Há uma visão comum de que o budismo seria um tipo de alienação do mundo. Nessa visão, o budista viveria numa bolha de coisas belas e agradáveis onde espaço para notícias de mortes, doenças e sofrimento. Nada poderia ser mais equivocado que essa imagem.
Sidarta Gautama, que viria a se tornar o Buda, foi criado num palácio no qual não podia penetrar nada feio ou doloroso. Nada de morte, doença, velhice, sofrimento. Nada que pudesse aflingir o seu espírito. Apenas as belezas da vida numa existência de eterna alegria e tranquilidade.
Quando sai do palácio, Sidarta encontra uma pessoa doente, depois uma pessoa envelhecida e finalmente um enterro. Essa revelação provoca nele uma tremenda crise existencial. Até então vivendo num mundo de felicidade eterna, ele se viu frente a frente com a realidade do mundo, onde o sofrimento não só existia como na maioria das vezes era a regra.
Muitas pessoas voltariam para a fortaleza onde só existiam coisas agradáveis e belas, mas Sidarta Gautama percebeu que aquele castelo de alegrias e paz de espírito era apenas uma ilusão. Para alcançar a verdadeira paz de espírito, o primeiro passo era admitir a existência do sofrimento.
Mais tarde, quando despertou (Buda significa aquele que acordou), Sidarta percebeu que aquilo que ocorrera com ele era apenas um exemplo extremo do que ocorre com a maioria das pessoas. Elas constroem ao redor de si uma fortaleza para se abrigar de todas as tristezas do mundo, um local onde não entram notícias de doenças, mortes, tragédias. E é exatamente essa fortaleza que impede que consigam alcançar a iluminação e a superação do sofrimento. Como dizia Renato Russo, “Tudo é dor, e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor”.
Segundo Alan W. Watts, autor do livro O espírito do zen, o homem sofre devido ao seu desejo de possuir e manter para sempre coisas que, por essência, são impermanentes. “Dentre essas coisas, a principal é a sua própria pessoa, pois ela é o meio que serve para se isolar do resto da vida, seu castelo”.
Ainda segundo esse autor, a pessoa acredita que essa posição fortificada e isolada é o melhor meio para obter a felicidade. Mas “Buda ensinou que todas as coisas, incluindo esse castelo, são essencialmente impermanentes e que tão logo o homem tente possuí-las, elas escapam”, explica Alan W. Watts. A frustação de não conseguir manter essa bolha gera o sofrimento.
Assim, o budismo não tem a função de nos isolar do mundo. Ao contrário, ele nos ajuda a entender que o mundo é feito de doenças, sofrimento e morte (essa é a primeira nobre verdade) – e aprender a lidar com esses fatos da vida.
Um exemplo disso são as doenças. Ignorar as notícias sobre o assunto só vai fazer com que fiquemos ainda mais propensos a adoecermos já que não saberemos como nos proteger.
Outro exemplo é a violência urbana. Ao ignorar esse perigo podemos ficar ainda mais propensos a sermos vítimas dessa violência.
Isolar-se do mundo, negando-se a receber qualquer notícia que aflinja nosso espírito é apenas criar para si uma ilusão que irá provocar ainda mais sofrimento, pois, como toda ilusão, ela não pode ser mantida. Só podemos superar o sofrimento se tivermos consciência da existência do sofrimento.
Sem comentários:
Enviar um comentário