domingo, abril 17, 2016

O zen e o epicurismo


O budismo e o epicurismo surgiram em períodos relativamente próximos e há tempos tenho observado muitos pontos de contato entre essas duas filosofias, o que pode significar que em algum momento houve alguma troca cultural (Epicuro teria entrado em contato com o budismo? Posteriormente o budismo teria assimilado algo do epicurismo?). Apresento aqui alguns pontos que considero semelhantes entre eles, mas lembrando que não sou exatamente um especialista no budismo (de modo que amigos que saibam mais sobre o assunto podem complementar).
Uma das bases do epicurismo é a ideia de moderação. Devemos ser moderados em tudo que fazemos, exercitando um auto-controle como forma de conseguir a felicidade. Mesmo algo que dá prazer, como comer, deixa de ser prazeroso se a pessoa se empanturra e passa mal (e, lembrando que, para Epicuro, prazer era o oposto de dor, se algo traz sofrimento não é prazer verdadeiro). Comer o suficiente, sorvendo os alimentos, é muito mais sábio que comer como um doido, mal sentindo o gosto do alimento. O mesmo vale para todas as outras instâncias da vida. Para Epicuro devemos ser moderados em tudo que fazemos. Lembra muito o caminho do meio da filosofia budista. Antes de se tornar Buda, Sidarta viveu primeiro uma vida de luxo e abundância, como príncipe. Depois tornou-se um asceta (e dizem que nessa fase ele comia um grão de arroz por dia). Quando se iluminou, percebeu que esses dois extremos eram negativos. O certo é não comer até se empanturrar e nem passar fome. Lembra as ideias de Epicuro, não?
Epicuro dizia que boa parte da nossa infelicidade é provocada pelo medo da morte. As pessoas deixam de viver o momento por medo do que acontecerá no futuro. E é um medo sem razão: se existir vida após a morte, ainda estaremos vivos, então não há porque temer a morte. Se não existir vida após a morte, então não estaremos lá para lamentar isso e, portanto, não fará diferença. Lembra muito a ideia zen-budista de foco no presente. A ideia é que não devemos nos preocupar com o que acontecerá no futuro, mas vivermos o momento presente da melhor forma. O meditação zazen, inclusive, ajuda nisso: em manter o foco no agora.
Epicuro dizia que tudo é formado de átomos, partículas elementares das quais tudo é feito e que as diferentes formas são apenas diferentes organizações desses átomos. Um cachorro é feito da mesma substância primordial de uma pedra. A ciência moderna resumiu esse pensamento no princípio de que somos feitos de poeira das estrelas. Lembra muito a ideia budista de vazio, em que as coisas são na verdade feitas de outras coisas, não tendo uma substância, uma essência. A essência de todas as coisas é a mudança. Assim, uma mesa não é uma mesa, ela está mesa (mas antes foi uma árvore, se foi feita de madeira).  

Epicuro era um crítico das filosofias deterministas (como o estoicismo) e acreditava que não existe destino, ou seja, o ser humano é dono de seu próprio destino, sendo o único responsável por suas decisões. Lembra muito as palavra do monge Genshô: “Se houvesse destino nossas decisões estariam prejudicadas pois o que quer que fizéssemos o destino decidiria por nós, um absurdo lógico, se assim fosse nenhum criminoso seria responsável e sim o destino, nenhum ato bom teria mérito também”.

1 comentário:

Alec Saramago disse...

Muito bom! Agradeço