segunda-feira, agosto 20, 2012

War – histórias de guerra


Quando fui convidado por Franco de Rosa para reescrever as histórias do volume War – histórias de guerra (com histórias escritas por Luís Merí e publicadas na década de 1960) imaginei que estaria cometendo uma espécie de sacrilégio. Afinal, sempre fui fã de Colonesse  e apreciava seus desenhos até nos livros didáticos. Tenho até hoje um livro de filosofia da FTD que, apesar do conteúdo fraco, foi guardado apenas por causa das ilustrações do mestre. Algumas semanas depois, quando o pacote com as histórias finalmente chegou à distante Macapá, pude ler as histórias e perceber que, de fato, elas não funcionavam para o leitor atual. Algumas tinham problemas estruturais, de com tradições internas, mas a maioria simplesmente apresentava uma narrativa datada,  típica de uma época em que desenho e texto eram redundantes.
Nesse período, minha mulher viajou com meus filhos e isso me permitiu algumas extravagâncias. Entre elas, escrever à noite (ao contrário de 99% dos escritores, eu não sou notívago).
Lá estava eu, com um monte de histórias prontas, que eu não havia escrito me perguntando o que poderia fazer. Decidir começar pelas mais difíceis, ou seja, pelas que apresentavam mais problemas, o que me deixaria mais à vontade para mexer nas outras. “Paredão” e “Granja” se encaixavam nesse perfil.
Alan Moore diz que o escritor deve “entrar” no personagem e no clima da história para conseguir repassar algo ao leitor. Como posso querer que meu leitor sinta medo se eu não sinto medo enquanto escrevo? Como querer que o leitor sinta o mesmo que o personagem se eu não sinto? Assim, cada vez que escrevo uma história, me vejo sendo possuído por seus  personagens.
Para escrever “A Granja” eu me imaginei como uma mulher vivendo em plena guerra que viu seus pais serem assassinados. Tive pesadelos com isso, com as explosões, a guerra e a crueldade nazista.
A experiência me mostrou algo que hoje considero óbvio: a protagonista Anita havia enlouquecido, embora o texto original não fizesse nenhuma menção a isso. Para demonstrar essa loucura, usei no texto a sinestesia, uma figura de linguagem em que os sentidos se misturam: cheirar cores, ouvir cheiros, etc.
Eu havia decidido que “Paredão” seria uma história romântica. Imaginei a protagonista, já velhinha, contando para alguém a história do amor de sua vida.
Para entrar no clima, peguei todos os CDs românticos que tinha em casa e os ouvi enquanto lia, preparava aulas, corrigia trabalhos ou produzia o texto para a história. Uma música de Roberto Carlos particularmente me chamou atenção: “A estação”. A música era narrada em tempo real e falava de um homem cujo amor de sua vida vai partir em um trem. A indecisão da mulher e a tristeza do homem eram mostrados com perfeição: “Para não me ver mais triste ainda ela sorriu, me olhou nos olhos, me beijou, depois saiu. Caminhou com passos calmos e parou. Me acenou mais uma vez, depois seguiu”. Era esse clima de separação que eu pretendia passar na história. Eu estava curioso para saber qual seria a reação à minha visão romântica da guerra e ainda estou.
Essas duas HQs me deram o parâmetro que eu deveria seguir nas outras e são minhas prediletas.

Nota: Essas histórias reescritas por mim e desenhadas pelo Colonnese foram publicadas no álbum War – histórias de guerra, da editora Opera Graphica em 2003. Foi uma edição de colecionador, numerada e autografada pelo desenhista exemplar a exemplar. O álbum inclui também uma história inédita, escrita por mim e desenhada pelo Colonnese  sobre a guerra do Iraque chamada “O gato e o rato”.  Um lindo trabalho a lápis que mostrou aquilo que os fãs do desenhista já sabiam: ele só melhorara com os anos.  

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