Quando surgiu, Ken Parker era um faroeste
totalmente diferente de qualquer coisa que já se tinha visto. A história Adah é
uma representação perfeita disso.
Para começar, Parker é um personagem secundário,
que aparece apenas na terceira parte da história. A trama inteira é focada em
Adah, uma ex-escrava. Acompanhamos seu relato desde a mais tenra idade, quando
ela percebe a dura realidade de ser escrava ao apanhar apenas por chegar perto
da sinhazinha.
Depois ela descobre que não só ela, mas todos
os seus irmãos, são filhos do senhor, o que a leva a situação inusitada, de
amor e ódio pelo dono da fazenda. O roteiro de Berardi joga com essas sutilezas
e contradições. Se por um lado, o senhor é quem se beneficia do sistema
escravista e não reconhece seus filhos, por outro é também quem garante
melhores condições para a família e a protege da fúria da senhora.
Essa sutileza também se revela no olhar
infantil e quase poético sobre os acontecimentos, como quando Adah conhece seu
namoradinho, que lhe bate e depois a protege.
Embora lide com uma chaga tremenda, a escravidão,
o roteiro não entrega visões maniqueístas ou preto e branco. À certa altura,
por exemplo, a avó, matriarca da família, ao saber da guerra que poderá acabar
com a escravidão, diz: “Bobagem. Os escravos sempre existiram e sempre existirão.
Senão, quem cuidaria dos trabalhos pesados e da terra? E nós, como acabaríamos
sem a proteção do patrão?”.
Os soldados nortistas não são mostrados como
libertadores desinteressados – no primeiro contato com eles, Adah é estuprada
enquanto sua mãe é morta pelos sulistas.
A história só começa a se tornar um faroeste
mais próximo do comum lá na frente, quando Adah, após presenciar um massacre de
negros e tentar matar seu responsável, é perseguida por pistoleiros – e passa a
ser protegida por Ken Parker.
Se o roteiro de Berardi é perfeito para essa
trama pungente e intimista, o desenho de Milazzo é a plena realização visual
dessa sutileza. Milazzo produz poesia com o nanquim, em imagens com traços finos
misturados com grandes áreas de preto traçadas com pincel. Na cena em que Adah é
repreendida pela mãe por ter se aproximado da senhorinha, a imagem mostra a mãe
em traços limpos enquanto a menina está totalmente no escuro, numa demonstração
de sua vergonha e raiva.
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