O romantismo aparece no contexto ocidental como uma reação à estética neo-clássica e ao racionalismo iluminista. O iluminismo prometia tirar o homem das trevas e do misticismo da Idade Média para colocá-lo numa era de razão e progresso. Os românticos viam isso como uma falácia. A razão não era o caminho para a humanidade, mas o sentimento.
Não por acaso, um dos romances mais importantes do período, e pedra fundamental do que viria a ser a ficção-científica era uma crítica à ciência: Frankstein ou moderno prometeu mostrava os perigos da razão sem ética.
A ficção científica só viria a se tornar um gênero próprio, separado da fantasia, décadas mais tarde, quando Júlio Verne, influenciado pelo samsionismo, imaginou um mundo que maravilhas podiam ser conseguidas através da ciência, seja chegar à Lua, seja viajar ao fundo mar.
O neo-clássico volta-se para a Grécia antiga, berço da razão. A fantasia, em oposição, volta-se para a Idade Média, época de misticismo e mistério.
A Idade Média tinha forte tradição de romances de cavalaria (uma mistura de mitologia cristã e pagã) repletos de misticismo, heróis, feitceiros, espectros, animais místicos, objetos mágicos e seres elementais, ligados à natureza e vindos diretamente das tradições dos povos bárbaros.
Ítalo Calvino no livro Contos Fantásticos do Século XIX relaciona o conto fantástico com a especulação filosófica do período:
“Seu tema é a relação entre a realidade do mundo que habitamos e conhecemos por meio da percepção, e a realidade do mundo do pensamento que mora em nós e nos comanda. O problema da realidade daquilo que se vê – coisas extraordinárias que talvez sejam alucinações projetadas por nossa mente; coisas habituais que talvez ocultem, sob a aparência mais banal uma segunda natureza inquietante, misteriosa, aterradora – é a essência da literatura fantástica, cujos melhores efeitos se encontram na oscilação de níveis de realidade inconciliáveis”.
Segundo Calvino, a literatura fantástica nasceu com o romantismo alemão, mas se espraiou por toda a produção do período. Difícil encontrar autor romântico que não tenha colocado o maravilhoso, o inexplicável em suas obras, em especial Edgar Alan Poe, o pai da literatura de gênero. No Brasil um autor que se aventurou pelo fantástico foi Álvares de Azevedo. Seu livro de contos Noite na Taverna é um dos melhores exemplos disso.
Essa fuga para o passado irá se transformar na alta fantasia, quase sempre ambientada na Idade Média, real o ou imaginária, ou na Espada e magia, ambientada em um passado ainda mais distante, como em Conan, ou em mundos muito diversos do nosso, em que o fantástico torna-se normal, como em Elric.
A ópera O anel de Nibelungo, de Richard Wagner, obra-prima do romantismo, representa essa tendência, e irá influenciar um dos maiores nomes do gênero, Tolkien, até mesmo no tema do anel de poder.
Tzevetan Todorov, no livro Introdução à literatura fantástica explica que a fantasia ocorre num mundo em que não é exatamente o nosso, um mundo povoado por diabos, sílfides, vampiros, no qual produz-se acontecimentos que não podem ser explicados pelas leis de nosso mundo. Diante dele, leitor e herói se vêm diante de duas possibilidades: ou o que ocorreu é fruto da imaginação, ou sonho (como Narizinho, que acorda no final do primeiro livro infantil de Monteiro Lobato ou em Alice no país da Maravilhas) ou o acontecimento é real e, nesse caso, essa realidade é regida por leis que nos são desconhecidas. O fantástico é essa hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, diante de um acontecimento aparentemente sobrenatural.
Para Todorov, portanto, o fantástico implica não só a existência de um acontecimento estranho, mas é preciso que o texto obrigue o leitor a considerar o mundo das personagens estranhas como um mundo de criaturas vivas e a hesitar entre uma explicação natural e sobrenatural. Essa hesitação é normalmente experimentada por um dos personagens da narrativa, muitas vezes o herói.
Roberto de Sousa Causo, no livro Rumo à Fantasia, cita a definição do The Oxford Companion to English Language: “geralmente se concorda que (a fantasia) é ambientada em um mundo distante da experiência comum, alguns ou todos os personagens são diferentes de qualquer criaturas conhecidas, o mundo de fantasia tem as suas próprias regras e lógica, e é normalmente bem ordenado dentro delas, e qualquer personagem quotidiano que entre nesse mundo tem que se conformar ao novo modo de vida. De modo semelhante, criaturas fantásticas podem entrar no mundo familiar, e quando o fazem os seus poderes frequentemente prevalecem”.
O mesmo Roberto Causo lembra que a fantasia se consolidou como gênero literário no mercado editorial a partir de 1923, com a criação da revista Weird Tales. Foi nela que surgiu o gênero Espada e Magia, representado principalmente por Conan, de Robert A. Howard, que escreveu para essa e outras publicações.
A outra corrente famosa é a alta fantasia, representada principalmente por J.R.R. Tolkien de O Hobbit e O senhor dos anéis. Nessa vertente, o autor cria todo um mundo próximo, mas diferente do nosso. Esse mundo é descrito em detalhes culturais, geográficos e históricos ao longo da narrativa e o leitor se acostuma à regras desse novo mundo (vale lembrar que Robert A. Howard também definiu muito bem o mundo de Conan, mas com outro enfoque).
Vários outros autores da época se debruçaram sobre o gênero, com destaque para As crônicas de Narnia, de C.S. Lewis, que colocou heróis humanos normais atravessando para um mundo de contos de fadas, em que existem duendes, centauros, magos, feiticeiras e muitos outros, numa quase apresentação prática dos princípios de Todorov.
Embora tenha feito um sucesso relativo na época de sua publicação (1954-1955), a saga de O senhor dos Anéis só se tornou um sucesso estrondoso na década de 1960, quando um editora americana aproveitou o fato de que o livro não havia sido registrado nos EUA para lançar uma versão não-autorizada e barata. O livro fez enorme sucesso com os hippies, uma geração muito parecida com a dos românticos do século XIX que transformaram a fantasia em um gênero literário. Como os românticos, a geração dos anos 1960 criticava o racionalismo e pregava uma volta a um mundo menos tecnológico e mais sentimental.
O gênero ganhou ainda mais popularidade com a criação do RPG Dungeons and Dragons e da série televisiva derivada, A caverna do dragão, um sucesso extraordinário até hoje. A animação da Disney A espada era a lei também merece destaque por retomar o mito arturiano, assim como o filme História sem fim (baseado no livro do escritor alemão Michael Ende).
Finalmente, tivemos recentemente o fenômeno Harry Potter e os filmes de O senhor dos anéis e Crônicas de Narnia, que aumentaram ainda mais o interesse pela fantasia fazendo com que ela concorra fortemente com a ficção científica.
Hoje duendes, dragões, sereias elfos fazem parte do imaginário popular de milhões de pessoas. Mas, se os primeiros escritores germânicos que se debruçaram sobre o gênero tinham uma rica mitologia para explorar, nós também temos: mapinguaris, sacis, mãe-d´água, cobra grande, os exemplos são muitos.
Infelizmente essa riqueza raramente vem para a literatura. São raras as iniciativas de utilizar a mitologia nacional para criar um universo de fantasia.
Talvez falte um diálogo com a mitologia clássica da fantasia, um encontro dos sacis com hobbitts, de sereias com a mãe d´água, de dragões com a cobra grande.
Essa é a proposta da antologia Terra da Magia: provocar um diálogo de duas mitologias, criando histórias tipicamente de fantasia, mas com um sabor regional.
Clique aqui para saber mais sobre a antologia.
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2 comentários:
Grande Estudo,Gian.Fico Impressionado até Hoje com Júlio Verne,Robert E.Howard,Tolkien e C.S.Lewis.Esses Caras criaram Mundos com Detalhes Impressionantes e Fantásticos.Seus Contos e Histórias nunca Envelhecem.Valeu pelo Grande Texto!
Faltou a literatura de fantasia mais fantástica que conheço: As bíblias sagradas das diversas religiões...
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