sexta-feira, outubro 30, 2020

Monstro do Pântano – lição de anatomia

 


Em 1984 Len Wein contratou o desconhecido escritor britânico Alan Moore para assumir o personagem Monstro do Pântano, que ele havia criado na década de 1970. O título estava ladeira abaixo e provavelmente seria cancelado, portanto o risco era pequeno para a DC Comics.

Alan Moore iniciou no título em Swamp Thing 20, terminando um arco de outro roteirista. A primeira história com a sua versão do personagem seria publicada no número 21. Intitulada “Lição de anatomia” e com desenhos de Stephen Bissette e John Totleben, a história revolucionou os quadrinhos de terror e mudou para sempre o mercado de quadrinhos.



O leitor percebia que estava diante de algo diferente desde a primeira página. Nela Jason Woodrue, o Homem florônico, está na janela de seu apartamento pensando nos acontecimentos que o levaram a conhecer o Monstro do Pântano. Ele pensa no velho que o contratou para dissecar a criatura e descobrir como a fórmula biorestauradora conseguiu transformar um homem normal no poderoso Monstro do Pântano: “Ele vai bater no vidro. Se não agora, daqui a pouco. De qualquer forma, vai bater, e... será que vai haver sangue? Torço para que haja. Muito sangue. Um volume formidável de sangue”. E o desenho mostra o velho de fato batendo no vidro do laboratório) que se confunde com o vidro do apartamento, com a água da chuva escorrendo como se fosse sangue. O título vinha logo abaixo, ocupando um terço da página e era uma referência direta ao cartaz do filme Anatomia de um crime, de Otto Preminger, com o texto vindo sobre partes de um corpo.

Nas histórias anteriores, o Monstro do Pântano havia sido morto a tiros pela Corporação Sunderland e seu corpo mantindo congelado. O “velho” Sunderland quer que Woodrue disseque o cadáver para descobrir seus segredos.

Mas parece tudo parece inverossímil: embora o monstro tenha coração, pulmão e até cérebro, nada disso parece ter função real. Além disso, a fórmula biorestauradora havia sido produzida para plantas e não deveria ser capaz de afetar tecido humano. “Era mais do que se poderia esperar que uma mente humana desvendasse”, diz o Homem-florônico “Em seis semanas achei a resposta”.

A resposta estava diretamente relacionada com as planárias, vermes que tinham a característica de ser renegerar quando cortadas. Cientistas ensinaram uma planária a percorrer um labirinto e depois a cortaram em pedaços e deram para outras comerem... e as canibais aprenderam a percorrer o labirinto (a experiência é real).

E era isso que tinha acontecido com Alec Holland. Quando seu laboratório explodira, ele mergulhara no pântano e fora devorado pelos micro-organismos do local, alterados pela fórmula biorestauradora. Essas plantas assimilaram a personalidade e a inteligência  de Holland e de posse dessas informações, simularam um corpo humano usando o material vegetal disponível. O Monstro do Pântano, que em todas as histórias anteriores tinha como principal motivação o desejo de voltar a ser humano, era na verdade uma planta que se esforçou ao máximo para parecer um ser humano. A implicação óbvia disso é que não se pode matar uma planta atirando nela.

Moore constrói a trama com maestria, dando um toque de suspense à história e, ao mesmo tempo, construindo a base do que viria a fazer com o personagem, inclusive modificando sua aparência para algo mais vegetal. Stephen Bissette e John Totleben foram primorosos no desenho, com a diagramação nada convencional, com quadrinhos distorcidos, imagens que vazam pela página um traço sujo, repleto de hachuras, perfeitos para uma história de terror.

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