Na última semana o suposto estupro de Sansa Stark tem
dividido o público. Há inclusive uma campanha promovendo o boicote à série
acusada de estimular a violência sexual. Antes de mais nada, é bom lembrar que
o estupro não é mostrado como algo positivo, fica bem claro que ali é apenas
mais uma das violências de seu noivo. Ainda assim, acredita-se que a cena
poderia estimular estupros.
O tema toca exatamente na questão do poder dos meios de
comunicação de massa e para entendê-lo é essencial entender o que os teóricos
têm falado sobre o assunto.
No início do século XX a teoria predominante para explicar o
poder da mídia era a teoria hipodérmica. Segundo essa teoria, a mídia era uma
agulha, que injetava seus conteúdos diretamente na mente dos receptores,
provocando um esquema ESTÍMULO - RESPOSTA IMEDIATA. Assim, ao assistir a uma
propaganda de Coca-cola, a pessoa sairia correndo para comprar uma Coca-cola.
Ao ver um negro sendo agredido num filme, a pessoa sairia do cinema disposta a
agredir o primeiro negro que encontrasse pela frente. Ao ver um homossexual na
TV, a pessoa sairia imediatamente em busca de um parceiro do mesmos sexo para
iniciar um relacionamento homossexual.
Essa teoria caiu por terra na década de 1940, depois
diversas pesquisas de grande rigor científico realizadas por Lazzarsfeld.
Lazzarsfeld percebeu que a teoria hipodérmica desconsiderava completamente os
grupos primários (a família, os amigos da igreja, os amigos da escola, os
amigos do trabalho) e sua influência sobre as pessoas. Descobriu-se, assim, que
a mídia não muda comportamentos, ela apenas reforças comportamentos
pré-existentes e geralmente aprovados pelo grupo primário. O grupo primário
pode, inclusive, inverter o sentido da mensagem da mídia. Uma pessoa crescida
numa família racista, ao ver uma programação racista, terá seu comportamento
reforçado. Por outro lado, um programa racista poderá gerar uma maior rejeição
a esse comportamento se o grupo primário entender que esse comportamento é
negativo.
Exemplo muito bom disso foi a campanha "Do jeito que o
diabo gosta", da Antartica. A campanha, imaginada como uma divertida peça
de carnaval, foi vista com um olhar religioso por parte de muitos grupos
primários e seus líderes de opinião (o pastor, o padre, os amigos da igreja) e
o resultado foi um fracasso absoluto, a ponto de muitos donos de bares
impedirem a colocação de cartazes. Ou seja: o grupo primário mudou o sentido e
a leitura da mensagem da mídia.
No Japão, mesmo com toda a violência da mídia, a violência
real é mínima porque as pessoas são educadas desde muito cedo a respeitar o
outro. Há pesquisas inclusive que sugerem que a violência da mídia é uma forma
dos japoneses extravassarem a violência que socialmente é inaceitável.
No caso dos nerds fãs de Guerra nas estrelas que propagam a
volta da ditadura militar, podem observar que quase todos dizem frases como:
"Minha mãe (ou meu pai) me diz que na época do regime militar a vida era
bem melhor". E há até quem diga que Guerra nas estrelas é uma série
favorável ao regime militar. Ou seja: a mensagem dos filmes, nitidamente
contrária a regimes totalitários, não conseguiu sobrepor a influência do grupo
primário e, em alguns casos, o grupo primário modificou até mesmo a leitura dos
filmes de acordo com comportamentos aceitos pelo grupo.
No caso de Guerra dos
tronos, a cena de estupro de Samsa só aumentará a revolta contra esse tipo de
comportamento no caso de alguém que tenha sido criado num grupo primário em que
se ensina que a consensualidade é elemento essencial e obrigatório em qualquer
relacionamento. Por outro lado, uma campanha contra estupros pode parecer
excitante para alguém que já tem esse comportamento.