sábado, setembro 30, 2023

TEA e TDAH

 

Aos 52 anos descobri que sou autista nível 2 e TDAH. Eu poderia dizer que estou surpreso, mas estaria mentindo.

Entre as minhas lembranças mais antigas está está aquela em que eu me sentia extremamente incomodado com o contato da roupa contra a pele. Fazia frio, estávamos fazendo uma viagem de trem e minha avó me colocou um agasalho. Eu devia ter uns quatro anos.

Durante a minha infância morei no sul de Minas um local que naquela época dominava um silêncio tranquilizador, mas quando nos mudamos para Belém, uma das minhas lembranças era o som alto da vizinha e eu com uma dor de cabeça terrível.

Descobrir o autismo explica porque eu fico totalmente atordoado com som alto a ponto de já ter tido inclusive crises de labirintite labirintite.

Foi também em Belém que percebi pela primeira vez a minha total inabilidade social. Quando fazia a crisma ao final da aula o grupo se reunia entre conversas e risos. Eu me mantinha afastado. Eu conseguia conversar com uma pessoa em particular, mas tinha muita dificuldade com grupos, pois não conseguia acompanhar o fluxo da conversa. Da mesma forma, quando conhecia alguém, não tinha a menor ideia de como puxar assunto.

Olhando as fotos dessas época, percebo que a questão da hiper-sensiblidade da pele provocava um efeito cômico. Eu era muito magro e parecia que eu tinha roubado todo o meu guarda-roupa de alguém com 30 quilos a mais.

Havia claro também também a dificuldade com o contato físico. Eu odiava pessoas que me tocavam enquanto falavam comigo, mas mesmo algo mais simples como um aperto de mão é no máximo tolerável. Pessoas desconhecidas que me abraçavam? Ah isso com certeza me deixava desconfortável!

Quanto ao hiper-foco, é óbvio. Na primeira oportunidade, lá estava eu falando de quadrinhos. Por sorte, na época em que esse hiper-foco principal se desenvolveu (década de 1980, época de Watchmen e Cavaleiro das Trevas), muitas pessoas liam quadrinhos e era fácil encontrar alguém para conversar sobre o assunto.

Eu tinha também a tendência a me isolar. Enquanto a maioria das pessoas tem um verdadeiro pavor da solidão, eu consigo lidar muito bem com isso. Alguns dos momentos mais felizes da minha vida eu estava ou sozinho ou acompanhado de um pequeno grupo de amigos ou familiares. Não lembro de uma única ocasião em que eu estivesse em um grupo grande e me sentisse ao menos confortável.

Pode-se se perguntar por que nas gerações antigas raramente um indivíduo era diagnosticado com autismo. A razão disso é que dificilmente alguém pensava que aquela pessoa com comportamento divergente era autista. Na maioria das vezes essa pessoa só era vista como estranha.

A arte magnífica de Arthur Rackham

 



Arthur Rackham começou sua carreira na era vitoriana, fazendo ilustrações para revistas enquanto trabalhava como escriturário.

Em 1892 ele pediu demissão e resolveu se dedicar apenas ao trabalho de ilustração. À princípio imitando artistas famosos da época, ele só desenvolveu um estilo um estilo próprio quando começou a ilustrar livros.

A grande virada viria em 1905, quando Rackham colocou suas pinturas numa edição de Rip Van Winkle Washington Irving. Estava encontrado seu caminho: a fantasia. Esse livro já apresentava as características que o tornaram famoso: as linhas sinuosas suavizadas por aquarela, as árvores ameaçadoras, as fadas castas e ao mesmo tempo sensuais, ogros e trolls incrivelmente feios, mas igualmente simpáticos. Suas imagens transmitiam saudosismo, beleza e sensualidade recatada.

Outros trabalhos importantes do pintor foram Peter Pan, Alice no país das maravilhas, Sonhos de uma noite de verão e Contos, de Edgar Alan Poe e O Anel do Nibelungo, de Richard Wagner.









Os melhores do mundo

 


Super-homem e Batman são os dois mais famosos heróis da DC. Embora sejam totalmente diferentes um do outro, foram unidos em uma das revistas de maior sucesso da Era de Prata, a Word´s Finest (conhecida aqui como Melhores do Mundo). Um dos fãs dessa revista era o desenhista Dave Gibbons, famoso pela série Watchmen. Gibbons propôs à DC fazer uma série, revivendo a parceria. Para desenhá-la foi escalado Steve Rude O resultado foi uma das melhores publicações da década de 1990.
Em muitos sentidos, Melhores do Mundo é o oposto de Watchmen. Se Watchmen teve como principal mérito a desconstrução dos super-heróis, em uma abordagem extremamente realista, Melhores do Mundo é uma homenagem aos heróis e às suas características mais marcantes.
Pelo que pode-se ler do roteiro no final do volume publicado pela Panini, Gibbons deu total liberdade narrativa a Steve Rude, descrevendo apenas sequências, que o desenhista poderia desenvolver de acordo com sua própria narrativa visual. E, meus amigos, Rude é a grande atração da revista. Seu desenho de linhas simples, limpas, mas repleto de detalhes de fundo, é simplesmente perfeito para o projeto. A sequência em que Bruce Wayne visita o Planeta Diário é um bom exemplo disso. Embora o foco seja a convera de Wayne com Lois Lane, as mulheres que passam por eles e olham maravilhadas para o milionário ajudam a caracterizar o alter-ego do Batman como um galã pelo qual todas as mulhes se apaixonam.
O traço limpo e anatômico de Steve Rude era um alívio numa época em que até os músculos dos heróis tinham músculos.

Na história, os vilões fazem um acordo e trocam de cidade: assim, o Coringa vai para Metrópoles e Lex Luthor tenta dominar Gothan. Esse acordo faz com que o Super-homem e Batman também troquem de cidade.
A caracterização dos dois locais é um dos pontos altos da série: Gothan é uma cidade gótica e sombria, suja, enquanto Metrópolis é uma iluminada e dourada cidade art-decó.
Essa dicotomia se reflete também nos protagonistas. Na primeira vez que se encontram, Bruce Wayne e Clark Kent estão abaixo de um relógio, que marca meia-noite e cinco. Wayne diz: “Boa noite”, ao que o outro retruca: “Bom dia”.
Publicada no início dos anos 1990, Os melhores do mundo era um verdadeiro ponto fora da curva numa época em que os heróis estavam se tornando cada vez mais sombrios e violentos e o desenho se tornava uma atração em si (como se fossem pôsteres), deixando a narrativa em segundo plano. Na década de 1990, até os músculos dos heróis tinham músculos.
A série era uma deliciosa volta aos tempos em que os quadrinhos eram apenas divertidos.

Hulk – homem ou monstro?

 


Atualmente, quando pensa no Hulk, poucas pessoas lembrariam no monstro de Frankstein. No entanto, essa, segundo Stan Lee foi uma das principais referências na criação do personagem. Segundo o roteirista, Martin Goodman, chefão da Marvel pediu para Lee criar algo baseado no monstro vivido na tela por Boris Karloff.

Anos depois, Jack Kirby afirmou que a ideia para o personagem surgiu quando viu uma mulher levantando um carro para salvar seu filho preso nas ferragens, demonstrando o poder que podemos ter em situações de stress. No entanto, nada na primeira história, publicada em The incredible Hulk 1, de 1962 (e aqui republicada no primeiro número da Coleção Clássica Marvel dedicada ao personagem), parece indicar isso. Tudo na verdade, leva a crer que Karloff foi mesmo a principal referencia.

No início o Hulk era muito parecido com o monstro de Frankstein. 

Para começar, na primeira história, Bruce Banner não se transforma no Hulk quando está bravo, mas quando fica noite. É um esquema tirado diretamente das histórias de terror: de dia humano, de noite monstro.

Além disso, visualmente, o personagem se parece muito com o Frankstein de Karloff. Mesmo transformado, ele continua com sapatos, por exemplo, assim como calça e camisa (rasgados, é verdade, mas ainda estão lá). O visual que conhecemos, com o Hulk com a calça rasgada formado uma espécie de bermuda só surgiria posteriormente.

Jack Kirby consegue um efeito impressionante ao mostrar Banner sendo bombardeado pelos raios gama.

O personagem mudaria muito, mas já nessa primeira história fica clara a sintonia da dupla de gênios Stan Lee – Jack Kirby, como no momento em que Banner é bombardeado pelos raios gama. Kirby faz um ótimo trabalho com luz e sombras, quase como a se a imagem fosse um raio-x, enquanto Lee nos brinda com o texto: “O mundo parece congelar, oscilando no limiar do infinito quando um aterrador grito ecoa pelo ar”.  

Capas de pulp fictions

 


 

Os pulp fiction eram revistas publicadas em papel barato (daí o nome, que se refere a um tipo de papel) e publicavam na sua maioria contos e noveletas. Os temas iam da ficção-científica ao terror, passando pelo policial e pela fantasia. Um dos grandes destaques dessas publicações eram as capas, em especial as produzidas na era de ouro desse tipo de publicação, os anos 1930. Deixo com você algumas das mais interessantes. 





Origens secretas - filme policial explora o universo dos quadrinhos

 


Um homem é encontrado morto numa espécie de academia clandestina. Ao investigar, descobrem que ele era um cientista magro que em poucos meses se transformou num monstro musculoso. E mais: sua pele se tornou cinza. Esse assassinato remete diretamente ao primeiro número do incrível Hulk em que o magrelo cientista Bruce Banner se torna no monstro cinza Hulk. Sim, cinza, pois era essa a cor do personagem no início.
Esse é o primeiro de uma série de assassinatos que deverá ser desvendado pela polícia de Madrid. Para ajudar a solucioná-los, um detetive aposentado indica para o policial que irá substitui-lo seu filho, dono de uma loja de quadrinhos. E é formada uma dupla totalmente disfuncional: de um lado o detetive David, que odeia super-heróis e acha que quadrinhos são para crianças. Do outro, o nerd Jorge Elias, uma enciclopédia sobre quadrinhos, que consegue perceber todas as pistas quadrinísticas deixadas pelo assassino que levarão aos próximos casos. Completa o trio a chefe da polícia, que faz cosplay nas horas vagas e muitas vezes aparece na cena do crime vestida de personagem de anime ou de quadrinhos.
A temática poderia ser abordada em tom dramático, como um Seven quadrinístico, mas a opção do diretor David Galán Galindo preferiu levar o filme "Origens secretas", lançado pela Netflix, na direção da comédia – com uma quantidade enorme de piadas e referências à cultura pop em cada sequência. Como não podiam mostrar os quadrinhos originais, por uma questão de direitos autorais, os produtores criaram algumas peças interessantes. Logo que entra pela primeira vez na loja de quadrinhos, o detetive se deparada com um item raro, o gibi que mostrava a luta de Muhammad Ali contra o Superman. Mas, em decorrência do já citado problema com direitos autorais, aparece um boxeador lutando contra um herói genérico chamado Zinco. O nome do boxeador? Neal O´Neil, uma referência a Neal Adams e Denny O´Neil, respectivamente desenhista e roteirista do gibi original.
A ênfase no humor e a decisão de fazer um filme que começa como policial e termina como super-heroiesco faz com que o filme peque na profundidade dos personagens. Mas é um bom filme, divertido, que irá alegrar a maioria dos fãs e tem a atração de tentar não só adivinhar quais serão os próximos crimes, mas perceber todas as referências.

Ah, sim: tem cena pós-créditos.

sexta-feira, setembro 29, 2023

Fundo do baú - Corrida Maluca

 


Corrida Maluca é uma série animada produzida pelo estúdio Hanna-barbera entre 1969 e 1968 num total de 34 episódios.

O que pouca gente sabe é que essa série é baseada num filme, A corrida do século, de 1965, dirigido por Blake Edwards. O filme acompanhava o egocêntrico O grande Leslie, que propõe aos construtores de veículos na virada do século XIX para o século XX uma corrida de Nova York a Paris, cruzando o estreito de Bering. Mas o bigodudo e diabólico Professor Fate está disposto a derrotar o galã usando de todos os meios sórdidos possíveis.

Entre os competidores estava Maggie DuBois, uma linda jornalista que luta esgrima e está muito à frente de seu tempo.

Corrida Maluca aproveita diretamente esses personagens. O Grande Leslie transformou-se em Peter Pefeito. O Professor Fate tornou-se o Dick Vigarista. O fiel escudeiro do professor Fate, Max Meen, deu origem ao cachorro Muttley, um cachorro louco por medalhas.

Já Maggie DuBois deu origem à mais carismática personagem da animação, Penélope Charmosa.

A trama de Corrida Maluca trata de várias corridas com os carros mais bizarros possíveis (incluindo um carro de pedra, pilotado por homens da caverna, um carro mal-assombrado e um carro pilotado por simpáticos gangesteres).

Em todas as competições, Dick Vigarista parece mais interessado em criar armadilhas para os outros competidores (que sempre dão errado) do que de fato ganhar a corrida. De fato, na maioria dos episódios ele está liderando por uma grande vantagem quando para no meio do caminho para montar uma das suas muitas armadilhas. Invariavelmente isso fazia com que ele terminasse em último lugar.

O sucesso da série fez com que o estúdio criasse duas outras animações derivadas, Os apuros de Penélope, focado na Penélope Charmosa e Dick Vigarista e Muttley. O primeiro mostrava Penélope como herdeira de uma grande fortuna sendo perseguida pelo vilão Tião Gavião e contando com o apoio da Quadrilha da Morte para protegê-la. O segundo mostrava Dick Vigarista perseguindo o pombo-correio Doodle, que levava mensagens para os aliados durante a I Guerra Mundial. 

Surfista Prateado: Parábola

 


Poucos títulos para uma obra poderiam ser tão adequados quanto a graphic novel do Surfista Parábola escrita por Stan Lee e desenhada por Moebius.
Quando os dois se encontraram em uma feira do livro, surgiu a ideia de fazer um trabalho em conjunto e Moebius sugeriu o Surfista. Mas como adequar a história ao estilo do autor francês? Lee voltou à origem do personagem. Conta-se que no argumento original da aparição de Galactus estava escrito: “O Quarteto Fantástico enfrenta deus!”.

Stan Lee retoma esse conceito, usando-como uma história alegórica, sobre os perigos da religião cega. Na HQ galactus volta à terra, mas não ataca. Simplesmente mostra o seu poder e se deixa idolatrar pelos humanos. Mas é uma religião cega e irracional, que leva a uma onda de irracionalidade, violência e intolerância.
Stan Lee coloca na HQ muito da sua maneira de ver o mundo, em especial nas falas do Surfista: “eles têm sede de lideranças, como um bebê que anseia o ventre materno. Certamente é por isso que são presas tão fáceis de tiranos e ditadores. Por que não percebem que a fé mais verdadeira de alguém é a fé em si mesmo? O que lhe causou desespero a ponto de buscar alguém que lhes mostre o caminho?”.

Moebius, por outro lado, buscou refletir na arte essa essência alegórica. Seu traço é fluído, leve, automático. São belíssimas páginas, com destaque para o confronto entre Galactus e o Surfista.
Essa história foi lançada aqui originalmente na coleção Graphic Novel, da editora Abril. Posteriormente a Panini fez uma edição em capa dura que até hoje pode ser encontrada em livrarias. 

Hulk no divã

 


Colocar Bruce Banner, o Hulk e o Hulk cinza numa sessão de psicoterapia. Essa ideia maluca e revolucionária saiu da cabeça de Peter David e poderia ter se transformado num tremendo fiasco, mas se tornou num grande momento do personagem graças ao bom trabalho do roteirista.

A história, publicada em The incredible Hulk 376 e 377 começa com Bruce Banner simplesmente entrando em pane enquanto dentro de sua cabeça o Hulk verde e o Hulk cinza brigam. No mundo real, isso se reflete numa transformação bizarra, um ser que é uma mistura dos três.

Quando a situação se acalma e Banner é levado para um hospital, Doc Sanson, o herói psicólogo, hipnotiza Banner e começa uma sessão de psicoterapia para entender o que realmente está acontecendo dentro da mente do cientista e suas contrapartes monstruosas.

O eixo da história é uma sessão de terapia com Banner e os hulks. 


Aí Peter David aproveita um gancho deixado pelo roteirista anterior, Bill Mantlo (que, segundo alguns, teria roubado a ideia do desenhista Barry Smith). Nessa visão, quando era criança, Bruce Banner sofreu abusos por parte do pai e, em consequência disso, desenvolveu múltiplas personalidades. O problema é que a radiação gama transformou essas personalidades em monstros reais: o Hulk e o Hulk cinza. Essas contrapartes já existiam em sua mente, mas não eram exterioriorizadas. Diante dos traumas, o pequeno Banner se fechou em si mesmo, incapaz de revelar emoções. Assim, o Hulk cinza é a sua contraparte extrovertida, mulherenga, grosseira. Já o Hulk verde é o ódio explosivo que ele sente dentro de si – o que explica porque, com quanto mais raiva o personagem fica, mais forte ele se torna.

O interessante aí é que Peter David e o desenhista Dale Keown acharam uma forma visualmente interessante para mostrar esses conflitos internos. Os conflitos de personalidade são mostrados como lutas entre os hulks. O pai é mostrado como um monstro gigante com uma fileira de dentes assustadores.

Quem diria que uma sessão no divã poderia se tornar uma tremenda história de super-herois.

Propostas discordantes no jornalismo

 


Na história do jornalismo percebemos que nem todos leram pela cartilha da objetividade e da pirâmide invertida.

Alguns movimentos e publicações discordavam abertamente do atual modelo de reportagens e apresentavam propostas de mudanças.

Uns se contentaram em mudar a pauta, realizando publicações sobre assuntos pouco enfocados pela imprensa estabelecida. É o caso da imprensa alternativa.

Outros propuseram uma mudança radical até mesmo no jeito de fazer jornalismo. Eu as chamei de "propostas discordantes". Tais propostas colocaram em xeque nossa idéia de imprensa e nos fizeram perguntar o que realmente caracteriza o jornalismo.
Capote, um dos criadores do novo jornalismo


Novo jornalismo

A proposta de aproximar o jornalismo da literatura não é nova. Muitos escritores transformaram reportagens em obras literárias. Exemplo disso é o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, um verdadeiro marco tanto da imprensa quanto da literatura brasileira.

Mas o grande mentor dessa relação foi o norte-americano Truman Capote. Ele acreditava que a reportagem poderia ser uma arte tão requintada quanto qualquer outra forma de prosa, tais como o ensaio, o conto e a novela.

Para provar sua tese, ele procurou o tipo mais baixo de matéria jornalística: a entrevista com astros.

Os brasileiros sabem o quanto é descartável esse jornalismo praticado por revistas como Contigo, Caras e Quem.

Capote queria transformar esse tipo de matéria em uma arte autêntica, provando que o jornalismo poderia ser um gênero literário.

Para isso ele procurou o ator Marlon Brando, então no auge da fama. Capote passou uma noite com Brando em um apartamento em Kioto, no Japão, onde o astro estava filmando Sayonara, de Joshua Logan.

Os dois conversaram a noite inteira, sem que Capote gravasse ou fizesse anotações. Ele acreditava que esses recursos criam um clima artificial e destrói a naturalidade por parte do entrevistado.

O resultado foi publicado na revista New Yorker em 1956 com o título de "O Duque em seus domínios".

Estava criado o Novo Jornalismo.

O texto mostrava o ator de maneira até então inédita e antecipava até mesmo a gordura de Brando (que chegou a pesar, nos anos seguintes, 120 quilos). O ator admitiu, entre outras coisas, que se sentia ofuscado pelo sucesso: "Um excesso de êxito pode arruinar um homem tão irremediavelmente quanto um excesso de fracasso".

Brando aceitou seu perfil como fidedigno, mas disse que se sentiu traído: "Aquele pequeno canalha passou a metade da noite me contando seus problemas. Achei que o mínimo que poderia fazer era contar-lhe os meus".

Em 1959, ao saber que quatro membros de uma família de fazendeiros haviam sido assassinados brutalmente (eles foram amarrados, amordaçados e receberam tiros na cabeça), Capote rumou para a cidade em que havia acontecido o crime, Garden City, decidido a chegar ao ápice de seu projeto de narrar a realidade como ficção.

Passou cinco anos pesquisando. Entrevistou, perguntou, levantou os menores pormenores do caso, tornou-se amigo dos policiais e até dos criminosos, dois assaltantes de nome Perry Smith e Dick Hickock.

Antes de publicar o relato, ele passou o texto para checadora da revista, Sandy Campbell, que verificou todas as informações. A história foi publicada em capítulos no New Yorker e depois reunida no livro A Sangue Frio, um marco do Novo Jornalismo.


A idéia dessa proposta discordante era dar ao leitor algo mais do que os fatos: a vida subjetiva e emocional dos personagens. Isso fazia com que os autores incluíssem no texto até mesmo o pensamento dos personagens.

Outra técnica do new journalism era a composição: fundir a história de várias pessoas e apresentá-las em uma personagem só, fictício. Além disso, essa corrente defendia o jornalismo investigativo: as histórias deveriam ser exaustivamente pesquisadas e checadas nos mínimos detalhes.

No Brasil o auge do Novo Jornalismo foi a revista Realidade, da editora Abril, que dourou de meados da década de 60 a meados da década 70 e só acabou por causa da censura.



Jornalismo gonzo

O nome mais importante do gonzo jornalismo é o norte-americano Hunter S. Thompson.

Na década de 70 ele foi mandado pela revista Rolling Stone para cobrir uma corrida de motos. Gastou todo o dinheiro que haviam lhe dado com drogas, carros, fez contas em hotéis e saiu sem pagar, arranjou problemas com a polícia e, para piorar, só chegou na corrida de motos quando esta já havia acabado. Ao invés de ser demitido, virou celebridade e acabou criando uma nova forma de fazer jornalismo: o gonzo. O batismo foi feito pelo repórter Bill Cardoso. Ao ver os textos de Hunter, ele comentou: "Não sei o que está fazendo, mas você mudou tudo. Isso está totalmente gonzo".

Hunter continuou produzindo reportagens, sempre sob o lema: "Quando as coisas ficam bizarras, os bizarros viram profissionais".

O gonzo, por suas próprias características, não é uma fórmula que possa ser aplicada a um texto. É muito mais uma atitude diante do mundo e do jornalismo.

É possível, no entanto, perceber algumas características no gonzo jornalismo.

A primeira delas é um ataque radical à teoria da objetividade jornalística.

Para os adeptos do gonzo, o discurso da objetividade quer criar confiança, convencer o leitor de que é isenta, livre de desejos, ideologias, medos e interesses de quem escreve.

Ou seja, a objetividade é um discurso de mascaramento da ideologia que permeia o jornalismo. Não interessa ao gonzo se essa ideologia é neo-liberal ou marxista. O importante é o princípio da objetividade serve para esconder o fato de que nenhuma linguagem é neutra.

O gonzo tira essa máscara e daí surge sua primeira característica formal: os textos são sempre escritos em primeira pessoa. O objetivo não é apenas narrar fatos, mas relatar a experiência de um determinado indivíduo com eles.

O fator de haver um mediador entre a experiência e o leitor é destacada, e não escondida.

O gonzo também quer ir contra a imagem que os jornalistas fazem de si mesmos, de sérios e respeitáveis (exemplo disso é o âncora da Record, Boris Casoy).

Tal imagem contribui para transformar o jornalismo em "discurso autorizado". O jornal é a expressão da verdade, e não de "uma verdade".

Em contraste, os gonzo-jornalistas não pretendem ser nem sérios nem respeitáveis.
Hunter Thompson, o criador o gonzo jornalismo.


A carta de princípios da irmandade Rauol Duke (pseudônimo utilizado por Hunter para evitar problemas com a polícia) nos diz que o repórter "deve se envolver na história e alterar ao máximo os acontecimentos dentro da media do Impossível, de forma a transformá-la não em um mero RELATO do evento, mas sim em uma história ENGRAÇADA e CÁUSTICA".

Entretanto, a ficção pura e simples não serve ao gonzo. Ainda segundo a mesma carta, "o conteúdo dos textos deve ser JORNALÍSTICO, ou seja: um fato precisa estar acontecendo necessariamente".

Para fazer jornalismo gonzo não é necessário procurar fatos bizarros. Aliás, o ideal é abordar fatos normais, banais, sob ponto de vista bizarro e pessoal.

Exemplos de jornalismo gonzo estão se tornando cada vez mais freqüentes na imprensa brasileira. Arthur Veríssimo, da revista Trip, foi o primeiro a celebrizar esse estilo no Brasil. Em uma de suas matérias mais antológicas, ele passou um dia como animador de festas infantis.

A revista Zero, recentemente lançada pelas editora Pool e Lester, também traz características gonzo.

O número de estréia trouxe uma matéria sobre as deusas-vivas do Nepal. O título e subtítulo deixam claro o distanciamento que a procura manter do jornalismo convencional: "É DURO SER DEUSA - No Nepal, o dom divino já nasce com data de expiração. Luiz Cesar Pimentel passou uma tarde na casa de uma ex-deusa viva e mostra a realidade casca-grossa das divindades locais".

O texto é em primeira pessoa e não esconde o ponto de vista do repórter:

Por mais que eu tenha me esforçado no parágrafo anterior para dar a real dimensão da discrepância de uma deusa dormir em um sofá-cama e possuir um vira-lata (que parece uma mistura de poodle com nada) como campainha, a cena para quem passa um período no país não é tão assombroso assim. No Nepal, todas as situações têm uma forte tendência ou a não funcionar ou a funcionar de um jeito totalmente estapafúrdio. E, como você deve imaginar, dá tudo certo no final. Ou quase.

Até mesmo a grande imprensa tem se rendido à bizarrice do jornalismo gonzo, embora de maneira mais comportada.

É na, até pouco tempo sisuda, revista Superinteressante que encontramos um exemplo típico de jornalismo gonzo.

Na matéria "Puro Rock'n'roll", publicada na Superinteressante, número 8, ano 15 de agosto de 2001, o repórter Dagomir Marquezi se disfarçou de saxofonista do grupo Jota Quest e participou de show em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. Como uma típica matéria gonzo, o jornalista também é personagem e o texto é em primeira pessoa:

Não bastava tocar: um trio de metais que se preze também dança. Lembrava-me dos muitos shows de James Brown que assistira. "Um passo para a direita, junta os pés. Um passo para a esquerda, junta os pés". Eu operava a coreografia e meus colegas de metais não se agüentavam de vontade de rir da minha picaretagem artística. O baixista PJ e o tecladista Márcio Buzelin, entre risadas disfarçadas, também faziam sinais de que estava me saindo bem.

Perry Rhodan - 6 décadas de aventuras espaciais

 

A maior série de ficção científica do mundo. Trata-se de Perry Rhodan, uma space opera alemã que vem sendo publicada ininterruptamente desde 1961. No mundo todo já foram publicados mais de um bilhão de livros nas mais diversas línguas e há fã-clube espalhados por vários países, inclusive em alguns em que o personagem não é mais publicado. É um fenômeno poucas vezes observado na história da literatura de gênero. 

Perry Rhodan surgiu como uma reação à dominação norte-americana no campo da FC. No final da década de 1950, esse mercado era totalmente dominado por material vindo dos EUA e os alemães só conseguiam publicar sob pseudônimo. Foi quando dois autores, Karl-Herbert Scheer e Walter Ernsting (também conhecido pelo pseudônimo de Clark Darlton) apresentaram o projeto de um herói audaz à editora alemã Moewig, que topou publicar depois de algumas alterações. Para fazer a capa foi chamado Johnny Bruck, um dos mais famosos ilustradores alemães de ficção-científica. À equipe criativa juntaram-se mais dois escritores, Klaus Mahn (Kurt Mahr) e Winfried Scholz (que assinava W.W. Shols). Scher escreveu a sinopse dos 10 primeiros volumes e começaram a produzir. 




Para dar ideia de que a série era importada, o personagem principal era o astronauta americano Perry Rhodan. Em viagem à Lua, encontra uma nave de uma civilização super-desenvolvida, mas decadente, os arcônidas, e seus dois ocupantes. Voltando à Terra, ele usa a tecnologia alienígena para impedir uma guerra nuclear e funda a Terceira Potência, unindo a humanidade em torno de um ideal: a conquista do espaço.

Os autores acharam que a série ia fazer, no máximo, um sucesso relativo, e planejaram apenas 30 números. Mas Perry Rhodan vendeu tanto que os primeiros números foram rapidamente republicados e a série foi exportada outros países, inclusive no Brasil. Logo a quantidade de livros publicados era tão grande que ficou difícil explicar como uma pessoa normal vivia tantas aventuras. A solução foi tornar o protagonista praticamente imortal graças a um ativador celular (atualmente Perry Rhodan tem mais de 3 mil anos) e encher a trama de personagens secundários, muitos dos quais vivem aventuras solo. 


Para conseguir contar uma trama tão complexa e cheia de detalhes e personagens secundários, que abarca centenas de anos na história da humanidade, os autores desde o primeiro número fazem um planejamento detalhado. Um dos autores é nomeado líder e escreve um resumo de cada volume semanal por todo um ciclo (que pode durar 50 ou 100 livros). Esse resumo deverá ser seguido à risca pelo autor do volume. Assim, se uma nave parte com uma determinada tripulação em um volume, ela deverá ter a mesma tripulação no volume seguinte. Os livros também são revisados para encontrar incoerências. 

Muitos dos principais conceitos da FC e dos quadrinhos foram antecipados pela série. Os mutantes, por exemplo, já exibiam seus poderes em Perry Rhodan anos antes do surgimento dos X-men. Outra antecipação são os pós-bis, uma raça de robôs que pretendem destruir toda forma de vida orgânica, conceito muito semelhante aos borgs, vilões que surgiriam na série Jornada nas estrelas - nova geração, décadas depois. 

Apesar da enorme quantidade de livros publicados e de alguns escorregões, na média, os autores nunca deixaram cair a qualidade da série e houve momentos em que os livros chegavam a uma qualidade insuspeita para esse tipo de publicação. 



Exemplo disso é o número 52, O Pseudo, escrito por Clark Darlton. O livro é uma adaptação da peça O Inspetor Geral, do dramaturgo russo Nicolai Gógol. Gógol escreveu sua peça como uma crítica ao autoritarismo e à corrupção do Estado Czarista. Darlton atualizou a discussão, transpondo-a para um cenário futurista. 

Pelo menos um dos escritores é considerado um mestre da FC do porte de Isaac Assimov e Ray Bradbury: Willian Voltz. Dono de um estilo poético que lembra Bradbury, Voltz colocou humanismo e filosofia na série. O estilo Voltz ficou muito bem claro desde os primeiros livros desse autor na série. No volume 99, a história era pueril e maniqueísta: um dos arcônidas encontrados por Perry Rhodan na lua, Crest, vai para um planeta longínquo para passar os seus últimos dias, mas recebe a visita inconveniente de seres extraterrestres que querem se apoderar de sua nave, o ápice da tecnologia terrestre até então. Voltz transformou essa sinopse numa parábola sobre a amizade e a lealdade, recheada de poesia. 

Na fase em que liderou os escritores, a humanidade passou a questionar seu papel no universo, percebendo que a evolução espiritual era tão importante quanto a material. As histórias passaram a ser mais filosóficas e contemplativas, fugindo do militarismo da fase anterior. 

Os personagens, mesmo os vilões, começaram a questionar sua própria existência, fugindo do maniqueísmo. Nessa nova fase, mesmo os mais ferozes inimigos tinham motivos que justificavam sua suposta maldade. 



No Brasil a série foi publicada pela editora Tecnoprint S.A. a partir de 1975 e durou até o número 536. No início as histórias eram publicadas em formato livro de bolso pequeno, com borda branca. Posteriormente, o formato aumentou, com livros compridos e estreitos e a borda ficou preta. No início da década de oitenta, amparada por propagandas de TV, a série ganhou popularidade e as edições passaram a ser semanais. 

No início da década de 1990, a era Collor provocou uma crise sem precedentes no mercado editorial e o personagem não resistiu, deixando de ser publicado no número 536. 



Apesar de não ser mais publicada, a série continuou aglutinando fãs que se reuniam em torno de fanzines e tentavam articular a volta do personagem. Como o surgimento da internet, essa articulação foi para as redes sociais. Surgiu o Perry Rhodan Fã Clube do Brasil (PRFCB) e o fã-clube começou a negociar com grande editoras, ao mesmo tempo que organizava uma lista de possíveis assinantes. Embora essa lista aumentasse cada vez mais, nenhuma editora parecia se interessar. 

A solução surgiu de um fã, Rodrigo de Lelis, dono de uma pequena empresa de informática, a SSPG, voltada para a documentação eletrônica e editoração de publicações, que passou a publicar a série em volumes que incluíam duas histórias e vendidas através de assinaturas. 
Mais recentemente a editora tem lançado volumes únicos que podem ser comprados como e-book ou impressos. Clique aqui para acessar a loja da SSPG.

Júlia Kendall – Pena de morte

 


O roteirista Giancarlo Berardi, provavelmente um dos melhores em atividade atualmente, consegue criar tramas inovadoras mesmo dentro de um gênero padrão, como o policial.

No policial convencional, alguém comente um crime é o protagonista passa toda a trama tentando descobrir quem é o criminoso.

Em Pena Capital, o desafio é o oposto. Uma garota vai ser executada, depois de ter sido condenada por supostamente ter matado o pai. O tempo é muito curto, e Júlia precisa descobrir algum indício que prove a inocência da personagem antes que ela receba a injeção letal.

Relógios são elementos recorrentes na narrativa... 

Essa trama não só subverte o que a maioria dos leitores espera de uma história policial como acrescenta um aspecto de suspense realmente surpreendente.

A narrativa é divida em três: na primeira vemos o governador, que poderia dar o perdão para a prisioneira, envolvido numa trama doméstica que o fará mudar de ideia e assinar a execução.

A segunda narrativa é a da própria condenada, na prisão, no seu último dia de vida incluindo uma visita da irmã. Acompanhamos sua apreensão, seus temores, suas mudanças bruscas de humor, o desespero.

... eles lembram que a hora da injeção letal se aproxima. 

E, finalmente, na terceira narrativa, acompanhamos Júlia e outra personagem refazendo todo o processo de investigação, entrevistando testemunhas. Nada, no entanto, parece indicar uma reviravolta no processo... e o tempo vai se esgotando. A reviravolta final não é forçada e parece uma consequência direta do que vimos até ali.

Berardi (com a ajuda de Maurizio Mantero) consegue fazer um libelo contra a pena de morte de forma totalmente orgânica, numa trama empolgante.

Em tempo: algo que me incomoda é ver um dos melhores quadrinhos do mercado sendo lançado em formatinho (na Itália o formato é maior) e papel de péssima qualidade enquanto obras totalmente descartáveis estão sendo lançadas com papel luxuoso e capa dura. Parece que o mercado editorial está virado de cabeça para baixo.