Existem escritores fundadores, cuja obra é tão fundamental
que nada em determinado gênero pode ser feito sem considerar seu trabalho. A
partir dele, tudo que é escrito ou é imitando-o ou tentando escapar de sua influência.
Edgar Alan Poe foi um desses autores. De sua obra saíram o
terror moderno, o policial, a ficção-científica, a fantasia e quase toda a
literatura de gênero.
Entre os discípulos de Poe, um se destacou por renovar o
terror, levando-o a um patamar superior.
Este homem chamava-se HP Lovecraft.
Os contos de Poe em geral abordavam a loucura da mente
humana. Num mundo racional e objetivo, cientificamente construído, o terror
acometia aqueles que, tomados pela culpa ou pela paralisia de seus próprios
pavores, não se encaixavam na ordem exterior. Mas havia um mundo lá fora,
organizado e racional, quase o contrário do mundo interior em que os
personagens transitavam.
Em Lovecraft não existe mais esse mundo racional. Tudo é
caos e somos como formigas, vítimas de eventos grandiosos demais para serem
compreendidos.
Para entender a obra de Lovecraft é necessário entender as
mudanças pelas quais a ciência passava na época em que sua obra foi escrita.
Na época de Poe dominava a física clássica, newtonia, que
via o mundo como relógio. Racional e ordenado, esse relógio só necessitava que
o abríssemos e desmontássemos para entender seu funcionamento. Tempo e espaço
eram absolutos (eram os mesmos em qualquer lugar, em qualquer situação). Esse
universo-relógio era perfeitamente compreensível e faltava pouco para que o ser
humano desvendasse todos os seus mistérios.
Então, no início do século XX, a teoria da relatividade e a
física quântica mudaram tudo e nos mostraram que o universo era um grande
mistério que talvez nunca fosse solucionado. “O universo de nêutrons, quasares
e buracos negros é estranho para nós e nós somos estranhos nesse universo”,
escreveu James Turner, na introdução do livro Tales of the Cthulhu mythos (Dell
Books).
Nesse mundo imprevisível e incompreensível (que se tornaria
ainda mais imprevisível com a teoria do caos), a vida humana parece
insignificante e nosso mundo racional está sendo constantemente ameaçado por
uma ameaça terrível e inenarrável, sejam eles deuses antigos, sejam seres
alienígenas que desprezam a vida humana: “Todos os meus contos são baseados na
premissa de que as leis humanas, interesses e emoções não têm validade ou
significação no vasto cosmo”, escreveu Lovecraft.
Lovecraft parecia estar escrevendo para o futuro, para o
homem pós-moderno. Tanto que sua obra teve pouco impacto na época, mas depois,
como uma bola de neve, foi crescendo de importância a ponto de se acreditar que
se tratava não e literatura, mas de relatos de uma realidade desconhecida. A
crença na existência do Necronomicon como um livro real demonstra como a obra
de Lovecraft se tornou um simulacro, uma ficção é mais real do que o real. E
hoje, podemos ver em sites de compras diversas versões do Necronomicon. O
livro, totalmente imaginário, ganhou existência física.
O fenômeno Necronomicon revela o aspecto mais apavorante na
obra de Lovecraft: e se, no fundo, for verdade? E se o escritor tiver,
inadvertida e inconscientemente, descoberto a verdade sobre a realidade em que
vivemos? E se formos apenas formigas, seres insignificantes, criados por
escárnio, vítimas de um poder grandioso demais para ser compreendido?
São pensamentos como esses que nos tiram o sono à noite.
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