domingo, janeiro 31, 2021

Ken Parker – Adah

 


Quando surgiu, Ken Parker era um faroeste totalmente diferente de qualquer coisa que já se tinha visto. A história Adah é uma representação perfeita disso.

Para começar, Parker é um personagem secundário, que aparece apenas na terceira parte da história. A trama inteira é focada em Adah, uma ex-escrava. Acompanhamos seu relato desde a mais tenra idade, quando ela percebe a dura realidade de ser escrava ao apanhar apenas por chegar perto da sinhazinha.

Depois ela descobre que não só ela, mas todos os seus irmãos, são filhos do senhor, o que a leva a situação inusitada, de amor e ódio pelo dono da fazenda. O roteiro de Berardi joga com essas sutilezas e contradições. Se por um lado, o senhor é quem se beneficia do sistema escravista e não reconhece seus filhos, por outro é também quem garante melhores condições para a família e a protege da fúria da senhora.

Essa sutileza também se revela no olhar infantil e quase poético sobre os acontecimentos, como quando Adah conhece seu namoradinho, que lhe bate e depois a protege.

Embora lide com uma chaga tremenda, a escravidão, o roteiro não entrega visões maniqueístas ou preto e branco. À certa altura, por exemplo, a avó, matriarca da família, ao saber da guerra que poderá acabar com a escravidão, diz: “Bobagem. Os escravos sempre existiram e sempre existirão. Senão, quem cuidaria dos trabalhos pesados e da terra? E nós, como acabaríamos sem a proteção do patrão?”.



Os soldados nortistas não são mostrados como libertadores desinteressados – no primeiro contato com eles, Adah é estuprada enquanto sua mãe é morta pelos sulistas.

A história só começa a se tornar um faroeste mais próximo do comum lá na frente, quando Adah, após presenciar um massacre de negros e tentar matar seu responsável, é perseguida por pistoleiros – e passa a ser protegida por Ken Parker.

Se o roteiro de Berardi é perfeito para essa trama pungente e intimista, o desenho de Milazzo é a plena realização visual dessa sutileza. Milazzo produz poesia com o nanquim, em imagens com traços finos misturados com grandes áreas de preto traçadas com pincel. Na cena em que Adah é repreendida pela mãe por ter se aproximado da senhorinha, a imagem mostra a mãe em traços limpos enquanto a menina está totalmente no escuro, numa demonstração de sua vergonha e raiva.

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