segunda-feira, abril 28, 2025

Surfista Prateado – amargo regresso

 


Na década de 1980, Stan Lee já estava aposentado dos quadrinhos. Mas voltava de tempos em tempos para escrever uma história de seu personagem predileto. E qual era seu personagem predileto? O Surfista Prateado.
Em 1982 eles e John Byrne (que a esta altura já era uma estrela de quadrinhos graças à sua passagem pelos X-men) se uniram para produzir uma revista única do herói, que acabava funcionando como canto do cisne para o personagem e fechava algumas pontas soltas.
O Surfista consegue vencer a barreira de Galactus graças a Reed Richards... 

Na HQ, O Surfista, graças a uma invenção de Reed Richards, consegue finalmente vencer a barreira de Galactus e voltar para seu planeta Zenn-la. Mas há uma ressalva: se voltar para a Terra, ele ficará enternamente preso aqui.
Chegando lá ele descobre que seu planeta está arruinado graças à vingança de Galactus por seu arauto ter se voltado contra ele na Terra.
E Shalla Ball, sua amada, não está lá. Tudo leva a crer que uma garota que ele encontrou em uma das histórias da série clássica na década de 1960, é na verdade ela, hipnotizada por Mefisto.
...Mas encontra seu planeta devastado.

É uma história deliciosa em todos os sentidos, num perfeito equilíbrio dos elementos que fizeram do Surfista um clássico. Há o herói amargurado e filosófico, as viradas no roteiro, surpreendentes, mas absolutamente plausíveis. E o texto de Lee parece ter melhorado com o tempo, tornando-se mais poético. Os desenhos de Byrne (que é co-autor da história), funcionam bem, embora a arte-final de Tom Palmer nem sempre consiga captar a sutileza que a histórira exija.
A capa original, que não foi usada pela Abril.

O grande momento da história é o final, triste, mas poético. Seria o final perfeito caso essa fosse a última história do personagem.
Aqui essa história foi publicada na revista Heróis da TV 70 e foi um dos números que mais marcaram os fãs, em especial graças a essa HQ. Em tempo: a Abril descartou a capa original e usou uma imagem interna da história como capa. Ao meu ver um a decisão acertada.

Perry Rhodan – Atlan, o solitário do tempo

 

 

O volume 50 inicia o segundo ciclo da série Perry Rhodan e não poderia ser um começo mais auspicioso.

Escrito por K. H. Scheer, o livro é focado em Atlan, um personagem que àquela altura era extremamente misterioso. Aparentemente ele era um arcônida que ficara preso na Terra por séculos e, por algum processo que não não é totalmente esclarecido neste volume, não envelheceu. Também não foi afetado pela decadência que tomou das outras pessoas de sua raça.

A narrativa é em primeira pessoa, o que por si só já é uma quebra com os paradigmas da série, já que todos os livros até ali eram escritos em terceira pessoa.

A capa original alemã. 


O leitor acompanha Atlan acordando de um sonho de 69 anos e descobre que ele se se refugiou numa cúpula no fundo do Oceano assim que começaram a subir as primeiras bombas nucleares. Eles sobe à superfície pensando em encontrar um mundo em ruínas e poucos sobreviventes afetados pela radiação, mas se espanta ao descobrir uma civilização muito mais avançada do que a que encontrou. “A Terra é grande, ampla e bela. Os desertos foram aproveitados e nós controlamos o clima. Não existem mais doenças. Perry Rhodan é hoje o administrador-geral do Império Solar. O IS foi fundado em 1990 depois de ter surgido o governo mundial”, informa a primeira pessoa com a qual ele tem contato.

A estratégia de Scheer é extremamente inteligente, já que a história desse ciclo se passa muitos anos depois de A morte da Terra, último volume do primeiro ciclo.

Através das descobertas de Atlan, o leitor vai também descobrindo o que aconteceu nesse período – e para os que estavam iniciando na série naquele livro, havia de fato um resumo de toda a história até ali.

Com isso Scheer consegue situar o leitor de forma orgânica, sem parecer que está simplesemente relacionando fatos.

Claro que a trama precisaria ter ação e essa acontece quando Atlan, disposto a voltar para Árcon, entra numa nave terrana pilotada por Perry Rhodan. Quando este tenta tomar a nave, ela fica avariada e acaba explodindo, de modo que os dois personagens ficam perdidos num planeta de calor extremo. Eles viriam a se tornar grandes amigos, mas àquela altura eram supostamente inimigos e empreendem um duelo que poderá terminar com a morte de um ou dos dois. Um duelo épico.

Atlan, o solitário do tempo é um livro que empolga os leitores a acompanhar o segundo ciclo.  Se tem algum defeito é não apresentar já nessa história, uma trama que seria o espinha dorsal do ciclo.

Vingadores – Um de nossos androides desapareceu!

 

 

Em 1989, John Byrne assumiu o título dos Vingadores da costa oeste. Com seu traço simples, mas expressivos, suas tramas cheias de reviravoltas e referências a histórias anteriores, ele criou um dos momentos mais memoráveis do grupo de heróis da Marvel.

 

Na primeira saga, publicada no número 42 da revista, após serem atacados por uma cópia de Ultron, os vingadores percebem que visão desapareceu. Não só isso: todas as informações sobre o andróide foram deletadas dos computadores dos Vingadores. Isso só seria possível com a colaboração de um dos membros – e no final da história descobrimos que a traidora é a Harpia, ex-esposa do Gavião Arqueiro.

As lembranças da Feiticeira ajudam a contar a história do Visão.

 

 Byrne humaniza a trama ao focar a história na Feiticeira Escarlate, esposa do Visão. Aliás, a primeira imagem da história é justamente ela despertando. É através dela e suas lembranças que acompanhamos a história complicada do herói robótico até o momento presente em diversos flash backs ao longo da trama. Isso é feito de maneira tão fluída que o leitor não sente que a trama paralisou.

 

Suspense!

 Byrne usa e abusa do suspense em situações em que os heróis vêem alguém e se espantam com algo que será mostrado ao leitor páginas depois. Mas, por mais formulaico que isso seja, não chega a prejudicar a história.

 Algo que vale destaque aqui é a personagem Harpia. Byrne consegue fazer seu uniforme funcionar, sendo um dos mais bonitos da Marvel – algo que outros desenhistas parecem não ter conseguido.

 O uniforme da Hárpia fica muito bonito no traço de Byrne.

 

O uniforme da Hárpia fica muito bonito no traço de Byrne. 

 

No Brasil essa história foi pubicada pela editora Abril em Grandes Heróis Marvel 38.

O Ponto de Fuga

 


 

O encerramento do primeiro curso de quadrinhos realizado no Pará foi marcado por uma noite em uma pizzaria na qual compareceram até gente que não fazia parte do mesmo. Estava ali a nata dos quadrinhos paraenses: Andrei Miralha, Paulino, Marcelo Marat, Bené, eu, Alan Noronha e muitos outros.

O nome do grupo era uma referência à técnica de perspectiva, mas carregava também uma forte simbologia. O grupo era um ponto de fuga para todos nós diante de todas as dificuldades e incompreensões da sociedade e até da família. Era um local onde poderíamos nos refugiar juntamente com outras pessoas que compartilhavam da mesma paixão pelos quadrinhos.
Criado o grupo, a primeira iniciativa foi fazer uma exposição para marcar a criação do Ponto de Fuga. Essa exposição aconteceu no saguão da Biblioteca pública Arthur Viana em setembro de 1991. Além dos originais de quadrinhos expostos, havia as revistas em quadrinhos do acervo da biblioteca infantil (aquele mesmo que descobrira e que estava ajudando os bibliotecários a catalogarem). Bené colaborou com uma imagem do Rorschach em tamanho A3, em aguada, que foi colocada no painel principal da exposição.
Foi um sucesso.
A biblioteca era um local pelo qual passavam milhares de pessoas todos os dias, de modo que a exposição chamou muita atenção, inclusive de pessoas que também tinham o desejo de fazer quadrinhos e se juntaram ao grupo. Também houve uma boa repercussão na mídia (eu fazia jornalismo na UFPA e agia como assessor de imprensa do grupo). Aliás, virou uma tradição fazer, todo ano, uma exposição ou um grande evento com palestras, geralmente no Dia do Quadrinho Nacional.


(Trecho do meu livro A árvore das ideias - Lin para baixar:

A indústria cultural

 


O conceito de Indústria Cultural foi veiculado pela primeira vez em 1947, por Horkheimer e Adorno, no texto "A dialética do Iluminismo". O termo foi cunhado em oposição à cultura de massa, que dava a idéia de uma cultura surgida espontaneamente da própria massa.
Para Adorno, a idéia de que os produtos da Indústria Cultural vêm do povo é equivocada, pois a Indústria Cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas também determina esse consumo.
O termo Indústria Cultural  é mais adequado, pois deixa bem claro que tais peças culturais são produtos fabricados para serem consumidos, assim como sabonetes e carros.
É importante notar, como destaca José Marques de Melo, que as reflexões da escola de Frankfurt foram feitas durante "a transição da sociedade industrial para a sociedade da informação, tendo a emergente indústria cultural como protagonista hegemônico.
Adorno e Horkheimer partem da constatação de que a sociedade industrial não havia realizado as promessas do iluminismo humanista. O desenvolvimento da técnica e da ciência não trouxe um acréscimo de felicidade e liberdade para o homem.
Considerando-se, diz Adorno, que o iluminismo tem como finalidade libertar os homens do medo, tornando-se senhores de si e liberando-os do mundo da magia, do mito e da superstição, e admitindo-se que essa finalidade pode ser atingida por meio da ciência e da tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder do homem sobre a ciência e a técnica. Mas o que ocorreu foi justamente o contrário. Liberto do medo mágico, o homem tornou-se vítima de um novo engodo: o progresso da dominação técnica.
Ao invés do libertar a humanidade, o progresso da técnica acabou por escravizar o homem, alienando-o.
Os meios de comunicação de massa, resultado direto de desenvolvimento da técnica, tiveram papel importante nesse processo de escravização da massa.
Segundo os pensadores frankfurtianos, a reprodutibilidade técnica tirou tanto da cultura popular quanto da cultura erudita o seu valor real. O resultado, a Indústria Cultural, não conduz à experiência libertadora da fruição estética.
O próprio princípio da reprodução deformaria a obra, pois ela seria nivelada por baixo, evitando sempre que possível aqueles elementos que poderiam interferir no seu caráter de produto.
Exemplo disso podemos ver na adaptação da Disney para o clássico “O Corcunda de Notre Dame”, de Victor Hugo. A história foi "adocicada" para se tornar mais palatável ao consumidor...
Assim, a Indústria Cultural pretende alienar, e não conscientizar; acomodar, e não incitar.
Para os frankfurtianos, os produtos da Indústria Cultural teriam três funções:
A.    ser comercializados;
B.    promover a deturpação e a degradação do gosto popular;
C.   obter uma atitude sempre passivados seus consumidores.
Como são feitos para serem vendidos, os produtos da Indústria Cultural jamais devem desagradar os compradores. A produção é homogeneizada e nivelada por baixo.
Para Adorno, a visão crítica por parte do expectador não é possível dentro da Indústria Cultural, pois "A transformação do ato cultural em valor suprime sua função crítica e nele dissolve os traços de uma experiência autêntica".
Embora seja fundamental para a análise dos meios de comunicação de massa, em especial na primeira metade do século passado, a noção de Indústria Cultural tem sido objeto de diversas críticas.
Martellart, por exemplo, desconfia que Adorno e Horkheimer estigmatizaram a Indústria Cultural em decorrência de seu processo de fabricação atentar contra certa sacralização da arte: "Na verdade, não é difícil perceber em seu texto o eco de um vigoroso protesto erudito contra a intrusão da técnica no mundo da cultura".
Além disso, as idéias da escola de Frankfurt, mesmo atacando o conformismo, acabaram se tornando um discurso conformista, de pessoas que, confortavelmente em suas poltronas ou empregos, apenas criticam a indústria cultural, sem, no entanto, apresentar qualquer opção.

O homem que batizou o Noturno: entrevista com Luiz Antonio Aguiar

 

 

Se você lê quadrinhos, certamente já teve contato com o trabalho de Luiz Antônio Aguiar, por mais que não saiba. Ele foi o roteirista responsável, por exemplo, pela versão em quadrinhos do Sítio do Pica-Pau Amarelo (lembra? Tinha até chamada na TV!). Além disso, ele escreveu muito tempo para a divisão Disney da Abril e fez histórias que devem ter divertido você.
Luiz também teve a oportunidade de trabalhar com personagens próprios na época em que participou de uma das mais famosas revistas do quadrinho nacional, a Spektro, editada pelo OTA, que hoje é responsável pela MAD.
Luiz tem em seu currículo alguns trabalhos curiosos. Na época em que era assistente na RGE, ele ajudou a batizar alguns dos personagens mais queridos dos fãs. Foi ele que batizou o Noturno  e evitou que o Wolverine fosse chamado de Carcaju.
Nesta entrevistas, feita por e-mail, Luiz, que atualmente é escritor de literatura infantil, fala de sua experiência com quadrinhos, explica porque a RGE deixou de trabalhar com gibis e diz que sente falta dos “CA- POU” e dos “ BUUUMM”.

1) Como começou a sua relação com os quadrinhos? O que vc lia? quais eram seus autores prediletos?
Começo em criança. Aprendi a ler no Tio Patinhas e as histórias de Carl Barks sempre foram a minha fascinação. Entrei na Disney pensando sempre em escrever histórias como aquelas. Consegui, mas só algumas.

2) Você, quando era só um leitor, já imaginava tornar-se um roteirista de quadrinhos?
Nunca, quadrinhos sempre foi curtição para mim. Mesmo hoje, muito afastado do mercado e do ofício, já que me dedico à literatura Infanto Juvenil, continua sendo assim: quero relaxar, pego um Donald.

3) Como você começou a escrever quadrinhos?
Em 77, para pagar minha segunda faculdade. Comecei fazendo roteiros para a Revista do Sítio do Picapau Amarelo, da então Rio Gráfica Editora (que depois virou Globo e foi para São Paulo).


4 – Você começou a escrever a convite de alguém ou foi atrás da editora?
Eu fui atrás. Precisava ganhar dinheiro para pagar o curso de sociologia na PUC (já tinha me formado em Comunicação), até por uma questão de brio. Sabia que o curso não era para valer, era só desculpa para continuar fazendo política estudantil, e não queria descarregar essa em cima do meu pai. Apareci na Editora com um roteiro, que foi comprado, e passei a escrever outros.

5 - O Sítio do Pica-Pau chegou a vender muito, não foi? Pelo que me lembro, tinha até anúncio na TV.... Como era para você essa reação positiva do público? Como foi o seu trabalho na RGE?
Depois, em 79, fui trabalhar como assistente de editora, na RGE. Todas as revistas de lá passaram pela minha mão. Dei nome a um bocado deles, do inglês, inclusive a uns X-Men da vida. O Wolverine, por exemplo, apareceu nas primeiras revistas como Carcaju. Uma aberração. Resolvi apenas deixar como o chamavam em Inglês. Batizei também o Noturno. Trabalhei, sim, com a Kripta, e foi uma belíssima revista que inspirou muita gente. Quanto ao Sítio, caiu muito a vendagem depois que saiu da tevê, mas ainda se sustentaria. Ocorre que a direção da RGE na época, por incrível que parecesse, não tinha a menor boa vontade com quadrinhos. Queriam todos era deixar de ser editores de quadrinhos, coisa de que não entendiam, nem gostavam, e foram desinvestindo no setor, para abrir outras revistas, muitas delas fracassadas, em outras áreas. Quando a galinha dos ovos de ouro foi finalmente estripada, fecharam 12 revistas, das 15 que havia - isso foi em 83 - e demitiram quase toda a redação. Tempos depois, foram para São Paulo e mudaram de nome e de direção, mas aí já é outra história, que inclui até o Maurício de Souza.

6 - O fato de vc ser um escritor de quadrinhos e literatura deve dar-lhe uma perspectiva interessante. Quais são as diferenças de narrativa?
Na literatura há mais espaço para o texto e, de certa forma, mais flexibilidade para composição de personagens e ritmo de trama, coisas que, em quadrinhos, ficam com o desenhista. Mas sinto falta dos CA-POU! e dos BUUUUUMMM!


7-  Como foi a experiência com a Vecchi?
Excelente, pelas pessoas com quem trabalhei, desenhistas como Júlio Shimamoto, que foi meu parceiro favorito por lá. Depois, fizemos um albúm juntos, Nos tempos de Madame Satã. O Shima era fantástico. Foi a minha chance de começar a criar personagens meus. Fizemos umas séries bastante originais, em terror e faroeste. O Otacílio sempre deu força para a gente criar à vontade. Pena que a Editora foi canibalizada de dentro para fora pelo despreparo e falta de profissionalismo da direção.

8 - Quais foram os melhores desenhistas com os quais você trabalhou? Por quê?
Shimamoto, sem dúvida, pela intensidade que ele acabava dando à história, e Guidacci, com quem fiz o Indecências e desmandos do herói Macunaím em sua passagem pela história da terra-Brasil. O Guidacci é uma verdadeira enciclopédia de recursos de desenho. Ambos são fenomenais. Fiz boas histórias com o Mozart Couto, também, uma revista de histórias de futebol muito manêra, com personagens meus, a Futebol e Raça.

9 – Quais foram os seus últimos trabalhos em quadrinhos? Por que parou de fazer HQ?
Não me lembro bem dos últimos trabalhos, mas creio que foram os Disney, ainda, na Abril, e o que fiz no Estúdio Artecômix, inclusive o Futebol e Raça. Larguei HQ porque o mercado de produção nacional de massa se extinguiu. HQ hoje é cult, muito restrito, a produção nacional, bem entendido, e esse nunca foi o meu barato. Produz-se muita coisa boa, mas eu sempre sonhei mesmo é em ver a garotada comprando aos montes minhas histórias, como eu fazia, e se esbaldando, sem mais nem menos.

10 – Já aconteceu de você entregar um roteiro para o desenhista e o desenhista não entender a proposta e estragar a história? O que você fazia para evitar isso?
 O melhor é ir fazendo junto, coisa que existe pouco no circuito comercial. Pelo menos um contato, uma discussão cena a cena, é sempre bom. Mas o que mais aconteceu comigo foi de o desenhista dar belas interpretações que avivaram o roteiro.

11 – Qual é o segredo para escrever um bom roteiro?
Imaginar a coisa passando na cabeça da gente, é óbvio. Se perder de vista o que está fazendo, não funciona. Tem de conseguir ler o próprio roteiro como se estivesse na revista. Assim, a gente vê o que funciona e o que não funciona. E, ah, sim, lembrar que tudo o que a gente faz bem, literatura ou roteiro de quadrinhos, não faz nem por vaidade nem por exercício de virtuosismo, mas para ser lido por outras pessoas. Senão, é sexo solitário.


12 – Você sente vontade de voltar a escrever quadrinhos?
Sim, se houver uma chance de quadrinhos de massa, muito, muito lidos, voltarem a circular. Hoje, além do Maurício e o que ainda tem do Disney, isso não existe mais. Quadrinhos Cult não são a minha praia, apesar de ter feito o Macunaíma e o Madame Satã, citados em antologias e enciclopédias de quadrinhos. Meu barato seria uma revista que todo mundo pudesse ler, e gostasse de ler, não apenas quem é aficionado em quadrinhos.

Adeus, minha rainha

 

O filme francês Adeus minha rainha, dirigido por Benoît Jacquot e lançado aqui no Brasil pela Amazon Prime é um ótimo contraponto ao seriado Versailles, da Netflix.
Se Versailles mostra a monarquia absolutista no seu auge, representado pela construção do palácio que se tornaria o mais luxuoso da época, o filme de Jacquot se debruça sobre a decadência dessa mesma monarquia. Decadência refletida inclusive no próprio palácio.
Isso, aliás, é simbolizado na primeira cena, quando a protagonista acorda, descabelada, maltrapilha, coçando-se. Ali já temos outra grande diferença com relação à série: enquanto Versailles era focada no rei e na rainha, Adeus minha rainha é focado numa criada que lê para a rainha. A derrocada da realeza é mostrada do ponto de vista dessa menina, que cultiva um amor platônico por Maria Antonieta.
Assim, os principais acontecimentos iniciais da revolução francesa revelam-se pelo olhar dela, um olhar furtivo, como na vez em que ela e uma amiga se espremem numa janela para ver o rei e seus ministros. É algo que uma criada vê, um boato, um panfleto que chega às suas mãos.
Em Paris, o povo toma a bastilha. No palácio, os nobres em pânico passam a noite acordados, criados fogem com relógios de ouro, ratos mortos flutuam no lago. E uma lista de nobres que devem ser guilhotinados, encabeçada por Maria Antonieta e sua amante, a Duquesa de Polignac circula pelos corredores.
O filme talvez decepcione alguns por não mostrar de fato nenhum dos grandes eventos da época, já que sua proposta é focar apenas no que a jovem criada vê, mas não deixa de ser uma perspectiva interessante.
Um enredo como esse exige uma artista de peso e Léa Hélène Seydoux cumpre bem o seu papel, representando bem a paixão da criada pela rainha até mesmo quando isso pode colocar sua vida em risco.
De estranho mesmo só a direção repleta de zoons, que foram muito populares na década de 70, mas não são usados há pelo menos 20 anos. 

Resgate

 

Na década de 1980 houve uma onda de filmes em que um homem enfrentava um exército – uma onda que surfou no sucesso do primeiro Rambo e teve seu auge nos filmes posteriores da franquia. Mas se o primeiro tinha profundidade psicológica e sequências de ação verossímeis, muitos dos seus derivados eram difíceis de acreditar: em Rambo II, por exemplo, o protagonista vence sozinho a guerra do Vietnã lutando contra vietnamitas que, mesmo com uma metralhadora em punho, não conseguem acertar um único tiro.
Resgate, filme dirigido por Sam Hargrave com roteiro e produção dos irmãos Russo (dos filmes do Capitão América e dos Vingadores) resgata muito daquele primeiro Rambo.
Na história, graças a uma falha na segurança, o filho de um traficante é sequestrado pelo traficante rival. Sem dinheiro para pagar o resgate, o chefe da segurança contrata um grupo de especialistas liderados pelo mercenário interpretado por Chris Hemsworth. Mas, como o dinheiro da quadrilha foi confiscado pela justiça, o chefe da segurança trai o grupo de mercenários na tentativa de salvar ele mesmo o garoto – e evitar pagar pelo serviço.
Enquanto isso, o chefe do tráfego coloca toda a força policial da cidade para caçar o mercenário e o garoto.
É um filme de ação de tirar o fôlego, com perigos a cada esquina. Mas é também verossímil. Não vemos, por exemplo, a câmera nervosa de outros filmes, usada para esconder problemas de coreografia das lutas – um recurso que torna a narrativa confusa. É possível ver e entender tudo que acontece. Além disso, o mocinho não sai incólume: sofre facada, tiro, é atropelado. A impressão que se tem é de ver alguém altamente preparado, mas que não é um super-herói lutando contra indianos incapazes de acertar um único tiro.
Acrescente a isso uma boa caracterização de personagens inclusive secundários, cada um com uma motivação muito clara: o chefe da segurança que precisa resgatar o garoto para que sua família não seja morta, o traficante que manda na cidade, o garoto que quer subir na cadeia do tráfico. 
Em tempo, o filme é adaptação de uma história em quadrinhos ‘Ciudad’ de Ande Parks e dos irmãos Russo.
O filme é baseado na hstória em quadrinhos Ciudad.

domingo, abril 27, 2025

Riding the Bullet, de Stephen King

 


No final do ano de 2000 a internet nos EUA foi abalada por um fenômeno sem precedentes: o lançamento do e-book Riding the Bullet (Montando na bala), de Stephen King. O interesse foi tamanho que os sites envolvidos chegaram a travar.

A história é aparentemente prosaica. Alan Parker é um estudante da Universidade do Maine quando recebe uma ligação dizendo que sua mãe teve um derrame e foi internada. Desesperado, ele pega uma mochila e sai pela estrada pedindo carona. E acaba descobrindo, tarde demais, que a pessoa que lhe deu carona na verdade já está morta.

Por trás dessa trama fantasmagórica se esconde uma história de forte teor humano. Riding nos faz pensar sobre nossa relação com as pessoas queridas e o que elas representam para nós. É muito mais uma história sobre a morte e a vida. Não por acaso, King a escreveu quando estava em uma cama de hospital, vítima de atropelamento quase fatal.

Em Riding vemos o autor de Carrie em sua plena forma, com um terror que se encontra nos detalhes. King não precisa de monstros para provocar medo. A tensão pode estar na forma de alguém puxar a calça, ou em um cheiro de morte. Detalhes assim nos fazem entrar na história.

A única falha tem relação justamente com a mídia encontrada para divulgar o volume. São aproximadamente 60 páginas e King escreveu direto, sem fazer sequer capítulos. A tendência dos e-books são capítulos curtos, que permitem ao leitor interromper a leitura na tela no momento em que quiser.  Ou seja, Riding é um livro virtual que não tem característica de livros virtuais.

Futuramente, esse conto lançado de forma virtual foi incluído na coletânea Tudo é eventual, lançado aqui em 2005 pela editora Objetiva. A tradução ficou como Andando na bala.

O gerente que leu a Manticore

 


Eu nunca ganhei muito dinheiro com quadrinhos. Em alguns casos não recebi pagamento nenhum.

Entretanto, de vez em quando tinha algumas compensações.

Certa vez precisava abrir uma conta na Caixa para facilitar o recebimento de um acerto de contas. Me indicaram uma agência que estava sempre vazia. Fui lá e o gerente me informou que aquela agência era só para servidores de determinada secretaria. Mas, enquanto falava comigo, olhava intrigado para meus documentos. À certa altura pegou minha identidade, olhou o nome e piscou três vezes.

- Ei, estou reconhecendo esse nome. Você não é o Gian Danton?

- Isso mesmo, esse é o meu pseudônimo. – respondi espantando.

- Não acredito! Cara, eu adorei a Manticore!

E começamos uma longa conversa sobre quadrinhos.

No final, ele abriu a conta, com a condição de que eu fosse outro dia lá para autografar os exemplares dele da Manticore – algo que fiz pouco tempo depois.

Foi, provavelmente, a situação mais inusitada em que encontrei um fã dos meus roteiros. 

Zuzu Angel

 

O filme Zuzu Angel (Sérgio Resende, 2006)  conta a história da estilista brasileira, famosa nos EUA, que teve um filho preso, torturado e morto pela Ditadura Militar. A partir de então, empreendeu todos os esforços para tentar achar o filho do corpo e depois, quando ficou claro que nem o corpo existia mais, denunciar o ocorrido. É um filme que poderia cair facilmente no dramalhão, algo como foi Olga, mas foi salvo pelo ótimo roteiro e pela direção inspirada. Os personagens são muito bem trabalhados, como ótimas interpretações de Patrícia Pillar no papel título e Daniel de Oliveira como o filho.
Um recurso narrativo interessante foi contar a história através de flash-backs. Zuzu recebe a confissão de um dos torturadores que mataram seu filho e está fugindo dos militares, na tentativa de passar os documentos para a Anistia Internacional. E o restante da história é contado com flash backs sobre flash backs, de forma não-linear. Um filme soberbo. Destaque também para a ótima abertura com fotos da época e a pungente música: “Não se assuste pessoa, se eu te disser que a vida é boa!”.

Fundo do baú - Thunderbirds

 


Thunderbirds é um dos mais criativos seriados de todos os tempos e também um dos mais queridos.
O seriado surgiu em 1965 e era o ápice do trabalho dos ingleses Gerry e Silvia Anderson, que já haviam lançado seriados com marionetes, mas foi com Thunderbirds que eles alcançaram a fama e encantaram milhões de fãs no mundo todo.
O seriado contava a história de um ex-astronauta que liderava de uma organização chamada resgate internacional. Quando havia algum acidente, sua equipe entrava em ação para socorrer os necessitados.
O que chamava atenção no seriado era o detalhismo dos bonecos e dos veículos usados, entre elas um avião, um submarino e até uma estação espacial. Além disso, eles usavam jargões que se tornaram célebres, como “Thunderbirds em ação”, que posteriormente foi copiado por outras séries.
Foram produzidos 32 episódios.

A cidade à beira da eternidade – a versão em quadrinhos

 

 A cidade à beira da eternidade é o mais premiado e aclamado episódio da série clássica de Jornada nas Estrelas. Entretanto, a versão que foi para as telas era muito diferente da versão original, do escritor Harlan Ellison. Ellison, aliás, ficou tão indignado com as alterações que repudiou o episódio e só aceitou que seu nome aparecesse nos créditos porque isso lhe abria caminho para escrever filmes e séries.

Em 2014 a editora IDW resolveu publicar uma versão em quadrinhos dessa história clássica com roteiro de David Tipton e Scott Tipton e arte de J.K. Woodward, mas adaptando à risca o roteiro de Ellison.
O resultado é muito interessante, especialmente para comparar as diferenças entre as duas versões.
Na versão de Ellison a trama gira em torno de tráfico de drogas na Enterprise. 


A primeira coisa que salta à vista é que na versão original a história começava com uma trama de tráfico de drogas. É o traficante que desce ao planeta e volta ao passado, modificando o passado e alterando completamente o futuro. Na versão de Gene Romdemberry, é McCoy, que afetado por uma dose excessiva de remédio, que volta no tempo.
A trama sobre drogas dificilmente seria aceita pela televisão da época. Além disso, ia contra a ideia de Gene Roddenberry de Jornada nas Estrelas como uma espécie de utopia tecnológica.

A sequência do planeta mostra outra alteração necessária: no roteiro de Ellison eles encontram de fato uma cidade, com vários seres que controlam o tempo. Como forma de cortar os custos, rondeberry cortou a cidade e deixou apenas um portal. Funcionou bem, embora o título tivesse perdido o sentido.
A trama na terra também fica mais sintética e mais fluída com a eliminação de alguns personagens e sequências. Colocar a jovem micssionária Edith Keeler como proprietária do local que dá comida aos necessitados funciona muito bem e dá sentido aos seus sermões, que na versão televisiva se interliga com a própria utopia de Jornada.
No roteiro original quem voltava ao passado era o traficante, e não McCoy. 


Por fim, trocar o traficante por McCoy tornou mais coerente o final, uma vez que esse também passa a ter uma relação com a missionária e, assim, tem uma razão concreta para salvá-la.
A conclusão é de que a versão de Ellison é muito boa. Só não é Jornada nas Estrelas.

Buddy longway – O inimigo

 

O caráter diferenciado de Buddy Longway, de ser um faroeste familiar, fica claro já no segundo álbum, O inimigo.

Na história, Buddy e Chinook se casam e procuram um lugar para morar. Eles encontram um vale pelo qual passa um riacho, um local verdadeiramente paradisíaco. A sequência bucólica mostra os dois construindo a casa com troncos de abetos. Mas, no meio da felicidade conjugal, há algo errado. Uma refeição desaparece, a corda é cortada enquanto o cavalo carrega um tronco por uma subida, provocando um quase acidente.

Buddy e Chinook encontram um paraíso... 


Já depois de construída a casa, os incidentes continuam: algo afugenta os cavalos do estábulo. Aparentemente é um carcaju, mas como um carcaju conseguiria cortar uma corda enquanto ela está sendo puxada? E porque ele faria isso?

Com o tempo, a vida paradisíaca torna-se um inferno e o mistério só aumenta quando Slim, o caolho, visita o casal e eles descobrem que foi ali que ele perdeu um dos olhos. 

... mas vários acontecimentos estranhos transformam esse paraíso num inferno. 


O final consegue resolver bem esse mistério, sem deixar pontas soltas ou explicações absurdas.