sábado, abril 30, 2022

Tanguy e Laverdure

 


Em 1959, o desenhista Uderzo e os roteirista Goscinny e Charlier estavam desempregados, depois de tentarem criar um sindicato de quadrinista. A solução para continuar trabalhar foi criar sua própria revista, a Pilote. Para o número de estréia, Goscinny e Uderzo criam o que viria a ser o mais famoso quadrinho europeu de todos os tempos: Asterix. Mas com Charlier, Uderzo criou uma outra série igualmente memorável: os aviadores Tanguy e Laverdure.
A série surgiu devido ao amor de Uderzo por aviões (seu sonho de infância era ser mecânico de aviões) e para contrapor outras séries de sucesso na época, em especial Buck Danny, publicada na revista Spirou, e Dan Cooper, publicada na Tintin.
No primeiro álbum, Charlier aproveita-se muito bem da verve humorística de Uderzo e faz toda uma sequência de comédia de erros: Laverdure aproveita a chegada dos dois na escola de pilotos e faz um vôo rasante, levando ao chão um velhinho, que acaba se apresentando como coronel e, como punição, manda os dois para a oficina, fazendo com que os dois fiquem completamente sujos de graxa. Quando finalmente encontram o verdadeiro coronel, amobs acham que se trata de novo impostor.
O roteiro aproveita duas paixões de Uderzo: humor e aviões. 

Mas logo a série embarca em sua especialidade: batalhas aéreas e detalhes aeronáuticos. Charlier usa e abusa de termos técnicos: picada com passagem invertida, tornneaus, picada acentuada, vrilles, immelmann. Já Uderzo nitidamente se delicia desenhando detalhes dos aviões da época, os uniformes, os porta-aviões.
Charlier equilibra bem os momentos mais “didáticos” com os humorísticos, a ação e o suspense: logo os protagonistas são jogados no meio de uma trama internacional quando um foguete francês cai no deserto e se torna necessário resgatá-lo. Mas uma outra potência também está interessada no aparelho e começam as batalhas aéreas. Só dois mestres como Uderzo e Charlier para fazer com que sequências inteiras de aviões se enfrentando se tornem interessantes.

O último mamífero do Martinelli

 

Duas pessoas que eu daria tudo para ter conhecido são Monteiro Lobato e Marcos Rey (pensando bem, pode acrescentar nessa lista Edgar Alan Poe e Isaac Assimov). Marcos Rey morreu há pouco tempo, e poderia tê-lo conhecido se tivesse me atentado a tempo para sua obra.
            Marcos Rey nos ensina que a clareza é a característica fundamental de uma boa obra literária. A clareza, aliada à imaginação e boa caracterização de personagens. Todas essas características podem ser percebidas em grau máximo em O último mamífero do Martinelli.
            Na obra, um fugitivo da ditadura militar, depois de vários dias freqüentando cemitérios e igrejas, finalmente decide morar no edifício Martinelli, que já foi o maior e mais elegante de São Paulo, mas, na época em que se passa a história, está abandonado.
            Depois de escolher um lugar parra morar, o personagem começa a revistar os apartamentos à procura de algo para vender e aplacar sua fome. Em sua busca, ele começa a encontrar pequenos objetos (um bilhete de despedida, uma ficha de jogo, uma bala encravada na parede) que contam a história das pessoas que viveram ali. E a história do fugitivo começa a se misturar com a dos antigos inquilinos do prédio.
            Marcos Rey consegue fazer uma espécie de romance policial sem crimes em que a graça está não em descobrir quem é o assassino, mas sim o que aconteceu com os moradores do prédio. O escritor vai dando aos pistas aos poucos, deixando o leitor em suspense até o final do livro, suspense que se acrescenta à angústia de não saber se o fugitivo conseguirá fugir dos militares.

Revista Imaginário traz artigo de Gian Danton sobre a evolução do texto nos quadrinhos americanos

 


 

A revista Imaginário é uma das mais importantes publicações acadêmicas do Brasil sobre quadrinhos e cultura pop. No número 21 ela trouxe um artigo meu, escrito em parceria com Rodrigo Bandeira, sobre como texto evoluiu nos quadrinhos americanos, indo desde a abordagem redundante em que texto e desenhos competiam para transmitir as mesmas informações, até o uso criativo e revolucionário do texto. 

Leia mais sobre essa edição: 

Abrimos esse número mais uma vez com o texto de Daniel Baz dos Santos, em análise aprofundada da obra de Sergio Toppi. Segue com a reflexão de Robson Carlos da Silva sobre a HQ “As aventuras de Machado de Assis, caçador de monstros”, com foco na excepcionalidade do protagonismo de um personagem negro e capoeirista.

Temos ainda estudo sobre “Jessica Jones e o protagonismo feminino: uma narrativa sobre Sororidade e o ‘pseudo-herói’ de gênero”, por Marcelo Bolshaw Gomes; “O arco ‘Corporação Batman’ e as novas relações do sistema do capital”, por Romir de Oliveira Rodrigues.

Fechando a edição, temos “O artista e sua interpretação do mundo”, entrevista com Edgar Vasques proposta por Marcelo Engster; resenha do fanzine QI e prancha com a personagem “Maria”, por Magalhães.

Para acessar a revista clique aqui

Para ir direto ao meu artigo, clique aqui

A arte espetacular de John Harris

 

John Harris é um artista e ilustrador britânico, conhecido por trabalhar no gênero de ficção científica. Suas pinturas foram usadas em capas de livros para muitos autores, incluindo Orson Scott Card, Arthur C. Clarke, Isaac Asimov e Frederik Pohl. Uma das suas especialidades são as imaginativas naves espaciais e paisagens aéreas.
















A criatividade é o oposto da burocracia

 

O conceituado sociólogo italiano Domenico De Masi afirma que o século XXI será o século da criatividade. De fato, mais que qualquer bem material, a criatividade é um dos bens mais valiosos da atualidade.


Vejam, por exemplo, Bill Gates. O que fez dele o homem mais rico do mundo? Terras? Ouro? Fábricas? Não. O que ele tinha era uma idéia que facilitava o uso dos computadores.

A primeira e mais importante coisa para se dizer a respeito da criatividade é que ela é o oposto da burocracia.

O burocrata faz sempre as mesmas coisas, do mesmo jeito, e nunca erra, mas também não cria nada.

Você já reparou que quando um time está sendo incapaz de inovar, de surpreender o adversário, o locutor diz que a equipe está jogando um "futebol burocrático" ? E é isso mesmo: o burocrata é aquela pessoa incapaz de encontrar soluções novas para os problemas, seja um jogador de futebol ou um político.

A burocracia surge onde há o medo de errar.

Há chefes que dizem aos seus subordinados: "Não admito erros!". Se alguém lhe mostra um trabalho que apresenta algum problema, ele a repreende severamente.

Outros dizem: "Tenho sempre razão e demito qualquer funcionário que me disser o contrário".

Chefes assim são criadores de burocratas, pois seus subordinados, com medo da bronca, vão sempre fazer as mesmas coisas que já deram certo anteriormente e vão sempre concordar com ele. Ou seja, serão incapazes de criar.

Santos Dumont errou muito antes de inventar o avião. 



Os exemplos de invenções que começaram com erros são inúmeros. Santos Dumont, por exemplo, passou por vários vexames antes de conseguir criar um avião capaz de voar.

Muitas vezes o novo surge justamente do erro. O Champagne foi um vinho que fermentou. Cristóvão Colombo achava que chegaria às Índias navegando para o oeste. Errou feio, mas descobriu a América.

E quantas outras invenções e descobertas não surgiram em decorrência do erro?

Mas quem tem medo de errar, e incute esse medo em seus funcionários, fica parado, não evolui, e leva a breca.

Há algum tempo a revista Exame publicou uma matéria intitulada "A excelência mata". Nela, temos contato com vários casos de empresas que fracassaram por serem certinhas demais, em outras palavras, burocráticas.

Um ótimo exemplo é a Olivetti. Ela durante muito tempo dominou completamente o mercado de equipamentos para escritórios, fabricando máquinas de escrever.

Quando surgiram os primeiros computadores pessoais, os PCs, ela resolveu não investir. Afinal, os computadores eram caros e na época só os nerds pareciam se interessar por eles.

A Olivetti teve medo de errar e hoje está com um mercado que em breve não terá mais demanda.

Claro que passar o resto da vida se conformando com os próprios erros não vai tornar ninguém mais criativo, mas compreender que o erro é um risco quando se quer ser criativo, já é bom caminho.

Nas palavras de Domenico de Masi: "Enquanto o burocrata tem razão nove vezes em dez, o criativo, erra nove vezes, mas quando acerta uma vez, está abrindo novos caminhos para a humanidade. Na sociedade pós-industrial haverá cada vez menos lugar para burocratas".

A fantástica fábrica de chocolate

 

A Fantástica fábrica de chocolate é um filme de 2005, de Tim Burton, com Johnny Depp no papel principal. Eu me lembrava da versão original e era uma péssima imagem. Quando criança, eu odiava essa versão, especialmente por causa  dos musicais.

Os musicais continuam presentes na versão de Tim Burton, mas já não são aquela coisa quebrada que era até a década de 80: o filme pára e começa um número musical que não tem nada a ver com o que está acontecendo. Esse estilo perdurou durante décadas nos desenhos da Disney, até vir Toy Story, que revolucionou o gênero.

Tim Burton percebeu que A fábrica é uma fábula e trabalhou o filme todo nesse sentido. Algo perfeito para quem já tinha feito a grande fábula da década de 90: Eduard mãos de tesoura. Aliás, há até uma cena em que o diretor homenageia a si mesmo fazendo referência ao personagem com mãos de tesoura (no momento em que Wonka está inaugurando a fábrica).

Portanto, A FÁBRICA é uma fábula sobre a família. É um resgate da família verdadeira, um item raro hoje. Numa época em que os pais não têm controle nenhum sobre seus filhos, que crescem como ditadores interessados unicamente em consumir, consumir e consumir, o filme resgata a família unida por laços de amor. Pessoas que, mesmo na mais absurda miséria, ainda assim são felizes por terem umas às outras. De quantas famílias podemos dizer isso hoje? São cada vez mais comuns os casos de filhos que chegam a matar os pais no primeiro momento em que esses lhes dizem não.

A FÁBRICA desfila as possibilidades de deturpação da infância: uma é mimada excessivamente, outro come demais, outra é educada apenas para vencer, outro é um craque dos vídeo-games e da internet, mas não usa toda essa informação de maneira saudável. De todos, apenas o garoto Charlie Bucket tem uma relação saudável com os pais.

Se não bastasse a ótima mensagem, o filme conta com a cenografia expressionista, típica dos filmes de Burton, com a fantástica música de Danny Elfman e com uma das melhores e criativas aberturas que já vi. Além, é claro, de contar com Johnny Depp, um ator capaz de transformar até uma bomba, como Piratas do Caribe, em um filme sensacional, e que brilha como nunca nesta refilmagem. Um programa para toda a família.

Conan – Caos no país de Kush

 


Belas mulheres, uma ameaça sobrenatural e intrigas palacianas. Esse seria um bom resumo da história “Caos no país de Kush”, baseada num conto de L. Sprangue de Camp e Lin Carter e publicada em Conan the barbarian 106 e 107.

Na história, escrita por Roy Thomas e desenhada por John Buscema e Ernie Chan, Conan chega na cidade de Meroé, no reino negro de Kush a tempo de salvar a rainha, que está sendo atacando por uma turba enraivecida.

Tudo, na verdade, é parte do plano de um nobre, Lorde Tuthmes, que usou um demônio para matar um prisioneiro do palácio real, fazendo o povo achar que a rainha é uma feiticeira.

Ao salvar a governante, Conan se torna o capitão de sua guarda-real. Mas Tuthmes, vendo que a rainha não foi morta, resolve introduzir uma espiã no palácio, uma escrava da nemédia chamada Diana.

A rainha sádica e a assustada escrava. 


É aqui que a trama ganha fôlego, ao contrapor duas mulheres igualmente belas: a rainha negra e a escrava loira. O ponto alto da história é quando a rainha, com nítido prazer, tortura a escrava, tentando arrancar dela a razão pela qual o nobre a havia presenteado. Mas a garota não pode dizer nada, assustada que está com a possibilidade de ser morta pelo ser sobrenatural do início da história. O único ponto comum entre as duas é a beleza.

Claro que a escrava acaba sendo salva por Conan, o que se torna o centro da narrativa.

Os diálogos desse trecho revelam como Thomas sabia lidar com o texto. “Você é corajosa, mas vamos ver quanto tempo isso dura!”, diz a rainha, com um chicote longo nas mãos. “Não, não vamos”, diz Conan. “Quê? Como ousa se intrometer aqui, Conan da Ciméria? Vá embora ou provará meu chicote antes dela”, ameaça a soberana, ao que o outro responde, despreocupado: “Gostaria de vê-la tentar, Rainha”.

Saber desenhar cavalos é um atributo básico para histórias de espada e magia. 


John Buscema era um mestre em desenhar mulheres, o que contribuiu muito para que a história funcione. Mas logo no primeiro quadro da história, uma bela splash page, revela uma outra aptidão essencial para um artista de espada e magia: saber desenhar cavalos.

No Brasil essa história foi publicada pela editora Abril em Conan, o bárbaro 3.

sexta-feira, abril 29, 2022

A maldição do Onde

 


Dizem que Vicente Mateus, o presidente do Corinthias, pediu para a secretária fazer uma convocação, marcando uma reunião para uma sexta-feira. A secretária perguntou:
- Sexta-feira se escreve com x ou com s?
E ele:
- Marca a reunião para a quinta.
Se fosse hoje, ele diria:
- Coloca onde.
E a frase ficaria algo como “A Diretoria do Corinthias marca uma reunião para a onde-feira”.
Parece piada, mas é exatamente o que estão fazendo com o “onde”. “Onde” é advérbio e se refere a lugar. Tem o sentido e “no lugar em que”. Mas essa palavra virou o coringa da língua portuguesa, sendo usado no lugar de qualquer palavra que a pessoa não se lembre no momento. Assim, ele tem substituído palavras tão díspares quanto “porém”, “pois”, “quando”, “assim”, “e”, “em que”, “no qual”,  “enquanto”, “todavia” e muitas outras.
Assim, temos frases como:
A teoria ONDE o filósofo argumenta...
O rapaz roubou o pão ONDE estava com fome.
Eu gosto de pizza, ONDE vou comer tudo.
A Educação a distância é um processo mediado de aprendizagem ONDE professores e alunos estão separados.
Compre o produto ONDE ganhe o cupom.
O atentado aconteceu ONDE o secretário estava de férias.

Se formos levar ao pé da letra, a interpretação dessas frases seria:

A teoria NO LUGAR EM QUE o filósofo argumenta...
O rapaz roubou o pão NO LUGAR EM QUE estava com fome.
Eu gosto de pizza, NO LUGAR EM QUE vou comer tudo.
A Educação a distância é um processo mediado de aprendizagem NO LUGAR EM QUE professores e alunos estão separados.
Compre o produto NO LUGAR EM QUE ganhe o cupom.
O atentado aconteceu NO LUGAR EM QUE o secretário estava de férias.

Na verdade, o que se queria dizer era:

A teoria NA QUAL o filósofo argumenta...
O rapaz roubou o pão, POIS estava com fome.
Eu gosto de pizza, PORTANTO vou comer tudo.
A Educação a distância é um processo mediado de aprendizagem NO QUAL professores e alunos estão separados.
Compre o produto E ganhe o cupom.
O acidente aconteceu ENQUANTO o secretário estava de férias.

Algumas vezes é quase impossível entender o que o autor queria dizer, como em:
Sempre com novas atração, ONDE nosso objetivo é sua opinião.


E o cúmulo quando encontrei o seguinte exemplo em um trabalho:
Faça sua pesquisa DONDE tire uma hipótese.

Além de ser gramaticalmente incorreto, o uso indevido do ONDE dificulta a compreensão do texto, prejudicando o processo de comunicação e ocasionando equívocos. Assim, da próxima vez em que for usar a palavra ONDE, pense bem e veja se é isso mesmo que você está querendo dizer. Na dúvida, troque o “onde” por “no lugar em que”. Se der certo, o onde está correto, caso não, coloque a palavra correta.

Vingadores ultimato

 


Antes de mais nada, um aviso: se você acha que contar qualquer coisa sobre o filme é spoiller, não leia este texto.

Vingadores ultimato é não só o ponto final da mega-saga marvelística no cinema (com um roteiro que costura todos os filmes anteriores em uma única trama). É também uma obra que ecoa algumas das melhores histórias em quadrinhos Marvel das décadas de 1970 e 80.
A trama inicia pouco depois os eventos do filme anterior. Metade da população do universo foi aniquilada pelo estalar de dedos de Thanos. Para trazê-los de volta, os Vingadores sobreviventes precisam voltar ao passado e reunir as jóias do infinito.
Esse plot permite que todos os heróis remanescentes tenham seu protagonismo em tramas com início, meio e fim, como se fossem gibis de heróis reunidos, contando uma história maior (o que, aliás, justifica e bem as três horas de filme).
Essa estratégia em que todos têm protagonismo vai se repetir até mesmo na batalha final. Sabemos exatamente o que cada herói faz ali. Ninguém está sobrando ou sendo apenas um enfeite: cada um, até mesmo os menos poderosos, têm seus momentos de brilho, ação e emoção. Jim Starlin era um cara que conseguia fazer isso bem nos quadrinhos: mesmo em uma mega saga cada herói tinha seu momento. Os irmãos Russo parecem ter aprendido bem com o mestre.
E, claro, muita gente tem saído chorando das salas de cinema. Há vários momentos emocionantes, em especial em relação a dois dos principais heróis (e, ao que parece, dos mais populares).

Como funciona o método científico?

 


A maioria das pessoas não tem a menor ideia de como funciona o método científico. Para eles, as soluções científicas surgem numa espécie de passe de mágica.
O assunto é complexo, mas vou tentar simplificar aqui, focando em dois aspectos importantes: o controle das variáveis e a verificação pelos pares.
Para exemplificar, vamos usar uma hipótese: “Nióbio cura câncer”.
Como saber se essa hipótese está correta? É necessário testá-la. Como? Claro, aplicando nióbio em pessoas com câncer.
Mas não basta isso. É necessário controlar as variáveis: peso, idade, gênero, alimentação. Essas variáveis são fatores que influenciam no processo de cura.
Por exemplo, alguém pode ter uma melhora porque tem boa alimentação, e outra pode piorar porque se alimenta de forma inadequada. Ou seja, alguém pode melhorar não por causa do nióbio, mas porque se alimenta melhor.
Como evitar que essas variáveis interfiram na pesquisa? Há vários cuidados aí. Para evitar, por exemplo, que a alimentação interfira, coloco todos os pacientes com a mesma dieta. Todo mundo comendo as mesmas refeições, não tem chance da comida interferir nos resultados. A mesma coisa deve ser feita com todas as outras variáveis que possam interferir no resultado: elas devem ser controladas.
E, claro, o paciente deve estar tomando apenas aquele remédio que está sendo testado. Aplicar um coquetel de remédios no paciente esperando que um deles faça efeito é como rezar para diversos santos: no final, não se sabe quem fez o milagre.
Mas há uma variável que não pode ser pesada ou vista: é o fator psicológico. Todo mundo já deve ter passado por uma situação em que melhorou assim que tomou um remédio, mesmo antes dele fazer efeito.
De repente, todo mundo que está tendo melhoras com o uso do nióbio está melhorando só porque acha que vai ser curada.
Como isolar esse fator?
Uma das formas é criar um grupo que acha que está tomando remédio, mas na verdade está tomando só uma pílula de farinha ou açúcar, o famoso placebo.
Ao final da pesquisa, compara-se a evolução da doença no grupo que está tomando o remédio com o grupo que está tomando placebo. E compara-se esses resultados com um outro grupo, que não está tomando nenhum remédio. Esse controle permite que seja possível verificar se o remédio é de fato eficaz.
Mas espere aí, você diz: “o cientista pode simplesmente inventar a pesquisa, dizer que curou centenas de pessoas sem ter feito nada disso”.
De fato, há vários casos registrados de fraudes científicas.
Como evitar isso? Simples: com a verificação pelos pares. O cientista deve apresentar sua pesquisa, seja em uma revista ou em um congresso. E não basta divulgar os resultados. É necessário explicar todo o passo a passo para que outras pessoas possam replicar essa pesquisa e verificar se chegam ao mesmo resultado.
Há inúmeros casos de fraudes que foram descobertas assim: quando tentaram refazer a pesquisa, outros estudiosos chegavam a resultados completamente diferentes.
Pode parecer complexo – e é mesmo. Mas é graças a isso que a ciência consegue alcançar resultados confiáveis.

Morreu Neal Adams

 


Neal Adams, a lenda dos quadrinhos, morreu hoje, aos 80 anos, vítima de complicações de sepse.

Adams, junto com o roteirista Denny O´Neil revolucionaram o Batman, distanciando-o da versão humorística e infantizada do seriado de TV. Foi graças aos dois que personagem se tornou um detetive sombrio, abrindo caminho para versões mais adultas, como Cavaleiro das Trevas e Batman ano 1. Se O´Neil deu profundidade ao personagem, Adams revolucionou visualmente o personagem com diagramação inovadora e ângulos inusitados.

Adams me marcou por um outro trabalho: o título Lanterna Verde e Arqueiro Verde, também em parceria com Deny O´Neil.

Adams revolucionou o Batman. 


As histórias da dupla eram publicadas em Heróis em Ação e depois Superamigos e eu, então um moleque de 13 anos anos, fiquei impressionado com histórias que reverberavam problemas reais, como a fome, a exploração de trabalhadores e as drogas.

Lembro que na época escrevi um trabalho para a escola (provavelmente para a disciplina de Artes) no qual dizia que quadrinhos eram uma arte e que uma das maiores provas disso era a série do Lanterna e do Arqueiro da dupla Adams – O´Neil.

Embora eu tenha escrito isso há quase 40 anos, ainda concordo. Neal Adams foi uma das pessoas que ajudaram a transformar os quadrinhos em um arte.

A indústria cultural

 


O conceito de Indústria Cultural foi veiculado pela primeira vez em 1947, por Horkheimer e Adorno, no texto "A dialética do Iluminismo". O termo foi cunhado em oposição à cultura de massa, que dava a idéia de uma cultura surgida espontaneamente da própria massa.
Para Adorno, a idéia de que os produtos da Indústria Cultural vêm do povo é equivocada, pois a Indústria Cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas também determina esse consumo.
O termo Indústria Cultural  é mais adequado, pois deixa bem claro que tais peças culturais são produtos fabricados para serem consumidos, assim como sabonetes e carros.
É importante notar, como destaca José Marques de Melo, que as reflexões da escola de Frankfurt foram feitas durante "a transição da sociedade industrial para a sociedade da informação, tendo a emergente indústria cultural como protagonista hegemônico.
Adorno e Horkheimer partem da constatação de que a sociedade industrial não havia realizado as promessas do iluminismo humanista. O desenvolvimento da técnica e da ciência não trouxe um acréscimo de felicidade e liberdade para o homem.
Considerando-se, diz Adorno, que o iluminismo tem como finalidade libertar os homens do medo, tornando-se senhores de si e liberando-os do mundo da magia, do mito e da superstição, e admitindo-se que essa finalidade pode ser atingida por meio da ciência e da tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder do homem sobre a ciência e a técnica. Mas o que ocorreu foi justamente o contrário. Liberto do medo mágico, o homem tornou-se vítima de um novo engodo: o progresso da dominação técnica.
Ao invés do libertar a humanidade, o progresso da técnica acabou por escravizar o homem, alienando-o.
Os meios de comunicação de massa, resultado direto de desenvolvimento da técnica, tiveram papel importante nesse processo de escravização da massa.
Segundo os pensadores frankfurtianos, a reprodutibilidade técnica tirou tanto da cultura popular quanto da cultura erudita o seu valor real. O resultado, a Indústria Cultural, não conduz à experiência libertadora da fruição estética.
O próprio princípio da reprodução deformaria a obra, pois ela seria nivelada por baixo, evitando sempre que possível aqueles elementos que poderiam interferir no seu caráter de produto.
Exemplo disso podemos ver na adaptação da Disney para o clássico “O Corcunda de Notre Dame”, de Victor Hugo. A história foi "adocicada" para se tornar mais palatável ao consumidor...
Assim, a Indústria Cultural pretende alienar, e não conscientizar; acomodar, e não incitar.
Para os frankfurtianos, os produtos da Indústria Cultural teriam três funções:
A.    ser comercializados;
B.    promover a deturpação e a degradação do gosto popular;
C.   obter uma atitude sempre passivados seus consumidores.
Como são feitos para serem vendidos, os produtos da Indústria Cultural jamais devem desagradar os compradores. A produção é homogeneizada e nivelada por baixo.
Para Adorno, a visão crítica por parte do expectador não é possível dentro da Indústria Cultural, pois "A transformação do ato cultural em valor suprime sua função crítica e nele dissolve os traços de uma experiência autêntica".
Embora seja fundamental para a análise dos meios de comunicação de massa, em especial na primeira metade do século passado, a noção de Indústria Cultural tem sido objeto de diversas críticas.
Martellart, por exemplo, desconfia que Adorno e Horkheimer estigmatizaram a Indústria Cultural em decorrência de seu processo de fabricação atentar contra certa sacralização da arte: "Na verdade, não é difícil perceber em seu texto o eco de um vigoroso protesto erudito contra a intrusão da técnica no mundo da cultura".
Além disso, as idéias da escola de Frankfurt, mesmo atacando o conformismo, acabaram se tornando um discurso conformista, de pessoas que, confortavelmente em suas poltronas ou empregos, apenas criticam a indústria cultural, sem, no entanto, apresentar qualquer opção.

Super-homem – um amigo em apuros

 


Para comemorar os 50 anos do Homem de aço, a DC fez uma edição especial da revista Action Comics. A primeira parte dessa edição foi um encontro do personagem com a Mulher Maravilha, cortesia da dupla Byrn-Perez. A segunda parte ganhou roteiro de John Byrne e Roger Stern desenhos de dois clássicos desenhistas da DC (Kurt Schaffenberger e Curt Swan) e um novo talento que estava depontando, Mike Mignola.


Curt Swan foi o mais importante desenhista do Super-homem na era de prata. 

Na primeira parte da história, Lois Lane está, como sempre, se arriscando para conseguir uma matéria e, ao chegar na redação, descobre que seu furo de reportagem não será manchete porque a atenção de todos está no suposto romance entre o Super-homem e a Mulher Maravilha (uma referência à primeira história do especial). Clark Kent sabe a verdade e tenta apaziguar a jornalista, mas é obrigado a socorrer o amigo Jimmy Olsen, envolvido, como sempre, em um grande perigo.

Até aí o roteiro parece uma bela homenagem às aventuras clássicas do personagem, com situações que se repetiram à exaustão durante décadas.

O Super-homem embarca numa jornada psicológica. 


A reviravolta acontece quando o herói começa a passar mal diante de uma onda de radiação de kriptonita que parece estar banhando o planeta. Olsen o ajuda a entrar em uma caverna, onde ele teria alguma proteção contra a radição e é quando a história se torna um delírio e uma jornada de auto-realização que envolverá desde uma briga com o Morcego humano até uma ida ao que sobrou de Kripton e um delírio no qual todos os kriptonianos tiveram tempo de se salvar indo para o planeta terra (bem ao estilo da revista Marvel “O que aconteceria se...”).

Apesar de todo o conteúdo psicológico subjacente, Byrne consegue contar uma história simples, fácil de ser entendida, com uma narrativa fluída – algo que talvez tenha se perdido nos últimos tempos.

Mignola é o grande destaque da história. 


É sempre um prazer ver Curt Swan desenhando o superman, mas o destaque da história sem dúvida é Mignola, especialmente quando este desenha Gavião Negro e sua esposa. O traço limpo, repleto de contrastes e elegante funciona muito bem aqui.

Além disso, a história fecha com uma bela reflexão: “Talvez eu precise de kriptonita para nunca esquecer da minha própria mortalidade. Um importante lembrete de que ser um homem é muito importante do que ser... um super-homem”.

No Brasil essa história foi publicada em Super-powers 16.