sexta-feira, junho 30, 2023
Fundo do baú - O incrível Hulk
Livro para baixar A arte dos quadrinhos
Logan - a despedida de Wolverine
Depois de uma fase inicial interessante, nas mãos de Chris Claremont e John Byrne, o personagem se tornou apenas isso: um cara violento, cabeça-quente, que resolve tudo na porrada. E, isso, claro, se refletiu nos filmes do personagem (vale lembrar a introdução do primeiro filme, em que ocorre uma briga imensa por uma pedra que um empresário usava como peso de papel e que ele entregaria tranquilamente se alguém pedisse).
Assim, Logan é uma agradável surpresa por fugir completamente do padrão estabelecido para o personagem e mostrar uma profundidade inesperada.
(ATENÇÃO: SPOILER!)
Nesse novo filme, o Wolverine, muito a contragosto, tem que salvar uma garota que foi clonada a partir de suas células, sendo, de certa forma, sua filha. Agentes governamentais, envolvidos no projeto que criou a menina, farão qualquer coisa para tê-la de volta. Esse plot lembra muito o ótimo A incendiária, um livro pouco conhecido de Stephen King.
A película é um road movie: à medida em que fogem, a relação entre os dois vai se estabelecendo até culminar na cena de crédito, com a ótima música de Johny Cash. O professor Xavier completa o trio, com alguns dos melhores momentos do filme.
A história tem tudo na medida certa: violência, efeitos especiais (que você mal percebe) e até humor, sempre resvala no humor ácido.
A terrível vida real de Tom Strong
O resultado é irregular.
No geral, as histórias seguem uma média. Mas dois se destacam, por motivos diversos.
Ed Brubaker imagina uma realidade na qual Tom Strong não é um herói. |
Steve Aylett e Shawn McManus fazem a pior história da revista. Mal-ajambrada, muitas vezes sem sentido e distantes da proposta do personagem. Personagens irreais surgem do nada e não há preocupação em se criar verossimilhança para eles. Parece alguém tentando imitar Grant Morrison na Patrulha do Destino, mas com o personagem errado.
O melhor exemplo é a história que dá título ao volume, escrita por Ed Brubaker e com desenhos Ducan Fegredo. Nela, usando um artefato maia, um vilão consegue criar uma realidade em que Tom Strong não existe - e o herói se torna um simples operário em um mundo decadente, sujo, repleto de políticos corruptos. É o tipo de história que se encaixa no personagem e a sacada irônica do final é realmente genial.
quinta-feira, junho 29, 2023
Somos todos canibais
Os dois - quadro e manifesto - eram uma resposta a uma questão antiga, que até hoje ainda gera debates: o que é a cultura brasileira?
Vale lembrar que o manifesto, e de certa forma o modernismo, surge em protesto contra a arte acadêmica, certinha, neo-clássica.
Aqui entra um parêntese.
A origem dessa arte era a missão francesa, um grupo de artistas que chegou ao Brasil a convite de D. João VI para ensinar a arte aos brasileiros e trazer as novidades da Europa para nosso país. O discurso era de que o que se fazia no Brasil até então (o barroco de Aleijadinho, como exemplo) não era arte verdadeira. O episódio colocou na cabeça do brasileiro a ideia de que "o que é bom vem lá de fora", que ainda hoje domina a mentalidade local.
Fecha parênteses.
A antropofagia fazia uma referência aos índios canibais que haviam devorado o bispo português Sardinha quando o navio deste afundou na costa brasileira. Para Oswald o episódio mostrava a nossa principal característica: nós deveoramos a cultura que vem de fora, mas não de forma passiva. Nós a transformamos em outra coisa. As festas juninas, por exemplo, foram criadas a partir dos bailes europeus, mas em nosso país se transformaram em outra coisa.
Abaixo algumas frase do manifesto antropofágico:
"Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará"
"Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade"
"Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago"
OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha.
A origem do Batman
Bonnie e Clyde
Dizem que Warren Beatty se jogou aos pés do presidente da Warner (que já estava praticamente falindo na época) para fazer esse filme. Ao invés de receber um cachê normal de astro, ficou com 40% da bilheteria, o que o tornou milionário quando o filme (indo contra todas as expectativas do estúdio) se tornou um sucesso de bilheteria.
Um dos aspectos curiosos do filme foram as adaptações feitas no roteiro. Na história original, Clyde era bissexual, e só conseguia se excitar com a presença do terceiro membro da gangue, C.W. Moss. Os executivos proibiram essa parte do roteiro e a solução foi sugerir que o personagem tinha problemas de ereção, o que, de certa forma aumentou a tensão entre o casal, deu um ar de humanidade ao personagem e colocou a relação entre Bonnie e Clyde num patamar mais complexo, já que ficamos o tempo todo os nos perguntando o que os mantém juntos (talvez o gosto pela aventura).
Uma figura central no sucesso do filme foi o roteirista Robert Towne. Towne era extremamente inseguro quando estava escrevendo um roteiro próprio, mas era o melhor para consertar roteiros de outros. Uma das maiores contribuições dele foi antencipar uma cena que acontecia após a visita de Bonnie à mãe. A gangue rouba um carro e, no final, acaba dando carona aos donos do carro. O grupo está se divertindo quando Clyde pergunta ao homem qual a sua profissão. Agente funerário, diz ele. Bonnie ordena: "Tirem esse cara daqui". A cena, antecipada, marca o final do segundo ato e o início do terceiro ato. Dali em diante sabemos que o fim do casal está próximo e que eles serão mortos.
Uma curiosidade sobre o filme é que o seu sucesso entre a nova geração foi tão grande que a boina usada por Bonnie se tornou moda entre as garotas do final dos anos 60.
Direto da estante: Perry Rhodan Das mutanten-korps
Em tempo: como o livro está em alemão, nem tentei ler. Ficou mais como curiosidade de colecionador mesmo.
Roteiro para quadrinhos: a ambientação
Roteiro de quadrinhos: O Marvel Way
O marvel way é uma modalidade de roteiro em que o roteirista discute com o desenhista, ou lhe entrega uma sinopse, e este desenha as páginas, que são posteriormente devolvidas ao roteirista para que sejam colocados os textos e diálogos. É chamado assim porque foi um método criado por Stan Lee e utilizado por todos os roteiristas da casa das ideias.
Um dos roteiros Marvel Way mais famosos de todos os tempos é aquele sobre Galactus. Embora fosse um pouco mais detalhado, o roteiro poderia se resumir em: "O Quarteto Fantástico enfrenta um deus".
Há um grande preconceito contra o marvel way. Uma pessoa, por exemplo, me dizia que Stan Lee não era co-autor das histórias, uma vez que ele se baseava no desenho pronto.
Houve uma época, nos primórdios dos quadrinhos em que o texto era realmente redundante com relação à imagem e até desnecessário. Arte: Antonio Eder |
Essa visão equivocada e preconceituosa parte da ideia de que o texto é apenas um complemento do desenho numa história em quadrinhos. Isso podia até ser verdade nos primórios dos quadrinhos, quando o desenho mostrava o herói batendo no bandido e o texto dizia: "O heroi bate no bandido". Da Marvel para cá, o texto tem se caracterizado por permitir uma outra leitura do desenho, muitas vezes resignificando-o, como aconteceu com o Surfista Prateado, que era apenas um arauto de Galactus e, com o texto de Lee, tornou-se uma espécie de filósofo interestelar: ¨Quando chegou a hora de estabelecer o seu padrão de discurso, comecei a imaginar de que forma um apóstolo das estrelas se expressaria. Parecia haver uma aura biblicamente pura no nosso Surfista Prateado, algo altruísta e magnificamente inocente¨. Isso é chamado de resignificar e é um princípio básico da arte moderna e pós-moderna.
O texto de Stan Lee criou uma camada de significado que não exisita no desenho original de Kirby. |
Eu usei muito o Marvel em todas as histórias que escrevi com o compadre Joe Bennett. Nós discutíamos a história, o Joe muitas vezes fazia o rafe na minha frente e eu colocava o texto em cima do rafe.
Era sempre um desafio, pois Joe Bennett é da escola de Jack Kirby, John Buscema e Garcia Lopez, todos grandes narradores visuais. Ou seja: ele parecia contar toda a história apenas com imagens. Então logo descobri que meu texto deveria criar uma camada a mais de leitura e interpretação.
Uma das páginas que, lembro, me deram muito trabalho, foi a cena da história O farol. Na história, um casal de namorados encontra um farol desconhecido em uma praia deserta e decide investigar. Quando estão lá dentro, acabam se perdendo (não, não vão contar o resto). Na sequência abaixo, Fábio se separou de Cassandra e vai se desesperando aos poucos ao não conseguir encontrar a saída. Lembro que quando peguei a página rafeada, pensei: "Caramba, o que vou colocar aqui? O Joe já contou tudo com desenhos!". No final, o texto cria uma camada a mais de leitura, permitindo que o leitor conheça o personagem, sua história de vida e motivações. E, claro, termina com uma ironia, que só funciona em conjunto com o desenho...
Na história A Família Titã, eu o Joe não tivemos tempo para conversar sobre os detalhes da história. O compadre precisava de dinheiro urgente e o Franco havia nos pedido 30 páginas para duas semanas, com tudo pronto. Algum tempo depois, descobrimos que, para o Joe, o Tribuno era o vilão, afinal o desenho o mostrava praticando as mais terríveis barbaridades. Mas para mim ele era o heroi, e o texto justificava suas ações, dando uma motivação para o personagem. E até hoje muitos leitores fãs da dupla debatem se ele é um vilão ou um heroi. Eis um exemplo de como texto e desenho podem permitir várias leituras de uma obra numa história em quadrinhos.
Na Refrão de Bolero, uma moça viaja para Belém e se encanta com Belém e diz que ela é uma cidade de cartão postal. No final, quando é assaltada e se vê sozinha e perdida, sem dinheiro ou conhecidos numa cidade que de fato não conhece, ela diz: "Agora tudo que eu tenho é um profundo corte na mão e uma cidade de cartão postal". O texto, além de dar um duplo sentido para a expressão "cidade de cartão postal" (positivo no início, negativo no final), apresenta os sentimentos da personagem de uma forma que o desenho não poderia fazer. Vale lembrar que a ideia da história surgiu quando eu fui assaltado em Belém.
Os quadrinhos, portanto, são uma junção de texto e desenho em que nenhum é mais importante que o outro e a coisa só funciona se houver harmonia entre eles.
Caminha comigo
Dirigido por Marc Francis e Max Pugh e lançado em 2017, o filme Caminha comigo registra o cotidiano de uma comunidade zen-budista na frança chamada Plum Village, fundada pelo monge vietnamita Thich Nhat Hanh.
O filme é todo baseado no conceito de atenção plena (Mindfulness).
A ideia por trás desse princípio é de que devemos viver o momento presente, sem
nos importarmos com o passado ou nos preocuparmos com o futuro.
A atenção plena aparece inclusive em termos de narrativa.
São situações do cotidiano dos monges: um monge desconcentrado durante o zazen;
dois monges conversando na cozinha; um monge e um voluntário organizando as
almofadas de meditação (e descobrindo que se conhecem); uma monja visitando o
pai... e caminhadas, muitas cenas silenciosas de caminhadas, o Kinhin,
claramente o tipo de meditação predileto de Thich Nhat Hanh.
O documentário mostra também o tocar dos sinos, ao tocar dos
quais, todos param tudo que estão fazendo, uma forma de tirar as pessoas do
modo automático e fazer com que elas prestem atenção ao momento presente.
A narrativa é tão contemplativa que exige do expectador uma
atitude mental de atenção plena. Não há narrador ou mesmo depoimentos dos
personagens. Apenas as cenas capatadas e alguns trechos de textos de Thich Nhat
Hanh narrados por Benedict Cumberbatch (o Doutor Estranho dos filmes). Isso
inclusive cria um problema. Muitas vezes não conseguimos identificar onde está
acontecendo a ação.
Curiosamente, até mesmo um filme contemplativo como esse tem
seu momento de conflito. Ele aparece quando os monges vão meditar em uma praça
e um fanático religioso cristão passa a acusá-los, aos gritos, de terem pacto
com satanás. A reação dos monges sintetiza a essência do zen: eles apenas
continuam meditando.
Para assistir, clique aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Cescc684NWI
Conan – O terror dorme sob a areia
O terror dorme sob a areia, publicada no número 6 da revista
e com desenhos do filipino Sonny Trindad, demostra bem isso.
A história começa com o antigo chefe dos zuagires perdido no deserto. |
A história era uma daquelas boas sacadas de Thomas, de
aproveitar vácuos das histórias de Robert E. Howard e a partir disso fazer
novas histórias.
Na a maldição da lua crescente, Conan assumira o comando dos
zuagires. Para isso, ele quebrar a mão direita do antigo chefe e o colocara
sobre um cavalo, fazendo com que cavalgasse pelo deserto. Mas Howard não diz o
que acontece com esse chefe e Thomas aproveita para fazer a história focada
nele.
Ele é salvo por peregrinos que vão fazer um ritual para impedir que uma antiga ameaça acorde. |
A HQ começa com o personagem atravessando o deserto, prestes
a morrer. O texto de Thomas é brilhante: “Talvez o Sol seja realmente o olho de
deus, como ensinam certos místicos. Se assim for, os homens podem abandonar
suas esperanças e deixar de falar que dias melhores estão por vir... pois há
pouca piedade nesse ardente globo escarlate”.
As imagens mostram o ex-cheve dos zuariges, Olgerd
Vladislav, caindo do cavalo e vendo abutres se aproximarem para se banquetearem
com seu cadáver. Mas quando o primeiro deles se aproxima para devorar seus
olhos, uma flecha atravessa a cabeça do animal. A arqueira é a filha de um
homem que atravessa o deserto em direção ao templo do adormecido.
O planod e vingança faz despertar um demônio lovecraftiano. |
Resgatado, Olgerd descobre que a caravana tem como objetivo
fazer um ritual para evitar que um demônio adormecido nas areias do deserto
ressurja.
Ao descobrir que Conan está se dirigindo ao mesmo local para
organizar uma reunião de diversas tribos, Olgerd elabora uma vingança. Só que
essa vingança irá fazer ressurgir o deus, ou demônio antigo, uma fera lovecraftiana
monstruosamente grande e repleta de tentáculos.
"Que se dane!". |
Há um dos momentos da história, já perto do fim, que mostra
como o roteiro na Espada Selvagem podia fugir dos cânones dos quadrinhos. Olgerd
é capturado por um dos tentáculos e Conan pega uma flecha para matá-lo como um
ato de misericórdia, já que o que espera o outro é provavelmente um destino
terrível. Conan chega a esticar o arco, apontar a flecha... “... e então manda tudo
para o inferno. O que Olgerd teria feito por ele?”... e o monstro some com o
antigo chefe dos zuariges.
quarta-feira, junho 28, 2023
Apocalípticos e integrados
Mulher-Maravilha – a verdadeira amazona
Roteiro de quadrinhos: diálogos
Como os textos, há vários tipos de diálogos e várias técnicas. Eis alguns tipos:
Frank Miller usou a técnica do diálogo realista em Cavaleiro das Trevas |
Neil Gaiman usou a técnica do diálogo literário em Sandman. |
Os monólogos do Surfista Prateado se tornaram célebres. |
Roteiro de quadrinhos: pesquisar é preciso
Estudiosos do processo de criação dizem que o surgimento de uma nova ideia passa por um processo que começa com uma longa pesquisa sobre o assunto. Essa fase é geralmente chamada de preparação. É uma fase de trabalho duro, em que se procura ler e pesquisar tudo que existe sobre aquela situação. Se, por exemplo, vou escrever uma HQ policial, essa fase engloba a leitura de livros sobre investigação criminal, sobre psicologia, perícia, etc. Também inclui o contato com quadrinhos, livros e filmes sobre o assunto. Com quanto mais material você tem contato, maior a chance de produzir algo criativo. Também é maior a chance de descobrir como o gênero funciona, quais são as suas regras, um conhecimento relevante até mesmo se você quiser quebrar essas regras.
A fase seguinte é a incubação e iluminação. Depois de pensar e pesquisar muito sobre o assunto, a ideia surge, geralmente num momento de descontração. É que toda nova ideia surge do incosciente, que trabalha justamente nesses momentos em que não se está pensando no problema. Mas, da mesma forma que o iconsciente pode lhe dar uma ideia sensacional e original, ela pode lhe dar um plágio ou uma ideia jerico. Para evitar isso, é necessário o último passo: a crítica.
A pesquisa é importantíssima em todas as fases. Sem ter material para trabalhar, o incosciente não cria nada. E, depois, na fase da crítica, se a pessoa não pesquisou bem, pode deixar passar um plágio involuntário, uma pegadinha do inconsciente, que puxou da memória algo que você não se lembra que viu.
Uma vez me apareceu um desses gênios dizendo que queria escrever um romance policial. Aconselhei-o a ler os clássicos do gênero: Conan Doyle, Dashiell Hamett, Raymond Chandler, etc. Ele me respondeu que não iria ler nada disso, pois não queria ser influenciado. Pretendia escrever algo totalmente original.
- Tudo bem, vá em frente! - eu disse.
Meses depois, ele me trouxe o roteiro, um calhamaço de quase 100 páginas. Era a história de um detetive particular pobretão que começava a investigar um caso quando uma mulher linda aparecia em seu escritório. Lá pelas tantas, alguém batiaem sua porta, e, quando ele abria, a pessoa caia em seus braços, esfaqueada.
Ou seja: o roteiro era o chavão dos chavões. Quase um plágio de algumas histórias noir, como as de Raymond Chandler e Dashiel Hammett. O garoto tinha assistido tantas imitações das histórias noir clássicas que seu incosciente se impregnou delas e, como não tinha bagagem cultural para tanto, não conseguiu identificar o plágio involuntário. Para ele, a história era perfeitamente original.