Homens do Amanhã, de Gerard Jones (ed. Conrad) é, desde já um dos melhores livros já escritos sobre quadrinhos, mas, mais ainda, um dos mais importantes obras sobre a cultura de massa norte-americana.
O livro conta a história dos criadores do personagem Super-homem, Jerry Siegel e Joe Shuster.
O título é uma referência ao apelido do herói antes dele ser chamado de Homem de Aço, mas é também uma referência aos homens que iniciaram a indústria dos gibis. Eram todos eles, desenhistas, roteiristas e editores, judeus ou filhos de judeus que haviam emigrado para a América fugindo da perseguição na Europa. Viviam em situação miserável, num ambiente hostil de gangues e exploração e morando em casas tão precárias que a maioria das pessoas tinha que dormir nos corredores. Eles não tinham presente, por isso as mães diziam que eles eram homens do amanhã. O futuro lhes reservaria a glória.
O livro é destaque não só pela história de Jerry Siegel e Joe Shuster, mas também pela forma detalhada com que conta a história dos personagens que transformaram sonhos em um negócio lucrativo. Vale destacar também as ótimas análises do ambiente histórico em que esses fatos se deram.
Na era de ouro dos quadrinhos, início dos anos 40, a demanda por gibis era tão grande que qualquer um que apresentasse qualquer projeto, por mais maluco que fosse, era aceito. Jones conta a história de um grupo de garotos que escreveu e desenhou uma revista inteira em um final de semana, comendo ovos cozidos na banheira e bebendo leite, porque o editor precisava colocar a revista na gráfica na Segunda-feira.
Lendo Homens do amanhã descobre-se, por exemplo, que Bob Kane, o criador de Batman, dificilmente escrevia ou desenhava suas histórias. O principal roteirista era Bill Finger e os desenhistas eram uma miríade de fantasmas, alguns dos quais ficaram famosos depois. Até mesmo uma coleção de quadros de palhaços que ele gostava de exibir para as garotas em seu apartamento era obra de outro desenhista.
Os desenhistas trabalhavam como loucos e os editores ficavam ricos. Certa vez Jerry Siegel escreveu para a DC pedindo parte dos direitos autorais e o, na época contador e posteriormente sócio, Jack Liebowitz, respondeu que a empresa estava tendo prejuízo e que portanto eles não tinha direito a nada. Mas mandou um cheque de 500 dólares como demonstração de boa-vontade. Isso numa época em que só a revista do Super-homem vendia um milhão de exemplares, fora as mochilas, lancheiras e programas de rádio.
O super-herói era o mito do judeu americano: "Histórias de identidade secreta sempre obviamente encontraram eco entre os filhos de judeus imigrantes, em virtude da necessidade de máscaras; máscaras que permitiam à pessoa tornar-se americano, moderno, consumidor das coisas do mundo. Mas ao mesmo tempo, permitem fazer parte de uma sociedade antiguíssima, ser um elo de uma velha cadeia sempre estivesse no seio seguro daqueles que conheciam seu segredo". O Capitão América corporificou ainda mais esse mito: "Ele é o garoto subnutrido do gueto que adquire uma força desmedida ao agarrar as oportunidades americanas". Não é à toa que quase todos os personagens de quadrinhos se engajaram na guerra contra os nazistas, e muitos de seus criadores participaram do esforço de guerra criando quadrinhos institucionais ou propagandas. Jack Kirby, o quadrinista mais durão que já existiu, foi para o front e recebeu uma barra de chocolate, um rifle M-1 e ordens de ir lá matar Hitler.
Para eles, portanto, deve ter sido muito doloroso quando, no início dos anos 50, o psicólogo judeu Fredrick Wertham acusou os super-heróis de serem nazistas.
Wertham era influenciado pela escola de Frankfurt, em especial pelo filósofo Theodor Adorno. Adorno era um crítico ferrenho da Indústria Cultural. Dizia que a cultura transformada em produto, tinha o objetivo de despertar paixões e depois fornecer uma resolução falsa e reconfortante, que deixava o consumidor com uma sensação de bem-estar incompatível com as realidades da vida. Para Adorno, isso afastava as pessoas da verdadeira arte, individualizada, que provocava desconforto e fazia pensar.
Muitos pensadores têm destacado o fato da Escola de Frankfurt revelar uma visão elitista da cultura, mas nem o maior crítico dessa corrente poderia imaginar o que Werthan provocou, a partir das idéias de Adorno. Em várias cidades houve queimas públicas de gibis. Voluntários passavam de casa em casa, perguntando para os pais se havia quadrinhos em casa e convencendo-os da periculosidade dos mesmos. O material recolhido era colocado em um caminhão e queimado em praça pública. Depois de Werthan, só o que sobrou foram os gibis mais inocentes e foram varridos completamente das bancas qualquer quadrinhos que provocassem inquietude ou que fizessem pensar.
Quando a comissão que investigava a deliquencia juvenil foi a Nova York e Wertham foi confrontado com Bill Gaines, editor da EC Comics (talvez a melhor editora de quadrinhos de todos os tempos), sua fala revelou como era seu método científico. Ele destacou uma história chamada O Açoitamento, em que um racista reúne os amigos para matar um garoto mexicano com quem sua filha está namorando. No final da história, o homem acaba matando a filha, ao invés do garoto. Era, obviamente, uma crítica ao racismo, mas Wertham só enxergou nela racismo: "Hitler era um principiante comparado à indústria de quadrinhos. Ela ensina aos jovens o ódio racial já desde os 4 anos de idade, antes que tenham aprendido a ler".
O método hipotético-dedutivo, o mais aceito pela comunidade acadêmica, diz que o cientista deve procurar provas de que sua hipótese está errada. Uma tese só era válida se passasse no teste do falseamento. Wertham fazia o oposto. Ele escolhia detalhadamente os exemplos que confirmavam suas idéias e ignorava todo o resto.
Mas o grande vilão do livro de Gerard Jones é mesmo Jack Liebowitz. Imigrante judeu e socialista, ele chegou aos EUA fugindo da perseguição na Rússia. No novo mundo, transformou-se em contador de sindicatos, sempre de olho na utopia socialista sonhada por sua família. Na época da depressão financeira, arranjou um emprego na editora DC como contador e foi responsável pelo equilíbrio financeiro da empresa (que então publicava pornografia e tinha ligações com a máfia) no período da Lei Seca. Com o tempo foi galgando poder e se tornou responsável por garantir os direitos do Superman para a DC, deixando Jerry Siegel e Joe Shuster à míngua (Shuster quase ficou cego e Siegel foi morar uma casa cheia de pulgas). Na década de 1960, os principais artistas da casa (Gardner Fox, Curt Swan, Bill Finger e outros) fizeram um movimento por direitos autorais sobre as vendas, remuneração sobre reimpressões, planos de saúde e aposentadoria. "Sei como se sentem. Também já fui socialista quando era jovem", disse ele, e os despachou com as mãos abanando. Ninguém consegue ser um capitalista selvagem tão bem quanto um ex-comunista...
O livro conta a história dos criadores do personagem Super-homem, Jerry Siegel e Joe Shuster.
O título é uma referência ao apelido do herói antes dele ser chamado de Homem de Aço, mas é também uma referência aos homens que iniciaram a indústria dos gibis. Eram todos eles, desenhistas, roteiristas e editores, judeus ou filhos de judeus que haviam emigrado para a América fugindo da perseguição na Europa. Viviam em situação miserável, num ambiente hostil de gangues e exploração e morando em casas tão precárias que a maioria das pessoas tinha que dormir nos corredores. Eles não tinham presente, por isso as mães diziam que eles eram homens do amanhã. O futuro lhes reservaria a glória.
O livro é destaque não só pela história de Jerry Siegel e Joe Shuster, mas também pela forma detalhada com que conta a história dos personagens que transformaram sonhos em um negócio lucrativo. Vale destacar também as ótimas análises do ambiente histórico em que esses fatos se deram.
Na era de ouro dos quadrinhos, início dos anos 40, a demanda por gibis era tão grande que qualquer um que apresentasse qualquer projeto, por mais maluco que fosse, era aceito. Jones conta a história de um grupo de garotos que escreveu e desenhou uma revista inteira em um final de semana, comendo ovos cozidos na banheira e bebendo leite, porque o editor precisava colocar a revista na gráfica na Segunda-feira.
Lendo Homens do amanhã descobre-se, por exemplo, que Bob Kane, o criador de Batman, dificilmente escrevia ou desenhava suas histórias. O principal roteirista era Bill Finger e os desenhistas eram uma miríade de fantasmas, alguns dos quais ficaram famosos depois. Até mesmo uma coleção de quadros de palhaços que ele gostava de exibir para as garotas em seu apartamento era obra de outro desenhista.
Os desenhistas trabalhavam como loucos e os editores ficavam ricos. Certa vez Jerry Siegel escreveu para a DC pedindo parte dos direitos autorais e o, na época contador e posteriormente sócio, Jack Liebowitz, respondeu que a empresa estava tendo prejuízo e que portanto eles não tinha direito a nada. Mas mandou um cheque de 500 dólares como demonstração de boa-vontade. Isso numa época em que só a revista do Super-homem vendia um milhão de exemplares, fora as mochilas, lancheiras e programas de rádio.
O super-herói era o mito do judeu americano: "Histórias de identidade secreta sempre obviamente encontraram eco entre os filhos de judeus imigrantes, em virtude da necessidade de máscaras; máscaras que permitiam à pessoa tornar-se americano, moderno, consumidor das coisas do mundo. Mas ao mesmo tempo, permitem fazer parte de uma sociedade antiguíssima, ser um elo de uma velha cadeia sempre estivesse no seio seguro daqueles que conheciam seu segredo". O Capitão América corporificou ainda mais esse mito: "Ele é o garoto subnutrido do gueto que adquire uma força desmedida ao agarrar as oportunidades americanas". Não é à toa que quase todos os personagens de quadrinhos se engajaram na guerra contra os nazistas, e muitos de seus criadores participaram do esforço de guerra criando quadrinhos institucionais ou propagandas. Jack Kirby, o quadrinista mais durão que já existiu, foi para o front e recebeu uma barra de chocolate, um rifle M-1 e ordens de ir lá matar Hitler.
Para eles, portanto, deve ter sido muito doloroso quando, no início dos anos 50, o psicólogo judeu Fredrick Wertham acusou os super-heróis de serem nazistas.
Wertham era influenciado pela escola de Frankfurt, em especial pelo filósofo Theodor Adorno. Adorno era um crítico ferrenho da Indústria Cultural. Dizia que a cultura transformada em produto, tinha o objetivo de despertar paixões e depois fornecer uma resolução falsa e reconfortante, que deixava o consumidor com uma sensação de bem-estar incompatível com as realidades da vida. Para Adorno, isso afastava as pessoas da verdadeira arte, individualizada, que provocava desconforto e fazia pensar.
Muitos pensadores têm destacado o fato da Escola de Frankfurt revelar uma visão elitista da cultura, mas nem o maior crítico dessa corrente poderia imaginar o que Werthan provocou, a partir das idéias de Adorno. Em várias cidades houve queimas públicas de gibis. Voluntários passavam de casa em casa, perguntando para os pais se havia quadrinhos em casa e convencendo-os da periculosidade dos mesmos. O material recolhido era colocado em um caminhão e queimado em praça pública. Depois de Werthan, só o que sobrou foram os gibis mais inocentes e foram varridos completamente das bancas qualquer quadrinhos que provocassem inquietude ou que fizessem pensar.
Quando a comissão que investigava a deliquencia juvenil foi a Nova York e Wertham foi confrontado com Bill Gaines, editor da EC Comics (talvez a melhor editora de quadrinhos de todos os tempos), sua fala revelou como era seu método científico. Ele destacou uma história chamada O Açoitamento, em que um racista reúne os amigos para matar um garoto mexicano com quem sua filha está namorando. No final da história, o homem acaba matando a filha, ao invés do garoto. Era, obviamente, uma crítica ao racismo, mas Wertham só enxergou nela racismo: "Hitler era um principiante comparado à indústria de quadrinhos. Ela ensina aos jovens o ódio racial já desde os 4 anos de idade, antes que tenham aprendido a ler".
O método hipotético-dedutivo, o mais aceito pela comunidade acadêmica, diz que o cientista deve procurar provas de que sua hipótese está errada. Uma tese só era válida se passasse no teste do falseamento. Wertham fazia o oposto. Ele escolhia detalhadamente os exemplos que confirmavam suas idéias e ignorava todo o resto.
Mas o grande vilão do livro de Gerard Jones é mesmo Jack Liebowitz. Imigrante judeu e socialista, ele chegou aos EUA fugindo da perseguição na Rússia. No novo mundo, transformou-se em contador de sindicatos, sempre de olho na utopia socialista sonhada por sua família. Na época da depressão financeira, arranjou um emprego na editora DC como contador e foi responsável pelo equilíbrio financeiro da empresa (que então publicava pornografia e tinha ligações com a máfia) no período da Lei Seca. Com o tempo foi galgando poder e se tornou responsável por garantir os direitos do Superman para a DC, deixando Jerry Siegel e Joe Shuster à míngua (Shuster quase ficou cego e Siegel foi morar uma casa cheia de pulgas). Na década de 1960, os principais artistas da casa (Gardner Fox, Curt Swan, Bill Finger e outros) fizeram um movimento por direitos autorais sobre as vendas, remuneração sobre reimpressões, planos de saúde e aposentadoria. "Sei como se sentem. Também já fui socialista quando era jovem", disse ele, e os despachou com as mãos abanando. Ninguém consegue ser um capitalista selvagem tão bem quanto um ex-comunista...
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