domingo, maio 07, 2006
Brinquedos
Tudo começou em uma plácida noite de primavera. O vento fresco entrava pela janela entreaberta e fazia a cortina tremular. Igor foi acordado pelo roçar de pelúcia em seu rosto e pelo sibilo de uma víbora.
- Vamos, acorde, seu idiota. – disse uma voz baixa, mas decidida.
Igor abriu os olhos a tempo de ver a cobra articulada e colorida sussurrar:
- Talvess... devesssemosss... matá-lo assssim, dormindo...
À sua frente estava um boneco de pirata, apontando uma espada para ele.
- Não. – retrucou o Pirata. Já está acordando. Quero que saiba o que vamos fazer com ele.
- Vamos cortá-lo em pedaços e devorar seus olhos. – disse uma voz cavernosa. Igor virou a cabeça e viu seu ursinho de pelúcia. Havia garras em suas mãos e seus olhos estavam vermelhos.
- Se começássemos a tortura-lo agora, quanto tempo acha que ele sobreviveria? – perguntou um soldadinho de chumbo, subindo no nariz do garoto.
- Algumasss horasss... – assegurou a cobra.
Eles ficaram lá, discutindo o que fariam o que ele. Lá estavam os dinossauros de plástico, experimentando seus de dentes de metal, antevendo o prazer da carne humana. Lá estavam os brinquedos de encaixe, desmontando-se e montando-se continuamente, em inquieta ansiedade.
Era como se a vida houvesse milagrosamente aflorado em seus corpos de plástico, tecido e borracha.
Uma única palavra aflorou dos lábios do menino:
- Mamãe!
Ele correu para fora de seu quarto, ouvindo atrás de si o riso de escárnio dos brinquedos.
- Mamãe! Mamãe! Os brinquedos querem me matar!
A mãe foi compreensiva com ele. Explicou que os brinquedos não se mexem, não têm vida, e, portanto, não podem matar ninguém. Ela o levou até seu quarto e fez com que tocasse no brinquedos.
- Vê? São só brinquedos. Não se mexem. Não podem fazer nenhum mal a você...
Ainda assim, Igor só se acalmou quando foi para a cama dos pais. Não dormiu. Passou a noite inteira com olhos abertos, olhando para a fresta da porta, temendo que algum brinquedo passasse por ela.
No dia seguinte não brincou. Nem mesmo chegou perto de qualquer brinquedo. Não tocou nem mesmo no boneco do Wood, que adorava.
Na noite seguinte, a mãe o convenceu a dormir novamente em seu quarto. Ele passou um longo tempo acordado, vigiando os brinquedos, mas não conseguiu evitar o sono. Acordou com uma cutucada no nariz. Era o pirata, espetando-o com a espada.
- Ei, pirralho, viemos para cumprir nossa promessa. E então, pessoal? Que parte do corpo iremos cortar primeiro?
Igor reagir da maneira que já se esperava: correu para o quarto da mãe.
Os brinquedos não tentaram impedi-lo. Nem mesmo riram dele. Sobre a cama dos pais não havia ninguém, apenas uma caixa estranhamente familiar. Igor se aproximou lentamente, e levantou a tampa.
Saltou de lá um palhaço com dentes à mostra.
- Pobre menino, está tão sozinho... não tem a mamãe para fazer-lhe um carinho! – recitou o palhaço, como se cantasse uma canção de ninar. Lembra-se de mim? Você me esqueceu no porão, lembra-se? Sabe o que é passar meses em um local escuro, completamente sozinho? Sem ninguém para conversar?
O garoto gritou, a plenos pulmões:
- Papai! Mamãe!
Mas ninguém respondeu.
Igor começou a abrir e fechar as portas do armário. Em um deles encontrou seus pais. Por um instante achou que era tudo uma brincadeira, que eles iam sair de lá rindo e brincando com ele. Mas não foi isso que aconteceu. Seu pai caiu de frente, as costas tomadas de pequenas facadas. A mãe não caiu. Seu pescoço estava preso a uma corda, amarrada ao teto do armário. Sobre a cama, o palhaço ria e se balançava de um lado para o outro com pequenos saltos das molas.
Igor saiu correndo para a sala. Entrou na estante e ficou lá, no escuro, tremendo e suando, enquanto ouvia os brinquedos procurando-o:
- Nós o encontraremos, seu pirralho! Nós o encontraremos... e então vamos decidir... que parte de seu corpo cortaremos primeiro!
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