¨Quadrinhofilia¨ (HQM, 94 páginas) é um álbum que reúne os vários anos de experiência do quadrinista curitibano José Aguiar. São histórias solo e em parceria com roteiristas (entre eles, este que vos escreve) e desenhistas.
Entre as várias HQs, ¨Catarrinho de amor¨, sobre pessoas que colocam nomes absurdos em seus filhos é, certamente, a que vai agradar mais aos leitores interessados no lado cômico, que José Aguiar já havia explorado no álbum Folheteen.
Outro grande destaque do livro é ¨Baile de Salão¨, produzida numa época em que o artista redescobria o carnaval. Quem conhece o carnaval de Curitiba sabe o quanto essa homenagem tem de espantoso. Há uma lenda segundo a qual os guardas mandam sentar quem resolve dançar durante a apresentação das escolas de samba da capital paranaense. Aguiar parece alguém que nunca comeu melaço e se espanta com o sabor. Sua HQ tem gosto de nostalgia e romantismo e talvez desperte os leitores para a magia dos carnavais antigos.
¨Genealogia do mal (ou eu fui um bebê diabo no ABC paulista)¨ é uma demonstração de como um desenhista competente e um roteirista inspirado podem criar uma HQ de fôlego. Na época em que existia a revista Manticore, havia a proposta de publicar um especial apenas com mitos urbanos e ABS Moraes escreveu sobre o bebê diabo, um personagem criado pelo jornal Notícias Populares num dia em que não havia nenhum crime para preencher a manchete. Altamente influenciado por autores como Warren Ellis, que elevaram o texto quadrinístico a um patamar poucas vezes alcançado, Moraes construiu uma HQ que mexe com o leitor, ao mesmo tempo em que sugere que a imprensa marrom é cria da ditadura militar. Aguiar captou o espírito sombrio da história e ainda contou com a sorte. Para não comprometer a arte final de Jairo Rodrigues, ele pintou em aguada sobre a cópia xerox. A tinta não pegou direito e deu um efeito macabro que contribuiu em muito para o clima da HQ. Os leitores que compram mensalmente revistas como a Pixel Magazine vão imediatamente perceber as semelhanças de narrativa (e talvez percebam, perplexos, que existem sim grandes roteiristas em terras tupiniquins)
Em ¨Quadrinhos e outras bandas (desenhadas)¨, José Aguiar aventura-se no gênero jornalístismo quadrinístico (que tem como grande representante Joe Saco, de Palestina), mas fazendo algo que se aproxima mais de um blog e pode dar abertura para um novo gênero, o diário quadrinístico. A história conta sua viagem à Europa e seu contato com a realidade dos quadrinhos daqueles países, em muitos aspectos semelhantes à nossa.
O volume tem três trabalhos com roteiro meus. Um deles, ¨O Gabinete do Dr. Caligari¨ é uma adaptação do filme expressionista homônimo. Qualquer adaptação de uma linguagem para outra é difícil, mas no caso, tendo como base um filme mudo, as dificuldades são ainda maiores. Há duas armadilhas: ou só usar o texto da legenda do cinema, ou empanturrar as páginas de texto, fazendo algo que mais se aproxima da literatura. Creio que nessa história nenhum dos erros foi cometido. O texto prima por uma simplicidade poética e casa perfeitamente com o desenho. Aliás, esse é provavelemente um dos melhores trabalhos de José Aguiar. Em Caligari ele usa a cor como elemento narrativo. Isso é demonstrado, por exemplo, na cena em que Caligari é preso pelo narrador, ou na cena em que o oposto acontece. Nas duas, os personagens principais se destacam dos outros por um tom de sépia.
Os outros dois trabalhos em parceria comigo são ¨Entropia¨ e ¨Invasão¨. Nesses dois casos, os roteiros originais foram perdidos e acabaram sendo, com autorização, reescritos pelo desenhista. O resultado é curioso, embora revele uma narrativa bastante diferente da original.
Em ¨Entropia¨, um astronauta no espaço vê a Terra sendo invadida por extraterrestres e depois sendo destruída por explosões nucleares. A história é uma metáfora a respeito da Entropia, conceito da física segundo o qual tudo no universo tende a estados de maior caos. Reescrito, o texto acabou focando a saudade.
A maior diferença, no entanto, é em ¨Invasão¨. Originalmente, a história era uma homenagem aos quadrinhos de terror da EC Comics, editora que revolucionou o gênero na década de 1950. A EC era tão inovadora que provocou a fúria dos conservadores norte-americanos. Ao ser reescrita, a HQ se tornou uma crítica a esses mesmos quadrinhos, critica essa pontuada pelo uso constante da palavra ¨clichê¨.
Apesar da diferença de textos, os desenhos das duas histórias são muito competentes. Entropia é um belo exercício de ficção-científica e as imagens em preto e branco de Invasão lembram os melhores momentos da revista italiana Dylan Dog.
Aliás, Dylan Dog é uma influência tão óbvia que ganhou até uma homenagem na coletânea, na história curta ¨Pirata!¨. Essa HQ faz parte de um grupo que pode ser definido como estudos de linguagem. Esses estudos vão mostrando, ao mesmo tempo, a evolução do artista e as suas inquietações estéticas. Talvez o ápice dessas experimentações seja ¨Absoluto¨, uma HQ em preto e branco que brinca com o título aos moldes da poesia concretista.
A edição da HQM é caprichada, com boa impressão e papel de boa gramatura (exceção à capa, que poderia ser mais grossa, para evitar que o volume se abrisse). A qualidade de impressão destaca o projeto gráfico, elaborado pelo curitibano Líber Paz, que compôs a capa do álbum como fotografias penduradas numa parede antiga. Esse mesmo visual acompanha o início das histórias, num cuidado digno de nota. Além disso, o álbum traz um pósfacio do próprio José Aguiar, no qual ele explica o contexto em que foram realizadas as HQs. Quadrinhofilia é, portanto, uma das grandes pedidas do quadrinho nacional para 2008.
Entre as várias HQs, ¨Catarrinho de amor¨, sobre pessoas que colocam nomes absurdos em seus filhos é, certamente, a que vai agradar mais aos leitores interessados no lado cômico, que José Aguiar já havia explorado no álbum Folheteen.
Outro grande destaque do livro é ¨Baile de Salão¨, produzida numa época em que o artista redescobria o carnaval. Quem conhece o carnaval de Curitiba sabe o quanto essa homenagem tem de espantoso. Há uma lenda segundo a qual os guardas mandam sentar quem resolve dançar durante a apresentação das escolas de samba da capital paranaense. Aguiar parece alguém que nunca comeu melaço e se espanta com o sabor. Sua HQ tem gosto de nostalgia e romantismo e talvez desperte os leitores para a magia dos carnavais antigos.
¨Genealogia do mal (ou eu fui um bebê diabo no ABC paulista)¨ é uma demonstração de como um desenhista competente e um roteirista inspirado podem criar uma HQ de fôlego. Na época em que existia a revista Manticore, havia a proposta de publicar um especial apenas com mitos urbanos e ABS Moraes escreveu sobre o bebê diabo, um personagem criado pelo jornal Notícias Populares num dia em que não havia nenhum crime para preencher a manchete. Altamente influenciado por autores como Warren Ellis, que elevaram o texto quadrinístico a um patamar poucas vezes alcançado, Moraes construiu uma HQ que mexe com o leitor, ao mesmo tempo em que sugere que a imprensa marrom é cria da ditadura militar. Aguiar captou o espírito sombrio da história e ainda contou com a sorte. Para não comprometer a arte final de Jairo Rodrigues, ele pintou em aguada sobre a cópia xerox. A tinta não pegou direito e deu um efeito macabro que contribuiu em muito para o clima da HQ. Os leitores que compram mensalmente revistas como a Pixel Magazine vão imediatamente perceber as semelhanças de narrativa (e talvez percebam, perplexos, que existem sim grandes roteiristas em terras tupiniquins)
Em ¨Quadrinhos e outras bandas (desenhadas)¨, José Aguiar aventura-se no gênero jornalístismo quadrinístico (que tem como grande representante Joe Saco, de Palestina), mas fazendo algo que se aproxima mais de um blog e pode dar abertura para um novo gênero, o diário quadrinístico. A história conta sua viagem à Europa e seu contato com a realidade dos quadrinhos daqueles países, em muitos aspectos semelhantes à nossa.
O volume tem três trabalhos com roteiro meus. Um deles, ¨O Gabinete do Dr. Caligari¨ é uma adaptação do filme expressionista homônimo. Qualquer adaptação de uma linguagem para outra é difícil, mas no caso, tendo como base um filme mudo, as dificuldades são ainda maiores. Há duas armadilhas: ou só usar o texto da legenda do cinema, ou empanturrar as páginas de texto, fazendo algo que mais se aproxima da literatura. Creio que nessa história nenhum dos erros foi cometido. O texto prima por uma simplicidade poética e casa perfeitamente com o desenho. Aliás, esse é provavelemente um dos melhores trabalhos de José Aguiar. Em Caligari ele usa a cor como elemento narrativo. Isso é demonstrado, por exemplo, na cena em que Caligari é preso pelo narrador, ou na cena em que o oposto acontece. Nas duas, os personagens principais se destacam dos outros por um tom de sépia.
Os outros dois trabalhos em parceria comigo são ¨Entropia¨ e ¨Invasão¨. Nesses dois casos, os roteiros originais foram perdidos e acabaram sendo, com autorização, reescritos pelo desenhista. O resultado é curioso, embora revele uma narrativa bastante diferente da original.
Em ¨Entropia¨, um astronauta no espaço vê a Terra sendo invadida por extraterrestres e depois sendo destruída por explosões nucleares. A história é uma metáfora a respeito da Entropia, conceito da física segundo o qual tudo no universo tende a estados de maior caos. Reescrito, o texto acabou focando a saudade.
A maior diferença, no entanto, é em ¨Invasão¨. Originalmente, a história era uma homenagem aos quadrinhos de terror da EC Comics, editora que revolucionou o gênero na década de 1950. A EC era tão inovadora que provocou a fúria dos conservadores norte-americanos. Ao ser reescrita, a HQ se tornou uma crítica a esses mesmos quadrinhos, critica essa pontuada pelo uso constante da palavra ¨clichê¨.
Apesar da diferença de textos, os desenhos das duas histórias são muito competentes. Entropia é um belo exercício de ficção-científica e as imagens em preto e branco de Invasão lembram os melhores momentos da revista italiana Dylan Dog.
Aliás, Dylan Dog é uma influência tão óbvia que ganhou até uma homenagem na coletânea, na história curta ¨Pirata!¨. Essa HQ faz parte de um grupo que pode ser definido como estudos de linguagem. Esses estudos vão mostrando, ao mesmo tempo, a evolução do artista e as suas inquietações estéticas. Talvez o ápice dessas experimentações seja ¨Absoluto¨, uma HQ em preto e branco que brinca com o título aos moldes da poesia concretista.
A edição da HQM é caprichada, com boa impressão e papel de boa gramatura (exceção à capa, que poderia ser mais grossa, para evitar que o volume se abrisse). A qualidade de impressão destaca o projeto gráfico, elaborado pelo curitibano Líber Paz, que compôs a capa do álbum como fotografias penduradas numa parede antiga. Esse mesmo visual acompanha o início das histórias, num cuidado digno de nota. Além disso, o álbum traz um pósfacio do próprio José Aguiar, no qual ele explica o contexto em que foram realizadas as HQs. Quadrinhofilia é, portanto, uma das grandes pedidas do quadrinho nacional para 2008.
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