quinta-feira, outubro 24, 2019

A guerra dos gibis


A campanha do Dr. Fredric Werthan contra os quadrinhos teve um grande impacto no Brasil por causa de uma questão política.
     Segundo Gonçalo Júnior, autor do livro A Guerra dos Gibis, embora existissem iniciativas isoladas desde a década de 30, quando os quadrinhos de aventura chegaram ao Brasil, a campanha contra os quadrinhos só tomou fôlego na década de 40, graças a uma briga entre Roberto Marinho, do Jornal O Globo, e Orlando Dantas, do Diário de Notícias. Dantas estava ganhando mercado ao promover concursos em que os leitores do jornal concorriam a prêmios em dinheiro. Preocupado com a concorrência, Marinho usou sua influência junto ao governo Vargas para fazer com que fossem proibidos os prêmios em dinheiro.
            Dantas, agora sem o principal atrativo de seu jornal, passou a atacar Marinho pelo que considerou o seu ponto fraco: o fato de seu concorrente ser um dos principais editores de histórias em quadrinhos do Brasil (sua publicação Gibi acabou virando sinônimo de quadrinhos). Dantas, ex-repórter de Assis Chateaubrind, sabia que a melhor forma de um jornal sair de uma situação financeira difícil era comprar briga com um concorrente de peso. O Diário de Notícias passou a acusar os gibis de provocarem preguiça mental, inculcarem valores estrangeiros nos jovens e incentivarem a violência. Na verdade, Dantas não tinha nada contra quadrinhos, e, aliás, tinha sido um dos pioneiros a publicar tiras de jornais no Brasil (o humorístico Popeye), mas ele logo descobriu que a melhor forma de chamar atenção para si e alfinetar o rival era fazer acusações aos gibis.
Passou a ser moda falar mal dos gibis. Até mesmo quem nunca tinha lido uma revista se apressava a dar sua opinião. A jornalista Ivone Jean, do Correio da Manhã, por exemplo, escreveu um artigo no qual pedia reconhecimento público por ter roubado um gibi do consultório de um pediatra, impedindo assim, que as crianças tivessem contato com a leitura. Além de se vangloriar do crime, a jornalista admitia que sua birra se devia ao fato dela não compreender o código quadrinístico: “Não sei ler histórias em quadrinhos! Aprendi a ler da esquerda para a direita e linha após linha. As legendas atrapalhadas que ilustram os desenhos são impressas em caracteres estranhos e dançam em todos os sentidos”.
            Mas a campanha contra os gibis teria seu momento mais grave a partir de 1953. Dessa vez, além de Dantas, Roberto Marinho teria contra si Samuel Wainer, do jornal Última Hora. Assim como acontecera com o Diário de Notícias uma década antes, o diário de Wainer estava tomando leitores de O Globo, graças a inovações editoriais. Marinho concentrou sua artilharia no concorrente e descobriu que Wainer não era brasileiro, pois chegara ao Brasil com dois anos de idade. Na época a legislação proibia estrangeiros de terem veículos de comunicação no Brasil.
            Wainer vingou-se empreendendo uma dura campanha contra as histórias em quadrinhos que durou anos. Para isso foi destacado o repórter Pedro Morel. Este percebeu que a estratégia de maior impacto era acusar os gibis de serem responsáveis pela criminalidade infantil. Citando as pesquisas de Fredric Whertan, Morel defendeu que as histórias em quadrinhos ensinavam as crianças como cometerem crimes.
            Para provar o que dizia, Morel foi ao Reformatório de menores Saul de Gusmão atrás do maior criminoso juvenil da época, um tal de Lilico, apelidado de “Terror do subúrbio”. Para sua decepção, encontrou o rapaz jogando futebol, e não lendo gibis. Mas nem por isso achou que seria o futebol o responsável pelos crimes de Lilico. Os responsáveis deviam ser os gibis.
            Apesar da total falta de embasamento e de serem resultados de uma briga de mercado, as denúncias deram resultado. Nas portas das igrejas eram distribuindo panfletos orientando pais a não deixarem seus filhos lerem quadrinhos. Em alguns locais os professores tiravam cinco minutos diários de suas aulas para falarem dos riscos da leitura dos gibis.
            Um dos resultados dessa campanha se vê nos testes escolares. Desacostumados a ler, os estudantes são incapazes de interpretar os textos mais simples. Nos países em que a leitura dos gibis foi estimulada a realidade é outra.

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