinhos do Capitão Marvel sobre Elvis.

Um momento especial do filme é a sequência que mostra a influência da música negra sobre o Presley. Ele brecha um cantor num bar, que canta para casais dançarem. De lá vai para uma tenda onde acontece uma cerimônia gospel e lá é “possuído pelo espírito”. Luhrmann usa ângulos, planos e cortes não convencionais para destacar o impacto que esse momento teve sobre rapaz, criando uma sequêcia extremamente imersiva.

Elvis se diferencia de outras cinebiografias de astros de rock ao não ser também um show. As músicas estão lá, mas aparecem para narrar a história ou fazer comentários sobre o que está acontecendo.

À certa altura, por exemplo, Elvis está fazendo um show num cassino em Las Vegas enquanto seu empresário, contra sua vontade, assina um contrato de cinco anos ao mesmo tempo em que consegue o perdão de suas dívidas. No palco, Elvis canta Suspicious Minds, cuja letra tem trechos que parecem demonstrar um grito de socorro do cantor: “Nós caímos numa armadilha/E não posso sair dela” e outros que parecem refletir as desculpas do Coronel Parker: “Nós não podemos continuar juntos/Com essas desconfianças/Nós não podemos construir nossos sonhos/Em mentes desconfiadas”.

Elvis é muito mais que uma cinebiografia de um músico. É uma experiência cinematográfica extraordinária.

Capitão América: os hibernantes

 


Junto com o Dr. Estranho, o Capitão América sempre foi o meu personagem predileto na Marvel. Uma das razões foram os desenhos desanimados da década de 1960, decalcados diretamente das histórias de Stan Lee e Jack Kirby, em especial a história dos Hibernantes.
Nesse episódio, o Caveira Vermelha, temendo ver o nazismo derrotado na Segunda Guerra, deixa planejada uma vingança: três monstruosos e invencíveis robôs que vão ser despertados 20 anos depois, fazendo ressurgir o III Reich. Os robôs, que se unem, formando um só, parecem invencíveis e não são detidos nem mesmo por mísseis ou aviões militares. No meio da história, o Capitão descobre que o verdadeiro plano é fazê-los entrar no núcleo terrestre, onde a cabeça-bomba irá explodir com o calor provocando uma reação em cadeia que culminará com a destruição do planeta.
Até assistir a esse episódio, tudo que eu havia visto de super-heróis eram os ingênuos desenhos dos Superamigos, com ameaças que nunca pareciam realmente sérias e heróis que venciam os obstáculos com muita facilidade. Ali tudo parecia uma grande brincadeira em que nada de realmente sério poderia acontecer.
Perto das aventuras da DC, essa história parecia visceral: os Hibernantes eram uma ameça real, grandiosa, com um fundo histórico, um vilão realmente maligno, uma trama bem elaborada... e muita, muita ação. E havia a narrativa em off, que eu simplesmente adorava. Além disso, o herói que parecia ter poucos poderes na comparação com personagens como o Super-homem ou poucos recursos, na comparação com a parafernalha tecnológica de um Batman.  
No entanto, o Capitão consegue frustar os planos do Caveira usando principalmente sua coragem e um plano simples.
Aquilo parecia totalmente revolucionário para um garoto de 8 anos.
Posteriormente consegui ler a história original, no volume da Biblioteca Histórica Marvel e não fiquei decepcionado.  A história tinha todas as características que eu lembrava, mais a arte pura e explosiva de Jack Kirby. A história dos hibernantes é decididamente um épico. E são apenas três episódios de 10 páginas cada. 30 páginas no total! Bons tempos em que os criadores de quadrinhos conseguiam contar boas histórias de maneira sintética.

Conan – A cidadela no centro do tempo

 


A revista Savage Sword of Conan 7 foi totalmente ocupada por uma história longa, escrita por Roy Thomas e desenhada por John Buscema e Alfredo Acala.

A história nitidamente surgiu de uma ideia anterior de Thomas, na primeira adaptação do clássico A torre do elefante. Naquela história, Thomas colocara o deus-elefante lembrando de fatos do passado e do futuro, o que não fazia muito sentido, já que ele não tinha capacidade de vislumbrar fatos posteriores (as lembranças do passado faziam sentido, já que ele era um ser muito antigo, que tinha chegado à Terra na aurora da humanidade).

Conan se encanta com uma dançarina. 


Thomas imaginou um rei feiticeiro da Babilônia, Shamash-Shum-Ukin, que ao ver sua cidade ser conquistada, realiza um encatamento que leva ele e seu castelo para a era hiboriana. Junto com esse feitiço surge um poço no qual o feiticeiro desce coisas de sua era e recebe objetos, animais e humanos de outras eras, como homens da Idade das Pedras ou dinossauros.

Como Conan se encaixa nessa trama? Simples, em visita à cidade (com o objetivo de entrar no castelo do feiticeiro e roubar suas riquezas), Conan se encanta com uma dançarina em um bordel chamada Alhambra (alguns nomes em inglês devem parecer exóticos e interessantes, já em português...). Mas o encanto logo se transforma em decepção quando ela droga sua bebida e o leva para o feiticeiro com o objetivo de colocá-lo no poço como oferenda. Uma trama típica do cimérico, no qual não se podia confiar em pessoas da cidade.

A história traz uma interpretação única sobre eras passadas e futuras. 


Claro que Conan consegue se livrar das amarras, mas é vencido pelos homens das cavernas e logo estão ele e a garota no poço – onde Thomas pode exercitar sua verve, mostrando o passado e o futuro e mesclando épocas históricas com a cronologia de Robert. E. Howard: “A cena muda e ele vê uma terra semelhante à Stygia, mas que, certamente, se encontra do outro lado do abismo temporal. Entao, outro salto para o passado... colossais e grotescas formas de vida enfrentam-se numa batalha pela supremacia e sobrevivência numa terra muito mais jovem... e nem sonham que estão todos condenados à extinção”.

Essa trama grandiosa poderia se tornar banal nas mãos de ilustradores menos habilidosos, mas Buscema e Alcala a tornam ainda mais monumental, com destaque para as cenas em que aparece o dinossauro.   

quarta-feira, agosto 30, 2023

Conan – A sombra do mausoléu

 


Nos muitos anos nos quais trabalhou em Conan, Roy Thomas não só o transformou em um dos personagens mais populares da Marvel e dos quadrinhos, mas também ampliou sua mitologia, indo muito além daquilo que Robert E. Howard havia escrito.

A história A sombra no Mausoléu, publicada em Conan the barbarian 31 se encaixa nessa categoria.

Na época em que se passa essa história, Conan era mercenário a serviço da tropa turaniana. A história começa com os homens da colina atacando o tropa.

John Buscema sabia dar movimento a uma cena de impacto. 


A imagem grandiosa, cortesia de John Buscema e Ernie Chan, mostra os selvagens pulando sobre os soldados. O texto, primoroso, dizia: “O sol estava em seu ponto mais alto quando os homens das colinas atacaram! Havia machados em suas mãos... velhos ressentimentos no peito... e gritos de guerra em seus lábios contorcidos”.

Para escapar ao ataque, os soldados se refugiam em uma caverna, mas a solução é provisória: em algum momento eles terão que sair e se defrontar com o numeroso grupo. Mas o chefe dos selvagens faz uma proposta: se um dos soldados aceitar enfrentar o campeão deles (um homem monstruosamente enorme) e vencê-lo, o grupo poderá partir em segurança.

Como vencer um gigante? Talvez com uma espada mágica. 


O capitão da guarda reflete: “Para vencer aquele gigante, eu precisaria de uma espada encantada, mas como conseguir algo assim?”.

A frase traz para Conan lembranças de sua juventude (e aqui uma sacada genial de Thomas, que pede a Buscema que mostre o cimério da mesma forma como ele retratado por Barry Smith, estabelecendo, assim, que a fase do desenhista inglês mostrava a juventude do bárbaro).

No flash back, Buscema mostra Conan com o mesmo visual de Barry Smith. 


No flash back, Conan enfrenta um urso branco e cai numa câmera, onde encontra uma espada enfeitiçada, que transforma sua sombra em inimigo.

Um dos charmes dessa HQ, além de mostrar um detalhe desconhecido da vida do cimério, é o final, com uma muito bem bolada ironia do destino.

Essa história foi publicada pela editora Abril em heróis da TV 51.

Cabanagem

 


1836. A cabanagem foi derrotada em Belém e se espalhou pelos rios da Amazônia. Um pequeno grupo de índios, negros e mestiços liderada pelo misterioso Chico Patuá se dirige para o Amapá singrando os pequenos rios da região. No seu encalço, o governo regencial mandou soldados comandados por um psicopata assassino, Dom Rodrigo. Em meio a essa disputa, soma-se outra, quando os seres da floresta (Matinta, Jurupari, Cobra Norato, Mapinguari) resolvem tomar partido na contenda, alguns ficando a favor de Chico e outros se aliando a Dom Rodrigo. Cabanagem é um romance de fantasia histórica que mistura fatos reais com mitologia amazônica e terror no melhor estilo Gian Danton.

Jornada nas estrelas - Uma guerra particular

 


Jornada nas estrelas tem uma visão positiva sobre o futuro, em que a evolução tecnologica seria acompanhada de uma evolução espiritual.

O episódio Uma guerra particular é um daqueles momentos que parecem ir na contramão dessa visão.

Na história, a Enterprise visita um planeta conhecido de Kirk. Na adolescência ele visitara o local e fizera um relatório que previa um desenvolvimento pacífico para seus habitantes.

Mas, quando descem, Spock é alvejado por um dos locais, que, surpreendentemente, usa um mosquete. Poucos anos depois a arma mais evoluída do planeta era o arco e flecha.

Enquanto Spock luta entre a vida e a morte, Kirk tenta descobrir o que está acontecendo. A suspeita é que os klingon introduzir armas de fogo no local para criarem aliados no planeta até então neutro. Nesse meio tempo, Kirk é mordido por um animal venenoso e salvo por uma curandeira, esposa de seu amigo de longa data.

Com a percepção de que um dos lados tem armas de fogo fornecidas pelos Klingons, Kirk resolve armar o outro lado, numa estratégia no mínimo controversa.

Nem às lutas ou a feiticeira sensual conseguem desfazer o tom pessimista que domina o episódio. Um tom resumindo na expressão de Kirk: "uma serpente no jardim do Éden".

Esquadrão Atari – Sem ninguém

 


De todos os personagens do Esquadrão Atari, o mais inusitado é o Bebê. Imagine um ser imenso, extremamente forte, mas que pensa e fala como uma criança pequena. A introdução dele na equipe por si só já tornaria a série revolucionária.

O número 8 da publicação foi totalmente focado nesse personagem e, por isso mesmo, é um dos melhores de toda a série.

A históri fornece o cenário ideal para a criatividade de Garcia-López


No número anterior, Morfea vai até a nave do vilão para resgatar Chris, Martin, Dart e Paco Rato. Preocupado, Bebê resolve embarcar numa nave auxiliar e procurar pela empata. No processo, ele acaba indo parar em um planeta desconhecido e é atacado por um monstro de três cabeças, mas consegue com facilidade rechaçar o ataque. “A gente tá perdido?”, pergunta ele, em meio ao choro convulso. “Bebê saiu do módulo pra salvar Morfa do homem mau. Bebê só queria ajudar!”.

Pouco depois ele acaba achando o último sobrevivente da raça local, o baixinho que posteriormente seria chamado de Taz e, mesmo sem entender o que estava fazendo, acaba ajudando o baixinho a vingar seu povo, exterminado por invasores.

Mesmo com todos os problemas de comunicação, os personagens conseguem se entender. 


Essa história, simples, mas tocante é um encontro de genialidades. Gerry Conway, o roteirista, maneja muito bem os diálogos de três personagens difíceis. Hukka é um animal com inteligência limitada que fala frases como “Hukka!! Machucado! Hukka!”. Taz fala em uma língua desconhecida, representada por caracteres desconhecidos. E bebê, bem, ele fala como um bebê. Imagine então as conversas entabuladas por esses três. E, incrivelmente, o leitor entende, ou advinha, tudo que está sendo dito.

Bebê ajuda o baixinho a combater os invasores. 


Já Garcia-López encontra, nessa história, o cenário ideal para sua imaginação. A paisagem alienígena, os animais alienígenas, tudo é impressionante.

A arte vintage de Steve Rude

 


 


Steve Rude é um dos mais apreciados desenhistas dos quadrinhos norte-americanos. Seu traço anatômico, remetendo ao um estilo vintage criou uma geração de fãs. Seu trabalho mais conhecido é Nexus, em parceria com o roteirista Mike Baron, mas ele também diversos trabalhos para a Marvel e para a DC, sempre emprestando um charme clássico aos personagens. Um dos seus trabalhos mais conhecidos é a minissérie Melhores do mundo, com roteiro de Dave Gibbons.





Três balas: uma história sobre amizade

 


Zumbis e outras criaturas das trevas é uma antologia organizada por Franco de Rosa e publicada pela editora Kalaco em 2012. A publicação, com quase 250 páginas, reúne um time de primeira dos quadrinhos nacionais, incluindo o mestre do terror Rubens Francisco Lucchetti, Julio Shimamoto, Alexandre Jubran, Mozart Couto e muitos outros.



Eu colaborei com a HQ "Três balas" e tive a honra de ver meu texto desenhado pelo grande Walmir Amaral. Quem lia quadrinhos nas décadas de 1970 e 1980 dificilmente deixou de ler alguma coisa com o traço do Walmir. Ele produziu a maior parte das capas da famosa revista Kripta, quadrinhos e capas para a revista do Fantasma. A história parte da seguinte premissa: o que você faria se seus melhores amigos se transformassem em zumbis?"Três balas" é, essencialmente, uma história sobre amizade e foi muito influenciada pelo trabalho de Stephen King, com destaque para a noveleta "O corpo", que deu origem ao filme "Conta comigo".

O museu dos horrores

 

Há certas profissões que a idade não é desmérito. O ofício da escrita é um deles. A maioria dos bons escritores vai apenas melhorando a cada ano, desenvolvendo sua linguagem e seu estilo, tirando as gorduras do texto, deixando-o cada vez mais fluído. 
Exemplo disso é R. F. Rubens Francisco Lucchetti, um dos mais importante escritores e roteiristas brasileiros. Lucchetti passou algum tempo esquecido, mas agora volta à carga com uma coleção de livros cujo segundo exemplar é O museu dos horrores.
O livro é focado em dois empresários de uma transportadora que se vêem envolvidos numa trama sobrenatural graças a uma encomenda para o museu de cera de Londres.
Se há uma palavra que pode resumir esse livro é: divertido. Pode parecer paradoxal associar diversão a um livro de terror, mas é exatamente isso que o livro entrega. A leitura é fluída, tem ótimas sacadas de humor (em determinado momento um dos personagens diz que alguém está correndo risco de vida, ao que outra pessoa retruca: se estivesse correndo risco de vida seria ótimo, ele está correndo risco de morte!), um texto fluído em que uma frase puxa a outra naturalmente, suspense na medida certa e, finalmente, terror.
Rubens Francisco Lucchetti dá uma lição de como contar uma história, com ritmo adequado, corte e elipse no momento exato, frases curtas, parágrafos pequenos. Se não fossem algumas palavras mais antigas (como chávena) e a caracterização mais clássica de monstros como Drácula, passaria tranquilamente por um escritor da nova geração. Com um acréscimo: a experiência de anos produzindo textos. Percebe-se claramente que produzir uma boa narrativa já se tornou algo natural para esse grande mestre do terror.
Se tudo isso já não bastasse, são livrinhos baratos (20 reais) e podem ser adquiridos diretamente com o autor - com direito a autógrafo.
Imperdível!