O Navio Fantasma ficou exposto, no chão, ao lado de pinturas e fotos eslovenas e foi visto por, talvez, milhares de pessoas.
Passaram-se dois meses e ninguém da coordenação da maior exposição de artes da América Latina percebeu o intruso. Quando a Bienal acabou ele ainda estava lá, no chão, entre outros quadros.
Embora o pequeno quadro tivesse sido feito com esmero, o objetivo de Cleiton não foi expor sua arte. Afinal, ele mesmo não leva muito a sério suas produções de final de semana: "Não tive pretensão artística; não sou artista. Estava indo visitar a exposição e tive a idéia de passar esse trote. Foi uma piada".
A brincadeira de Cleiton é, mais do que nunca, oportuna. Ela nos leva a refletir sobre o que é arte.
Alguns certamente criticarão meu tecnicismo, mas vejo a arte do ponto de vista da teoria da informação. Para essa teoria, há duas categorias básicas para se entender qualquer mensagem: a informação e a redundância.
Informação é o que é novo, diferente, inusitado. Redundância é o que já conhecemos, aquilo que já foi dito e repetido e já faz parte de nosso repertório. A verdadeira arte é essencialmente informativa. Ela nos apresenta o novo, acrescenta algo a nosso repertório.
Claro que nem tudo que é informativo é arte. Um jornal está repleto de informação, e nem por isso é arte, até porque seu objetivos são diferentes. A informação em arte é uma informação diferente, transformadora (quando falo de arte, não penso apenas em artes plásticas, mas também em cinema, quadrinhos, literatura, música...) que nos leva a refletir sobre o mundo em que vivemos ou até mesmo sobre nós mesmos.
É esse caráter informativo que faz com que alguns grandes artistas sejam rejeitados em sua época. Van Gogh que o diga. Há, aqui, um jogo de gato e rato entre o sistema e o artista. Enquanto o artista busca o novo, o sistema quer a redundância. Toda proposta deixa de ser artística quando é assimilada pelo status quo. É por isso que os dadaístas faziam obras sem sentido: numa tentativa de impedir essa apropriação do sistema.
Duchamp, A fonte. |
Isso nos leva à conclusão de que a arte tem muito a ver com atitude. Quando os dadaístas colocaram um vaso sanitário em um museu, eles estavam fazendo verdadeira arte. Estavam rompendo com nossos conceitos estabelecidos, nos fazendo refletir não só sobre o mundo ou sobre nós mesmos, mas, principalmente, sobre o que é arte. Só é artístico o que está no Museu ou na Galeria? Um vaso sanitário torna-se uma obra de arte só por estar em um Museu?
Entretanto, quem, hoje, colocar um vaso sanitário numa galeria pode ser chamado de idiota. Alguém já fez isso e isso já foi assimilado pelo sistema. É pura redundância.
Fazer arte consiste em encontrar formas diferentes de fazer aquilo que outros fizeram.
Nesse sentido, Cleiton Campos foi o mais importante artista da Bienal. Seu pequeno quadro tinha a mesma importância das grandes obras das artes plásticas não pela qualidade estética, mas, principalmente, pela atitude.
Esse caráter informativo da arte foi bem definido por Caetano Veloso: "Onde queres o ato, eu sou o espírito; onde queres ternura, eu sou tesão; onde queres o livre, decassílabo". O artista não procura acomodar o receptor, mas ao contrário, frustrar suas expectativas (incluindo as expectativas dos críticos de arte).
Os exemplos são muitos: Bob Dylan deixando de fazer canções políticas porque seu público estava acostumado a só ouvir canções desse tipo; Alan Moore escrevendo quadrinhos de super-heróis para frustrar o público que só esperava dele trabalhos intelectuais...
Também da teoria da informação tiramos outro conceito importante: o de entropia. Entropia é sinônimo de caos, destruição, degradação, mistura. Embora possa ser muito negativa, ela tem um aspecto importante: o de criação. Toda criação começa com um processo entrópico. Não é por outra razão que Chico Science dizia: "Eu me desorganizando vou me organizar". A obra de Cleiton é entropia para o sistema artístico, mas é também sinergia, pois apresenta a possibilidade de novo.
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