domingo, dezembro 27, 2020

A jornada do escritor



Em 1949 Joseph Campbell publicou o livro O herói das mil faces no qual defendia que a maioria dos mitos mundiais são na verdade a mesma história recontada em variações ilimitadas. Anos depois Christopher Vogler sistematizou essa teoria em um dos mais importantes livros de roteiro de todos os tempos, A jornada do escritor.

Vogler argumenta que as histórias são verdadeiros mapas da psique, modelos precisos da mente humana, psicologicamente válidos e emocionalmente realistas mesmo quando retratam eventos fantásticos, impossíveis ou irreais.

Essas histórias, que normalmente tratam de transformação, apresentam a jornada de um herói com passos muito claros: o herói abandona seu ambiente confortável, aventurando-se em um mundo mágico, onde surge um conflito com forças antagônicas: “Em qualquer boa história, o herói cresce e se transforma, empreendendo uma jornada de um modo de ser para outro: do despero à esperança, da fraqueza à força, da tolice à sabedoria”, explica Vogler.

Esses passos da jornada foram sitematizados pelo escritor na seguinte sequência: o mundo comum, o chamado à aventura, a recusa do chamado, o encontro com o mentor, a travessia do primeiro limiar, as provas, aliados e inimigos, a aproximação da caverna secreta, a provação, a recompensa, o caminho de volta, a ressurreição e o retorno com o elixir.

O livro não só destrincha cada um desses passos, mas também analisa os personagens arquetípicos que aparecem nessas histórias, como o mentor, o pícaro, o guardião do limiar, o arauto, a sombra e o camaleão. Cada um desses é analisado não só com relação à sua função na história, mas também a sua função psicológica.

O mentor, por exemplo,  é um personagem que ensina, protege o herói e lhe concede presentes. A origem do termo vem da Grécia antia. Na Odisséia, de Homero, Mentor era o guia do jovem Telêmaco em sua jornada. O mentor também tem a função narrativa de ser a consciência do herói, guiando-o por um código moral. Psicologicamente, mentores representam o self: “Como o Grilo Falante na versão da Disney de Pinóquio, o self age como uma consciência para orientar na estrada da vida quando não há Fada Azul ou gentil Gepeto para nos proteger e dizer o que é bom ou ruim”.

O livro de Vogler, por ter inaugurado a abordagem mitológica na construção de roteiros, é obra de leitura obrigatória. É uma obra também muito criticada por ter dado origem a uma receita para histórias, especialmente depois do sucesso de Guerra nas Estrelas, uma crítica pertinente, embora essa receita tenha surgido de uma leitura superficial da obra. No geral, Vogler parece mais interessado em discutir possibilidades do que em fechar padrões a serem seguidos rigidamente.

Há alguns aspectos problemáticos, no entanto: o livro poderia ser facilmente sintetizado sem perda de conteúdo – algumas vezes a mesma ideia é repetida várias vezes. Além disso, o autor tem uma verdadeira fixação pelo Mágico de Oz, e cita o filme em praticamente todos os itens e subitens. O mesmo pode ser dito a respeito do filme Tudo por uma esmeralda. Mas ignora obras que também são nitidamente calcadas na jornada do herói, como o desenho animado Caverna do Dragão.

Ainda assim, vale a leitura. 

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