quarta-feira, janeiro 04, 2023

Histórias que não estavam no gibi

 

Sônia Hirsch - foto do site da escritora


Sônia Hirsch é escritora, autora de livros como o “Só Para Mulheres”ou o “Manual do Herói”. Mas para os fãs de quadrinhos ela é, antes de tudo, uma das protagonistas de alguns do melhores momentos da Nona Arte em nosso país. Na década de 70 ela foi editora de quadrinhos da RGE, a atual editora Globo. Ela participou de grandes momentos, como o relançamento da revista Gibi Semanal – uma revista tão importante que acabou virando sinônimo de história em quadrinhos. 
Em 2001, quando tinha uma coluna no jorna O Liberal Amapá eu a entrevistei para a coluna. Ela foi muito simpática e solícita, respondendo a todas as perguntas por e-mail. Acho que, mesmo depois de tanto tempo, vale a pena republicar essa entrevista, especialmente por seu caráter histórico. Atualmente, Sônia é escritora, com diversos livros publicados.Quem quiser conhecer melhor o trabalho de Sônia pode visitar o seu site, o Corre Cotia (www.correcotia.com).

Como você entrou no mundo dos quadrinhos?
: Nunca pensei em trabalhar com histórias em quadrinhos, até o dia em que Paulo Patarra, assumindo a direção geral da Rio Gráfica Editora (hoje Editora Globo), me chamou. Preciso de você, ele disse. Mas não entendo nada de quadrinhos, respondi. Pois vai começar a entender, atalhou ele. E foi assim que entrei numa grande aventura onde HQs eram os personagens principais. A sala transbordava de pranchetas, desenhistas, letristas, coloristas. Dali saíam Fantasma, Mandrake, Cavaleiro Negro, Recruta Zero, Riquinho, Bolota, Brotoeja e mais vinte e tantos títulos menos conhecidos.

O material já vinha todo pronto? 
 Algumas, como Riquinho e similares, já vinham até com as provas de seleção de cores, era só traduzir e escrever nos balões. Mas a maioria era feita a partir de tirinhas diárias para publicação em jornal que ganhavam a chamada "completação", arte que, presumo eu, seja brasileira por excelência, já que seguia o princípio de "dar um jeito". Isto porque a história original era desenhada para durar 2 a 3 meses no jornal, portanto se desenrolava ao longo de, digamos, 70 tirinhas, 6 por semana, e a de segunda-feira resumia um pouco o que estava acontecendo. Essas repetições eram as primeiras a sumir. Aí o leiautista começava a recortar os desenhos para formar quadrinhos de acordo com o formato da revista. Na tirinha eles são menores, na revista tinham que crescer. Então, vamos supor que, no original, o Fantasma estivesse perto de uma janela; na revista, a tesoura o punha a um metro de distância, e tudo bem. Abria-se o quadrinho, completava-se com desenhos novos o cenário faltante, e pronto. Daí, às vezes, surgia um vaso, uma árvore, uma mesinha, um lustre, sempre tratando de acompanhar o estilo e o traço do autor. A arte-final em papel couché era um misto de colagens com desenhos em nanquim. No final entravam os balões.

As revistas vendiam bem?
 Algumas revistas vendiam tão pouco que mal se pagavam, e o encalhe era grande, mas continuavam circulando assim mesmo. Mandrake estava nesse caso. Outras, como Recruta Zero e Riquinho, davam algum dinheiro.

Então porque a editora continuava a publicar os títulos que vendiam pouco?
Porque o Roberto Marinho era grato a elas. Dizia que o tinham feito crescer, que com o lucro dos anos de ouro (creio que nas décadas de 40 e 50) ele comprou várias propriedades importantes.

Como surgiu a idéia de fazer o Gibi Semanal?
Eu gostava de conversar com Walmir, grande desenhista, ele próprio um herói de HQ com seus óculos escuros, cabelo grande, costeletas amplas e um fusquinha que não trocava por nada no mundo. Ah, e sandálias: não gostava de usar sapatos. Um dia me levou ao reino encantado da RGE: o arquivo. Ali me apresentou ao tesouro das histórias antigas, originais, publicadas pelo Gibi. Foi onde tivemos a idéia de fazer uma publicação semanal só com originais, o Gibi Semanal O Gibi foi o momento máximo da minha aventura lá. Eu continuava não entendendo grande coisa de HQ, mas curtia muito e contava com a boa vontade de todo mundo. O professor Alvaro de Moya me ajudou sempre, empolgado e dedicado, acho que nunca agradeci o suficiente.

 Por que o Gibi Semanal acabou?
 A distribuição e o marketing da RGE eram muito ruins. O Gibi Semanal não durou um ano. Lá pelo número 35 eu já estava tão frustrada que chorava pelos corredores, e foi aí que propus pararmos no 40.


A revista do sítio do pica-pau amarelo marcou toda uma geração de leitores. Qual foi a sua participação nela?

 Quando surgiu o projeto da série na TV já havia por parte da Globo a idéia de fazer as revistinhas, e nós da RGE queríamos muito produzir quadrinhos nacionais. Montamos um estúdio de quadrinhos para esse fim, de onde saíram também revistinhas da série A Vaca Voadora e um projeto que envolvia o Jô Soares, "JoComix" , que era muito engraçado mas não foi à frente (o responsável por este projeto era o Claudio Paiva).
O início do Sítio foi muito enrolado porque precisávamos submeter todos os desenhos a discussões intermináveis, mas finalmente chegamos ao traço final. Muitas pessoas participaram da criação, já não me recordo exatamente dos que trabalharam mais, prefiro não citar nomes para não errar.

Era uma grande responsabilidade adaptar a obra de um dos maiores escritores infantis do mundo para os quadrinhos? Como a equipe enfrentava esse desafio?

Com muito empenho e muita leitura da obra original. Na verdade não foi adaptação: criávamos situações novas aproveitando as características de cada personagem.

Sem comentários: