sexta-feira, novembro 14, 2025

Mama Guga

 


Fernando Canto é um dos grandes nomes da literatura amapaense. Mais conhecido por suas letras de música – ele foi um dos fundadores do grupo Pilão, que marcou época na MPA, ele também é um contista inspirado, como mostra o livro recém-lançado pela Paka-Tatu, Mama Guga.
O livro traz contos intimistas e emocionantes, como O retrato azul, narrado como um filho falando ao pai: “Agora estou aqui, engolindo este silêncio, sem saber o que dizer para você (...) Agora estamos nós dois sem saber o que fazer... Você aí sentando nesta rede com os olhos brilhosos de lágrimas, olhando fixo o quadro que lhe demos de presente de aniversário”. Além de criativa, a abordagem permite um aprofamento no personagem que talvez não fosse possível de outra maneira.
Há contos que oscilam entre o causo urbano, o humor e o drama, como em “A seringa contaminada de Bambo, o zagueiro do futlama”, no qual um homem com HIV ameaça picar pessoas com uma seringa.
Mas os melhores contos são aqueles em que Fernando Canto se utiliza da mitologia local, entremeando-a muitas vezes de fatos históricos e narrativas cotidianas. Exemplo disso é “As mulheres-peixe do meu garimpo”, sobre um garimpeiro que se enamora de sereias encontradas em uma gruta. Mas são sereais amazônicas, com cor local e sexualidade aflorada: “Tinham a cor dourada e eram largas. Suas barbatanas eram vermelhas, umas gracinhas. Nem de longe pareciam com as sereias que eu tinha visto em revistas. Brincavam com as águas e sorriram quando me viram. Me chamaram pra bem perto delas, e aí pude conhecer o verdadeiro sabor do prazer sexual”.
Desses, o melhor é “A cidade encantada sob a pedra”.
A história se passa em uma cidade fictícia (meio que uma mistura de Macapá e Mazagão), mas mágica, em que seres encantados saem do fundo do rio para defender os negros entre eles o pretinho Chibante, que distribui para a criança bombons trazidos em seu chapéu de casco de tartaruga.
Na história, dois irmãos descem à cidade encantada em busca de um suposto tesouro. O interessante do conto é a forma como o autor mescla fatos históricos, personagens mitológicos e ladrões de marabaixo para construir sua narrativa.
Para quem não é da região, os ladrões são músicas cantadas nas rodas de marabaixo, geralmente sobre fatos ocorridos na comunidade.
Há duas versões sobre o nome. Na primeira delas, os versos são chamados ladrões porque um “rouba” a música do outro, continuando o verso. Na outra, porque a letra “rouba” fatos das vida pessoal das pessoas, tornando-as públicas através da música. Fernando Canto adota essa última explicação e constrói todo o conto a partir de ladrões, entremeando-os à narrativa em prosa. A narrativa é fluída, quase como um causo narrado a um visitante e fantasia, história e ladrões vão se misturando naturalmente.
O conto é um delicioso causo e, ao mesmo tempo, uma curiosa experiência estética.   

É de se destacar o ótimo trabalho editorial da Pakatatu no livro, a começar pela bela capa com ilustração de Maciste Costa. O papel polém e a difamação simples, limpa, mas eficiente fazem com que a leitura do livro se torne leve e agradável. 

Batman – Atiraram no senador!

 


No número 85 da revista The Brave and the Bold, Batman se encontrou com o Arqueiro Verde em uma trama política.

A história começa com um senador baleado durante um comício e caindo nos braços de Bruce Wayne. Ocorre que esse senador quer aprovar um projeto anti-crime e com isso gerou a ira do mafioso Miklos Minotaurus, responsável pelo atentado. Mais: o governador quer que Wayne assuma o cargo de senador para votar a favor do projeto (alguém sabe me dizer se realmente é assim que funciona nos EUA?).

A história inica com um atentado. 


Por outro lado, o mesmo mafioso está concorrendo em uma licitação contra a empresa de Oliver Queen, o Lanterna Verde, o que faz com o empresário também sofra um atentado.

Dessa forma, tanto o Arqueiro Verde quanto Batman são envolvidos na história.

Mas esse é um roteiro de Bob Haney e, claro, tinha que ter alguma coisa bizarra.

Bruce Wayne revela que é Batman. 


Tanto Queen quanto Wayne entram numa crise pessoal, incapazes de decidir entre suas identidades civis e super-heroiesca. E o que eles fazem? Vão consultar um psicólogo e revelam suas identidades! Exatamente o mesmo psicólogo (filho do senador baleado logo no início da história). Com essa facilidade com que eles revelam quem são, é surpreendente que alguém ainda não saiba essa informação.

As melhores sequências são com o Arqueiro 


Apesar dessa situação grotesca, a história até que se desenvolve bem, com várias cenas de ação na qual brilha a estrela do desenhista Neal Adams. Algumas das melhores cenas são aquelas com o Arqueiro Verde, o que demostra bem o enorme carinho que o artista tinha pelo personagem. No ano seguinte ele começaria a desenha a antológica série do Arqueiro e do Lanterna, com roteiro de Denni O´Neil.  

Zubilândia – atire duas vezes

 

Quando foi lançado em 2009, Zumbilândia fez um enorme sucesso e revolucionou os filmes de zumbis ao unir terror e humor. Zumbilândia não era uma sátira, mas um filme de zumbis com pitadas de humor, a começar pela introdução no qual o personagem principal, Columbos, explica as regras que lhe permitiram continuar vivo em meio ao apocalipse dos mortos vivos – entre elas fazer aquecimento antes de um possível encontro com zumbis ou atirar duas vezes para ter certeza de que ele está morto.
Era também um filme que definitivamente não se levava a sério, com direito a uma sequência totalmente aleatória, mas deliciosa, com Bill Murray.
O sucesso estrondoso – o filme custou 23 milhões de dólares e arrecadou mais de 100 milhões ajudou não só a renovar o gênero, mas também contribuiria a levar ao estrelato os então desconhecidos Jesse Eisenberg e Emma Stone.
Dez anos depois, os produtores acharam que era o momento de reviver a franquia (antes que o cachê de Emma Stone se torne grande demais para o orçamento, eu diria).
Na história, o quarteto composto por Columbus, Wichita, Tallahassee e Little Rock se instalam na Casa Branca – o que leva a sequências memoráveis e engraçadíssimas. Mas Little Rock está adolescente, quer um namorado e foge com a irmã. No meio do caminho elas se encontram com um hippie que leva a menina para um retiro pacifista chamado Babilônia. Mas surgiu um novo tipo de zumbis, muito mais mortal, que pode colocar o local em risco.
Assim, Columbus, Wichita e Tallahassee saem em seu encalço, tentando salvá-la. Ou ao menos essa é a desculpa para todo tipo de maluquice do roteiro – de uma parada em um Museu em homenagem a Elvis Presley ao surgimento de uma dupla que é uma versão exata de Columbus e Tallahassee. Passando pela tentativa de matar zumbis da maneira mais criativa possível, perfazendo a Morte de Zumbis do Ano.
Se for assistir no cinema e tiver um grupo de adolescentes, conforme-se: eles vão gritar e aplaudir durante boa parte do filme. O ritmo do roteiro e direção inclusive estimulam essa interação.
Despretensioso, divertido, sem noção, Zumbilândia não é melhor do que o original. Mas mesmo assim é um ótimo programa.

Fundo do baú - Joca e Dingue Lingue

 

Joca de Dingue Lingue (Hokey Wolf, no original) é um dos primeiros desenhos animados da Hanna-Barbera. Criado em 1960, o desenho surgiu para cobrir uma lacuna provocada pelo Zé Colmeia, que ganhou um programa próprio. Assim, a produtora precisava de outra atração para colocar junto com Dom Pixote.

Joca e Dingue Lingue são dois lobos que passam o tempo todo tentando conseguir algum trabalho ou tentando enganar alguém para morar ou comer de graça. Em um episódio, por exemplo, eles tentam tapear o diretor de um hospital para animais alegando que estão com uma doença rara chamada faniquito. Mas tudo dá errado quando o médico resolve operar Joca. Ao correr para não sofrer o procedimento cirúrgico, Joca cai do prédio, quebra a perna e o braço e, de fato, fica internado.

Em outra história, eles são contratados por Romeu para ajudar Julieta a escapar, mas acabam ficando sem pagamento quando a moça esquece seu dote na casa do pai.

O desenho também trazia histórias relacionadas aos contos de fadas. Em uma história, Joca tenta ficar com a casa dos três porquinhos. Em outra os lobos pegam os feijões jogados pela mãe de João e vão parar na casa do gigante.

O humor da série surgia exatamente do fato de Joca, o esperto da dupla, sempre se meter em roubadas.

Uma curiosidade é que, embora fossem lobos, na dublagem brasileira eles eram chamados de raposas, o que fazia com que algumas piadas perdessem sentido, como na história sobre os três porquinhos.

No total foram duas temporadas com 29 episódios.


Epicuro: a filosofia do prazer

 


Na Grécia antiga, a filosofia epicurista tentou entender como o homem pode ser feliz

No ano de 306 a.c. o filósofo grego Epicuro, então com 36 anos, abriu sua escola em Atenas. Epicuro comprara para tal uma casa com jardim e, ao invés de trancafiar-se em uma sala com os alunos, preferia ficar ao ar livre, conversando com seus eles. Observadores da época diziam que não parecia um mestre rodeado de alunos, mas sim um grupo de amigos que filosofavam juntos. Aquele sábio simpático e hospitaleiro se debruçou sobre uma pergunta que inquieta o homem há séculos: como podemos ser mais felizes? Sua resposta: através do prazer. Essa filosofia do prazer influenciou diretamente não só a sociedade grega, mas principalmente a romana e chegou a ser deturpada ao ser vista como uma busca irrefletida do prazer carnal. Também teve grande influência sobre a ciência moderna ao estabelecer os alicerces do que seria a teoria atômica.

Vida

Epicuro nasceu em janeiro de 341 a.C, na ilha de Samos. Sua família fazia parte da nobreza falida de Atenas e viajara para Samos na qualidade de colonos. Seu pai, Néocles, era mestre escola e sua mãe, Querestrata, era curandeira e adivinhava o futuro. Ele costumava a ir com a mãe à casa de pessoas doentes para afastar o mau-olhado e curar doenças. Essa experiência infantil lhe deu uma boa ideia das crenças e superstições dos gregos, que ele iria criticar duramente em sua filosofia.
Desde pequeno, Epicuro se destacava pela inteligência e pelo espírito indagador. Aos 14 anos, quando o professor lhe ensinava o verso de Hesíodo segundo o qual no princípio de todas as coisas vieram do caos, ele perguntou: “E o casos, de onde veio?”, O professor, aturdido, não soube o que fazer e respondeu que esse tipo de pergunta deveria ser feita diretamente aos filósofos.
E foi o que Epicuro fez. Estudou vários sistemas filosóficos, entre eles os de Platão e o de Aristóteles, mas sem se deixar influenciar por eles e sem aprofundá-los. Com o tempo, sua inteligência foi reunindo em torno de si um grupo de discípulos que o seguiam como a um mestre e o acompanharam quando ele foi para Atenas. Acredita-se, inclusive, que o dinheiro para comprar o jardim que o tornaria conhecido veio de um aluno.
Epicuro não gostava de trancar-se com seus alunos em uma sala e preferia dar suas lições ao ar livre, razão pela qual sua instituição ficou conhecida como escola do jardim. Também não havia um horário para as aulas, já que a qualquer momento ele podia ser visto lá, ou cuidando das plantas, ou conversando com seus discípulos.
A personalidade de Epicuro foi fundamental para fazer com que o grupo permanecesse unido (tanto que mesmo os inimigos do epicurismo admitiam que a escola nunca teve cisões ou brigas). Segundo relatos da época, o mestre era caridoso com os irmãos, brando para com os escravos e procedia com afeto para com todas as pessoas.
Uma das questões principais que ocupavam o tempo desse grupo de amigos era a felicidade. É compreensível que essa fosse uma preocupação principal numa cidade que já fora gloriosa e que na época vivia em decadência, devastada por guerras.
Uma outra escola, o estoicismo, já se ocupava do mesmo assunto.  Segundo os estóicos, o mundo era governado por um determinismo implacável do qual não se podia fugir e a receita da felicidade estava em aceitar o que a vida nos dava. Uma anedota ajuda a compreender esse ponto de vista. Dizem que Zenão, criador do estoicismo, castigava um escravo por sua falta quando este argumentou que não tinha culpa, pois, segundo a filosofia de seu senhor, ele estava condenado, por toda a eternidade, a cometer aquela falta. Zenão replicou que, da mesma forma, ele estava destinado a bater no escravo.
Epicuro discordaria dessa visão determinística e argumentaria que nós mesmos somos guias de nosso destino, pois podemos formá-lo com nosso raciocínio.


Prazer

Para Epicuro, o segredo da felicidade estava na busca do prazer, pois só o prazer pode levar à felicidade. Mais tarde, em Roma, sua filosofia seria deturpada, configurando-se como uma busca desenfreada de prazer sensual e bebedeiras, também conhecida como hedonismo. Mas, na filosofia de Epicuro, o prazer é configurado como ausência de dor. Aquilo que nos dá prazer momentâneo, mas posteriormente provoca dor, em nós ou em outros, não é o prazer verdadeiro, pois só podemos tirar prazer da paz de espírito, a hedoné .. Exemplo disso é uma bebedeira, que provoca prazer momentâneo, mas depois ocasiona a ressaca.  
Além disso, buscar o prazer não significava ser dominado pelos desejos. Segundo Epicuro, devemos fruir o prazer de cada situação, sem nos preocuparmos com o que não temos. “Não deves corromper o bem presente com o desejo daquilo que não tens; antes deves considerar que aquilo que agora possuis se encontrava no número dos teus desejos”, dizia.
Essa visão do prazer está resumida no programa da escola, que, dizem, era gravado no pórtico de entrada: “Estrangeiro, aqui te encontrarás bem: aqui reside o prazer, o bem supremo. Encontrarás nesta casa um mestre hospitaleiro, humano e gracioso, que te receberá com pão branco e te servirá abundantemente água clara dizendo-te: Não foste bem tratado? Estes jardins não foram feitos para irritar a fome, mas para a apaziguar, não foram feitos para aumentar a sede com a própria bebida, mas para a curar por um remédio natural e que nada custa. Eis aqui a espécie de prazer em que tenho vivido e em que envelheci”.
Epicuro viveu de acordo com essa filosofia, comendo e bebendo sem excessos, tirando grande alegria da conversa com seus discípulos.

Átomos

Um aspecto importante na teoria epicurista e na sua noção de felicidade é a teoria atômística. Epicuro percebeu que um dos aspectos que impedem as pessoas de serem felizes é o medo da morte e dos deuses. Sua experiência infantil com a mãe curadeira havia lhe ensinado como as pessoas temiam a morte, agarrando-se à vida e a superstições.
Epicuro defendia que todas as coisas são feitas de átomos. Os átomos, em número infinito, estão em constante movimento. A junção e o movimento dos átomos é que fazem com que as coisas sem diferentes. Assim, tanto um homem como uma pedra são formados de átomos, mas configurados de forma diferente. Como são eternos, os átomos apenas mudam de lugar e se unem em outros corpos. Pela teoria epicurista, que seria resgatada pela ciência moderna, quando morremos, nossos átomos se espalham pelo universo e se transformam em material para criação de outros organismos.
Como, na teoria epicurista, tanto o corpo quanto a alma são feitos de átomos, não há possibilidade de existência no além, de modo que não há razão para temer a morte, pois aquilo que se dissolveu em suas partes não possui mais sensações. Epicuro dizia que a morte é o fim de todas as sensações e temê-la é bobagem, pois quando nós existimos, a morte não existe e, quando a morte chegar, nós não mais existiremos como pessoa. Seremos apenas átomos sem sensações, que se unirão com outros para formarem outros corpos.
Com a teoria atômica, Epicuro tirou de seus discípulos o medo da morte.
O temor dos deuses também seria destruído pela filosofia do jardim. Epicuro não negava a existência dos deuses, mas para ele, eles eram seres tão perfeitos que não se incomodavam com os humanos. Viviam num estado de total imperturbabilidade, num espaço entre os cosmos. Como seres perfeitos e inatingíveis, eles não recompensavam nem puniam os homens, cujo destino estava nas próprias mãos.
Dessa forma, Epicuro não só tirava o poder das mãos dos sacerdotes, que já não podiam ameaçar os homens com a fúria das divindades, como dava ao homem a responsabilidade sobre seu destino e sua felicidade.
Livre do medo da morte e dos deuses, o epicureu deveria viver uma vida racional, justa e venturosa, não prejudicando os interesses de outros e, principalmente, seguindo as leis.

Mulheres

Enquanto estava vivo, Epicuro ensinou todos os dias, em qualquer horário, recebendo tanto homens quanto mulheres. A forma avançada como as mulheres eram encaradas no epicurismo causou escândalo na sociedade machista moderna, quando a obra do filósofo foi recuperada. De fato, muitas mulheres tiveram papel essencial na difusão do epicurismo. Contrariando costumes da época, até escravos eram admitidos entre os epicuristas.
Mesmo sofrendo uma doença que lhe provocava dores terríveis, Epicuro não se deixava abater e perseverava em sua serenidade. “Durante minhas doenças”, escreveu ele “não falava a ninguém do que sofria no meu miserável corpo; não tinha essa espécie de conversação com aqueles que vinham me visitar: não falava com eles senão daquilo que desempenha na natureza o primeiro papel. Procurava sobretudo fazer-lhes ver que a nossa alma, mesmo sem ser insensível às perturbações da carne, podia no entanto mater-se isenta de cuidados e no gozo pacífico dos bens que lhe são próprios. Mesmo nesse tempo eu vivia tranqüilo e feliz”.
No dia em que morreu, ele escreveu a um amigo: “Este é o último dia de minha vida, ainda assim é um dia feliz”.
Com a morte de Epicuro, seus discípulos se mantiveram unidos e perseverantes em sua doutrina. Essa docilidade tem gerado alguma das principais críticas ao epicurismo. Dizem que lembravam do mestre como um deus e que a filosofia não se aperfeiçoou pelo extremo respeito que tinham pelas palavras do fundador. De fato, mesmo com o tempo, o epicurismo continuou o mesmo.
Poucas escolas filosóficas foram atacadas tão furiosamente. Os principais ataques vinham dos estóicos, provavelmente por inveja, já que os modos austeros de sua doutrina arregimentava poucos adeptos, enquanto que os seguidores do epicurismo aumentavam a olhos vistos. De fato, além da população de forma geral, muitas personalidades adotaram o epicurismo como modo de vida. Em Roma, o poeta Lucrécio ficou famoso ao cantar as ideias de Epicuro em verso e até mesmo o famoso orador Cícero, embora fosse influenciado pelo platonismo, tinha grande respeito pelos epicuristas. Os dois maiores poetas romanos, Virgílio e Horácio foram influenciados pelo epicurismo.
Em todo o mundo helênico, muitos homens e mulheres tornaram-se adeptos do epicurismo. Muitos não entenderam corretamente a filosofia de Epicuro e converteram-na em uma busca desenfreada pelo prazer sexual em meio a bebedeiras. Estes, segundo a maioria dos autores, não eram epicuristas, já que essa licenciosidade fugia da ideia de felicidade epicurista, que era, essencialmente, a paz de espírito.

Influência

A influência epicurista nessa época era tão grande que Diógenes Laércio, ao escrever a biografia dos filósofos, dedicou todo o capítulo 10 a Epicuro.
Entretanto, nem mesmo esse sucesso garantiu que a vasta obra escrita de Epicuro sobrevivesse. A maioria dos escritos se perdeu nos primeiros séculos da era cristã, até por conta da luta entre cristãos e pagãos. O epicurismo sobreviveu graças ao poema Da natureza, de Lucrécio e de trechos citados em outras obras. Diogenes Laércio teve a felicidade de incluir na biografia do filósofo quatro pequenos manuscritos.
Na época do Renascimento esses escritos foram redescobertos, especialmente por causa de Poggio. O trabalho do professor Pierre Gassendi, que usou o atomismo para atacar o cartesianismo, também ajudou a divulgar o epicurismo.
A filosofia epicurista também ganhou um impulso no ocidente da partir do ano 1738, quando foi encontrada a cidade de Herculano, que havia sido soterrada pela erupção do vulcão Vesúvio no ano 79 d.C. Na cidade havia uma biblioteca com vasta obra de Epicuro. A maioria das obras havia sido carbonizada pela lava, mas o pouco que restou causou grande impacto sobre a intelectualidade.
No século 19, a teoria atômica foi definitivamente resgatada e serviu de base para boa parte da física moderna.


Aforismos

A maior parte do pensamento de Epicuro sobreviveu graças aos aforismos, pequenas frases que resumem sua filosofia. Conheça alguns dos aforismos epicuristas.
 “Há também mundos infinitos, ou semelhantes a este ou diferentes. Uma vez que os átomos são infinitos e são levados aos espaços mais distantes, não há nada que impeça a infinidade de mundos.”
“Nem a posse de riquezas, nem a abundância de coisas, nem a obtenção de cargos ou poder produzem a felicidade e a bem-aventurança; produzem-na a ausência de dores, a moderação dos afetos e a disposição de espírito que se mantenha nos limites impostos pela natureza.”
“Se queres enriquecer Pítocles, não lhe acrescentes riquezas: diminui-lhe os desejos.”.
“Encontro-me cheio de prazer corpóreo quando vivo a pão e água e cuspo sobre os prazeres da luxúria, não por si próprios, mas pelos inconvenientes que os acompanham.”
“A quem não basta pouco, nada basta.”
“A justiça não tem existência por si própria, mas sempre se encontra nas relações recíprocas, em que exista um pacto de não produzir ou sofrer dano.”
“As leis não existem para os sábios, mas para impedir que estes recebam injustiça.”
“De todas as coisas que nos oferece a sabedoria para a felicidade de toda a vida, a maior é a aquisição da amizade.”
“O justo é sumamente sereno; o injusto, cheio da maior perturbação.”

quinta-feira, novembro 13, 2025

Homem-animal – Quando vivíamos todos na floresta

 


O número 4 da revista do Homem-animal marca o fim do primeiro arco do personagem escrito por Grant Morrison.

No número anterior, o Fera Bwana resgatara a macaca Djuba, mas essa estava infectada pelo vírus Antrax e morrera na sequência. O Homem-animal vai em busca dos dois, pois é informado que o vírus mortal, criado em laboratório, pode infectar toda a Califórnia.

Como usar poderes de animais para curar alguém? 


No melhor estilo Marvel, os dois heróis acabam duelando quando se encontram. O “Deus Branco”  acerta um soco no Homem-animal que o joga no lago dos flamingos. “Ai, o meu velho charme... funcionando como sempre”, pensa o herói. Depois Fera Bwana cria uma mistura de gorila e tigre para perseguir Budy.

Enquanto isso, a esposa do herói está na sua própria cruzada para salvar os gatinhos resgatados na floresta, cuja mãe foi morta por caçadores. 

Nessa história temos mais uma demonstração de como Morrison pensava os poderes do herói de forma mais ampla, quando ele os usa para curar o Fera Buana.

O ótimo final é um exemplo do talento de Morrison. 


O final dessa história reserva uma ironia realmente muito bem bolada, que encaixa perfeitamente na ideia de Morrison de transformar o título num libelo contra as experiências com animais.

Não por acaso a revista com o personagem desconhecido da DC se tornou uma sensação nos EUA e no Brasil, sendo a principal atração da revista DC 2000, publicada pela editora Abril. 

Informação: o universo relacional

 



              No universo relacional, predominam as interações mútuas entre as coisas. Assim, a guerra é aquilo que acaba com a paz. A paz é aquilo que acaba com a guerra.
              No universo classificador a pergunta básica é “O que é isso?”. No relacional a pergunta básica é “Como isso se relaciona com as outras coisas?”.
              As coisas e fenômenos são vistos como parte de um sistema de inter-relações.
              No universo classificador, o gato é definido como um animal mamífero, vertebrado, felídeo etc...
              No universo relacional, o gato é o animal que come o rato.
              Na nossa cultura, a informação relacional tem sido mais valorizada pelos artistas.
              Ao olhar para um gato e uma cadeira, o pintor vê uma relação entre eles: o gato sobre a cadeira pode resultar em uma bela composição.
              O universo relacional pode ser também encontrado em um  passeio descompromissado pela net

              Começo pesquisando Edgar Alan Poe. Em um dos sites encontro que esse autor influenciou o argentino Jorge Luis Borges. Vou à página sobre Borges e encontro a informação de que o autor de O Alpeh era fanático por tigres. Acabo minha pesquisa em uma página sobre tigres (ou posso continuar infinitamente, seguindo o rastro das relações entre as coisas).

Corra, Lola, corra!

 


Corra, Lola, corra é um filme alemão dirigido por Tom Tykwer cujo roteiro é todo construído a partir de conceitos da teoria do caos.
O princípio básico da teoria do caos é a dependência sensível das condições iniciais. Ou seja, pequenas alterações no início de um processo podem provocar grandes alterações lá na frente. A história é toda construída, nos mínimos detalhes a partir desse conceito.
No filme, Lola entra em uma loja para comprar cigarros e tem sua motoneta roubada. Isso faz com que ela se atrase para um encontro com o namorado, que está transportando dinheiro de um traficante. Esse atraso faz com que ele decida pegar o metrô, onde acaba esquecendo o saco com o dinheiro, que é roubado por um mendigo.
Agora Lola tem 20 minutos para conseguir 100 mil marcos antes que o namorado seja morto. A trama acompanha a correria da personagem tentando resolver a situação: ela quase é atropelada, passa por diversas pessoas (e vemos em flashs como será o futuro de cada uma dessas pessoas).
O plano não dá certo e o filme volta ao início, ao momento em que Lola está recebendo a ligação do namorado.
Esse roteiro em looping permite observar como pequenas alterações vão provocando mudanças: é a mulher que, na versão anterior iria enveredar pela bebedeira e perder o filho e agora ganha na loteria e se torna rica, é o homem que bateu o carro na primeira versão e não bate... a corrida de Lola agora vai provocando alterações por onde passa como se ela fosse um efeito borboleta.
Há um outro filme sobre o assunto, com o título óbvio de Efeito borboleta, mas Corra Lola é muito mais interessante pela complexidade da trama e por mostrar como as alterações vão ocorrendo em diversas escalas (no filme Efeito borboleta as alterações ocorrem de maneira limitada, geralmente centradas no protagonista).
Além disso, a linguagem do filme é caótica, com corte rápidos, misturando cenas live action com animações, flashs fotográficos até jogos eletrônicos.
Corra Lola é um dos melhores exemplos de como teorias científicas podem ser usadas como base para filmes. 

Liga da Justiça – O desafio do senhor das armas

 


Na segunda história da Liga da Justiça, na época em que a equipe ainda não tinha título próprio (era publicada em The Brave and the Bold), eles enfrentaram um vilão do futuro chamado Xotar.

A história, escrita por Gardner Fox e desenhada Mike Sekowsky já começa com uma splash page com uma situação aparentemente insolúvel, no melhor estilo DC Comics da Era de Prata. Os integrantes da Liga da Justiça estão sentandos numa mesa em posições rígidas como se tentassem escapar de algo que os prende. “Uma força estranha nos agarrou... prendendo-nos às cadeiras!”, explica a Mulher Maravilha. “Como podemos reagir, se não mexemos um dedo?”.

Já o mascote da Liga, Snapper Caar reflete: “Cara, essa luta é marmelada! É melhor meus chapas da Liga da Justiça aprontarem uma boa catimba logo, se é pra acabar com esse doido do futuro!”. Mesmo descontando que essa é uma tradução contemporânea da Panini, a fala parece estranha, com gírias forçadas como se fosse uma pessoa de meia idade tentando imitar a fala de um jovem.

O vilão consegue paralisar os heróis. 


Na trama, o vilão Xotar (pense num nome que funciona muito mal em português!) foge do futuro após ser perseguido pela polícia. Ele tem quatro armas e por alguma razão acha que apenas uma irá funcionar contra os policiais. Por outro lado, ele também acha que aquela que derrotar a Liga da Justiça será a que poderá ser usada contra os policiais. Ele se baseia num trecho do caderno da Mulher Maravilha que o mencionava e dava a entender que uma de suas armas havia tido êxito ao derrotar a Liga: “xxx uma das quatro armas que Xotar usou xxx xxx xx xxx para derrotar a Liga da Justiça da América”. As partes em X eram as que haviam sido desgastadas pelo tempo.

Assim, ele prende os heróis usando a tecnologia do futuro e os vai liberando um a um para testar cada uma das armas a começar pelo Flash, que usando seus poderes consegue se libertar sozinho.

Essa estrutura, embora não faça muito sentido do ponto de vista de estratégia, funciona como método de narrativa, já que permite fazer capítulos focados em personagens.

Flash se destaca nessas primeiras histórias da Liga. 


Uma das armas reduz a vítima até o nível atômico, a outra involui, outra envolve a pessoa numa bolha amarela (para evitar os poderes do Lanterna Verde) e assim por diante. Mas a arma que parece mais efetiva é que congela o adversário, usada logo no início, algo que Xotar parece não perceber. Aliás, com a capacidade de viajar no tempo, ele poderia ir para qualquer período da história para fugir dos policiais ao invés de bolar essa trama rocambulesca em que ele precisa derrotar a Liga para depois voltar e derrotar os policiais. Olhando em retrospecto, Xotar não parece muito inteligente. 

Como era comum nas histórias da DC da era de prata, a motivação do vilão está relacionada a um equívoco. No final da história, quando a Mulher Maravilha escreve em seu caderno sobre o encontro com Xotar descobrimos que ele entendeu de maneira completamente equivocada o texto. Naquela época, aparentemente, não havia teste de QI para ser vilão da Liga.

Em tempo: embora não seja o mais poderoso, quem brilha na história é Flash, o que ajuda a entender porque ele foi o responsável pelo início da era de prata.  

Fra Angélico – A coroação da virgem

 


Fra Angélico foi um dos principais nomes do estilo gótico internacional e membro da Ordem Dominicana. Seu nome religioso na verdade era Fra Giovanni, mas os monges o apelidaram de Fra Angélico devido à grandiosidade da sua obra.

Com um arte totalmente voltada para temas religiosos, suas pinturas pareciam ter origem divina. Dizem inclusive que ele jamais modificou ou retocou qualquer de suas obras, pois acreditava eu se fizesse isso estaria indo contra a vontade de Deus.

Fra Angélico foi provavelmente o criador da sacra conversazione, em que os figurantes de uma pintura aprecem todos muito próximos um dos outros, como se estivessem entabulando uma conversa.

Eu tive oportunidade de apreciar uma obra desse grande gênio quando visitei o Museu do Louvre, na França. A obra em questão era A coroação da virgem (1435), um dos temas prediletos do artista.

Na imagem, Jesus está coroando sua mãe à volta deles há anjos e santos (percebemos que não são normais por conta das auréolas).

Tirando Jesus e sua mãe, todos os outros estão muito juntinhos, quase amontoados, na famosa sacra conversazione. Além da bela composição, o retábulo chama a atenção pelo volume dado aos rostos, o que era uma grande novidade na Idade Média – até então as figuras eram chapadas. Também se destaca o fato de que cada um dos integrantes da multidão tem uma expressão facial ou uma pose diferente – alguns inclusive estão de costas, o que devia ser uma grande novidade numa época em que todos eram pintados de frente, na mesma posição e olhando para o expectador.

O bem amado

 


O bem amado foi a primeira novela em cores da TV brasileira. Foi também a primeira a ser exibida em outras países. Mas a origem dela foi uma peça escrita por Dias Gomes e que ele achou que nunca seria encenada.

Escrita em 1962 e publicada na revista Cláudia, ela só foi encenada em Recife, em 1969. A razão é que os produtores achavam que tinha muitos personagens.

Na trama um político corrupto e oportunista chamado Odorico Paraguaçu se elege prefeito com a promessa de construir um cemitério, já que até então era necessário levar os mortos para outra localidade. Ele tira dinheiro da saúde e educação, mas consegue realizar sua obra. Só que, azar dos azares, ninguém morre, o que ameaça levar o prefeito ao impeachment pelo gasto desnecessário.

A peça deu origem à primeira novela colorida da televisão brasileira. 


No texto, publicado pela editora Bertrand o que chama a atenção é a ótima caracterização dos personagens, em especial Odorico, e o senso de humor refinado de Dias Gomes, que consegue ser, ao mesmo tempo, muito inteligente e extremamente popular.

Odorico se caracteriza principalmente pelos neologismos, como “defuntice compulsória”, “namorismo”, “agoramente” e “Botando de lado os entretantos e partindo para os finalmente”.

O texto é de morrer de rir, com destaque para o quinto quadro, quando um rapaz moribundo é levado por Odorico para Sucupira na intenção de que, uma vez morto, inaugurasse o cemitério. Mas acontece uma tragédia: o rapaz não só sobrevive, como ainda fica mais saudável que antes graças ao ar da cidade. “Ele veio com a condição de morrer aqui! Falta de palavra...”, reclama Odorico.  

quarta-feira, novembro 12, 2025

Bórgia integral

 


Ao estudar sobre os Bórgia, o roteirista Jodorowsky ficou fascinado com aquele que ele considerou “o primeiro clã mafioso da história”. Isso o levou a escrever um roteiro, transformando em quadrinhos a saga dessa família controversa que marcou profundamente o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna, inclusive em termos de arte, já que eles foram mecenas de diversos artistas.

Para representar o Renascimento, seus sacerdotes, reis, guerreiros, filósofos, místicos, fanáticos, prostitutas, ladrões e crimes, o roteirista só conseguia pensar em um nome: Milo Manara. Afinal, só ele, com a delicadeza de suas linhas e cores e beleza de suas mulheres, comparável apenas às de Botticelli, poderia desenhar uma história em que sexualidade e atrocidades se misturavam.

Surpreendentemente, Marana aceitou. Para isso, o roteirista incluiu no roteiro uma sequência em que Botticelli queimava um dos seus quadros a pedido do fanático religioso Savonarola. Não se sabe qual era o conteúdo do quadro, mas na história ela aparece como três ninfas tentando despertar Eros.

A história mostra a corrupção e depravação que tomavam conta de Roma. 


O resultado dessa união de duas das maiores mentes dos quadrinhos europeus é a série Bórgia, que agora ganha edição integral pela Pipoca e Nanquim.

A história começa nos dias finais do papado de Inocêncio VIII. Savonarola está pregando na praça e o roteiro aproveita isso para mostrar como era a corrupta Roma daquela época. “As pessoas são roubadas no meio da rua. As casas são saqueadas em plena luz do dia”, diz ele, e a imagem mostra um casal sendo assaltado. Depois são mostradas prostitutas e uma charrete passa, o vento sopra, a proteção se levanta e vemos ali vários religiosos com mulheres semi-nuas. “Os cardeais recebem suborno e se cercam de amantes! A falta de vergonha, a corrupção e a luxúria reinam!”, denuncia o fanático.

Botticelli queima um dos seus quadros: a cena que convenceu Manara a desenhar a série. 


Dentro da residência do Papa, o cardela Rodrigo Bórgia presta seu auxílio ao papa moribundo. Leva para ele uma mulher lactante para que ele possa se alimentar no seu seio. Leva também dois rapazes que farão uma transfusão de sangue para o sumo sacerdote (eles morrem durante o procedimento).

Esse início dá o tom da história, em que poderosos são corruptos e a libertinagem é a tônica.

Rodrigo Bórgia é mostrado como um estrategista (não por acaso, Maquiavel era seu principal conselheiro) que usa sua inteligência e métodos excusos para se eleger Papa, mesmo sendo o candidato com menos chances. Essa sequência mostra como o personagem não tem qualquer tipo de escrúpulos para alcançar seus objevitos.

Manara constrói painéis repletos de detalhes libidinosos no estilo Bosh. 


A morte do antigo Papa faz Roma mergulhar num caos absoluto, e mais uma vez o leitor se surpreende com a estratégia do personagem, agora chamado Alexandre VI, para impor a ordem.

Aliás, essas sequências com Roma mergulhada no caos são alguns dos melhores momentos de Manara. Ele constrói um painel que lembra de Bosh: uma imagem repleta de detalhes, de pessoas entregues aos mais variados tipos de licenciosidades. É um quadro para olhar com lupa, apreciando os detalhes.

Jodorowsky transforma a trajetória da família Bórgia, do sucesso ao ocaso, numa leitura viciante. As situações são muito bem construídas, embora muitas vezes pareçam bizarras e o suspense é muito bem trabalhado. Ficamos especialmente interessados na forma como o Papa Bórgia irá remover os inúmeros obstáculos que encontra à sua sede de poder.

Olympia, de Manet, um dos quadros mais polêmicos de todos os tempos

 


Olympia, de Édouard Manet, é um dos quadros mais polêmicos de todos os tempos. Quando foi exibido pela primeira vez foi considerado um ultraje e provocou a fúria dos conservadores.
A razão disso é a nudez da personagem principal. Sim, sempre existiram obras com nus na história da arte, mas eram de deuses, ninfas, personagens mitológicos.
Giorgione e Ticiano haviam feito pinturas muito parecidas, mas ambas eram protagonizadas pela deusa Vênus. Manet, ao contrário, colocou como personagem de seu quadro uma prostituta, o que foi a origem do escândalo.
O quadro tem vários aspectos simbólicos. Ela traz uma orquídea rosada no cabelo e usa um chinelo solto. A orquídea representa a sexualidade e o chinelo solto simboliza a perda da inocência. Esses indícios e outros adornos, como a gargantilha em forma de laço e o bracelete de ouro a caracterizam como uma cortezã. Ela olha o expectador de frente, em atitude altiva, o que demonstra que ela não se envergonha de sua profissão.
Ao lado dela, totalmente vestida, uma criada negra se inclina, oferecendo um buquê de flores, provavelmente presente de um dos clientes.
Olympia se tornou um ícone da inovação na arte, o que levou a diversas releituras, inclusive de Paul Gauguin.
Atualmente o quadro está exposto no Museu d'Orsay, em Paris. 

Gonzaga - de pai para filho

 

Gonzaga, de pai para filho é uma cinebiografia lançada em 2012 de Luiz Gonzaga e Gonzaguinha assinada pelo diretor Breno Silveira e pela roteirista Patrícia Andrade, os mesmos de Dois filhos de Francisco.
Breno Silveira se especializou em trabalhar vida de músicos no cinema e tirar delas o melhor. Em 2 filhos, ele foi inteligente ao focar a narrativa no pai e seu sonho de transformar seus filhos em astros da música, o que transformou o filme interessante até para quem não gosta de Zezé di Camargo e Luciano, como é o meu caso.
Em Gonzaga, ele focou sua narrativa no conflito entre pai e filho. Foi uma estratégia acertada do roteiro. Cinebiografias costuma pecar por falta de conflito, que é o motor de um filme.  O resultado são cenas soltas da vida do biografado. Em Gonzaga, Breno aproveita-se de uma visita que Gonzaguinha faz ao pai e grava com ele uma entrevista como a linha que costura os as cenas. Esse fato realmente aconteceu e em alguns trechos pode-se ouvir o áudio original de entrevista. Nele transparece não só a vida do cantor, mas sua relação difícil com o filho.
Gonzaguinha foi criado pelos padrinhos, quando criança nunca foi em um show do pai e sente-se abandonado por ele. Luiz Gonzaga acha o filho arrogante e comunista. Em meio à conversa, são apresentados os fatos da vida do rei do baião. Eles precisam superar suas diferenças para mostrarem o que realmente sentem um pelo outro (não é novidade para o expectador que os dois se reconciliam e Gonzaguinha torna-se o grande responsável por resgatar a obra do pai. O interessante é saber como isso acontece).
Um ponto positivo a mais é forma como diretor trabalha a música, muitas vezes compondo cenas inteiras em que a narrativa está focada na música, como na ótima cena em que ele volta para casa no sertão. A sequência não tem diálogos, sendo focada na música "Respeita Januário", cujo refrão é conhecidíssimo: "Luis, respeita Januário. Você é mais famoso, mas seu pai é mai tinhoso...". Alías, essa sequência termina com um fantástico plano emblemático: o carro se afasta e a família é filmada pelo vidro do carro e a locução diz: "Eu sai do sertão, mas o sertão não saiu de mim".
Quer um conselho? Assista Gonzaga, de pai para filho, mas separe um lenço.