A primeira cena do filme Professor Marston e as
Mulheres Maravilhas é sintomático: crianças, orientadas por seus pais, levam
seus gibis para uma praça e fazem uma fogueira na qual trepidam exemplares da
revista estrelada da Mulher Maravilha, sob o olhar assustado de seu criador.
Embora provavelmente seja uma invenção, uma vez que
a perseguição aos quadrinhos se tornou forte na década de 1950 e Marston morreu
em 1947, a cena se torna uma síntese dos aspectos mais pungentes do filme
dirigido por Angela Robinson e lançado em 2017.
A película conta a história de Wiliam Marston,
psicólogo criador do detector de mentiras e da Mulher Maravilha e de sua
família pouco convencional, formada por ele, sua esposa Elizabeth, uma
ex-aluna, Olive Byrne em uma época extremamente conservadora e machista. Sua
esposa, embora seja altamente qualificada (segundo alguns teria sido dela a
ideia de usar a pressão sanguínea no detector de mentiras), só consegue emprego
de secretária. E o próprio Marston tem dificuldades de arranjar emprego quando
começam as fofocas sobre o relacionamento dos três. Uma época em que até mesmo
o movimento feminista era conservador – a tia de Byrne, uma das decanas do feminismo
norte-americano, mantém distância do trio com medo de comprometer o movimento.
O filme explora com sensibilidade a vida de Marston
e de suas duas esposas e de como todas as experiências do trio contribuíram
para a construção da personagem – da teoria DISC criada por Marston e ingorada
pela academia, que servirá de base para as histórias, ao fascínio por aviões e
a experiência com bondage e o detector de mentiras (que na personagem se
transformará numa corda).
Uma das cenas mais emblemáticas e lindas é quando
Byrne veste uma roupa “burlesca” em um clube fetichista e segura uma corda. A
cena remete diretamente à personagem Mulher Maravilha.
Destaque para a direção inspirada, que torna belas
e idílicas até mesmo cenas que poderiam se tornar pesadas sob mãos enos hábeis
e para a atuação espetacular do trio de protagonistas. Aliás, a construção dos
três personagens segue a teoria DISC criada por Marston: Elizabeth é a dominância,
Marston a influência e Olive a submissão – há um plot twist no final, em que
esses papéis se invertem.
Esse é um filme sobre preconceito contra o que é
diferente e como esse preconceito muitas vezes eclode de maneira violenta. Mas
é também um filme singelo e emocionante sobre amor: o amor entre o trio, o amor
deles pela psicologia, o amor pelos quadrinhos...
A título de curiosidade, a Mulher Maravilha, após
ser resgatada pelo feminismo na década de 1970 se tornou um símbolo do
movimento – e o filme lançado recentemente foi a ponta de lança contra o
assédio em Hollywood. E a teoria DISC, desprezada na época, hoje foi
reabilitada e é moda, sendo muito usada em análise de padrões de comportamento
e até em processos seletivos de empresas.
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