Em 1975 a editora Etcetera publicou no Brasil dois números da revista Perry, o nosso homem no espaço, história em quadrinhos protagonizada pelo herói da série alemã de ficção científica Perry Rhodan.
A revista já desde a capa mostrava que pretendia vender uma
mistura de FC com erotismo. No canto esquerdo, logo abaixo do título Perry,
aparecia a imagem de um astronauta em traje espacial. Dentro de um círculo um
cenário alienígena e no canto inferior uma bela mulher com os seios à mostra.
Um splash dizia, em letras garrafais: “Ficção científica para adultos”. No
canto inferior uma chamada prometia um “êxtase cósmico por quinzena”.
Na parte interna um texto apresentava o personagem como “O
herói que estava faltando” e prometia a cada número uma aventura completa, uma
epopeia sideral: “Conheçam Perry, sua nave espacial, a Crest; seus tripulantes
escolhidos entre os melhores de vários mundos; suas mulheres, belas, ardentes
e, às vezes, cruéis”.
Só por esse início qualquer fã da série Perry Rhodan percebe
que a história em quadrinhos não tinha relação nenhuma com a série original,
aproveitando apenas os nomes, uma vez que a série literária nunca apelou para a
sensualidade como forma de ampliar as vendas. Uma curiosidade, aliás, é que o
sobrenome Rhodan não é mencionado em nenhum momento da publicação.
A trama gira em torno da tentativa de descobrir o centro do
universo (sabe-se lá porque alguém iria querer descobrir isso, e como seria
possível definir que determinado ponto é o centro do universo, mas
aparentemente o roteirista não se importa com explicações).
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Mudaram o sexo e os poderes de Goratshcin. |
Já nas primeiras páginas aparece Rhodan com um visual
totalmente diferente dos livros: loiro e de cabeços compridos. Aparece também
uma personagem que nesse momento não é nomeada e que se destaca por andar
totalmente nua, exceto por um cinto que cobre as suas partes íntimas. Mais lá
na frente essa personagem é nomeada como Goratschin. Levei muito tempo para
perceber que essa personagem era, na verdade, Ivan Ivanovitch Goratschin, um
mutante de duas cabeças capaz de provocar explosões atômicas. O roteirista não
só mudou o sexo do personagem, como deixou-o com uma só cabeça e mudou seus
poderes (aqui ela parece uma telepata).
Pouco depois aparece Gucky, que está sendo vítima de uma
brincadeira de outro mutante, que lhe rouba algumas cenouras. Esse mutante é
capaz de se esticar, um poder que nenhum dos mutantes originais da série jamais
revelou. A sequência, aliás, dá a entender que Gucky tem seus poderes
aumentados quando come cenouras, como Popeye quando come espinafre, algo que
nunca existiu na série.
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Qual o sentido de um traje espacial que deixa um terço do corpo à mostra? |
Os personagens entram na Crest, vão parar num planeta
estranho, têm a sua nave destruída por “fantasmas de areia” e são obrigados a
se teleportarem. Antes disso eles vestem trajes espaciais e aqui temos uma das
cenas mais absurdas da HQ. Gucky e Perry estão com trajes espaciais completos,
que os protegem das situações severas do planeta, mas o mutante Goratschin,
aqui transformado em mulher, usa um uniforme que deixa seus seios e ventre à
mostra. Por mais que o objetivo evidentemente fosse erotizar, é algo bizarro,
pois que sentido faz usar um traje espacial que deixa um terço do seu corpo
desprotegido?
A trama, quase incompressível, prossegue com os personagens
encontrando um monólito (nitidamente influenciado pelo filme 2001), vários
personagens da série que já tinham morrido, como Crest e Thora e uma deusa.
Nada faz muito sentido. Thora, aliás, tem um visual completamente diferente da
série literária. Aqui ela usa maquiagem pesada, cabelos liliás, seios de fora e
uma calça boca de sino.
A história, escrita por Dirk Hess foi desenhada pelo
italiano Giorgio Cambiotti, um dos pioneiros do quadrinho erótico italiano, o
que talvez explique boa parte das bizarrices da história, como transformar um
personagem homem em mulher e colocar um traje espacial que não protege nada.
Essas mudanças colocavam a história num terreno mais cômodo para o ilustrador.
Ele faz um trabalho maravilhoso nessa história em termos visuais, mas
totalmente fora da proposta da série.
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Thora usa calça boca de sino e cabelo lilás. |
A HQ termina no meio, antes que Perry alcance seu objetivo,
de modo que claramente se percebe que a
história continuava, o que por si só já contradizia a promessa de publicar “uma
aventura completa a cada número”.
A impressão que dá é de que o editor não se deu nem mesmo ao
trabalho de ler o material.
Então veio o número dois e, ao invés de continuar a história
anterior, que parara na metade, escolheram uma história fechada, na qual Gucky
tenta descobrir a razão pela qual as plantações de cenouras estão sendo
dizimadas por um besouro. A razão, o leitor logo descobre, é que um fabricante
está com seu estoque de cenouras enlatadas encalhado e pretende acabar com as
plantações de cenouras como forma de fazer as pessoas comprarem cenoura
enlatada. O leitor deve estar pensando que isso não faz o menor sentido, uma
vez que, acabando as plantações de cenouras, o industrial vai também perder a
sua matéria prima. Aliás, o roterista parece ter sido o único a não ter pensado
nisso.
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No número dois o editor resolveu publicar uma história com Gucky ao invés de continuar a história anterior. |
Nessa história, Gucky tem a companhia de uma garota nua
(para não dizer que ela anda totalmente nua, ela tem um desenho nas nádegas que
parece ter a única função de chamar a atenção para essa parte de sua anatomia)
chamada Shira, que, até onde sei, só existiu nos quadrinhos, não tendo uma
contrapartida na série literária (o que é um alívio).
A trama toda é muito infantil, sendo salva apenas pelos bons
desenhos do italiano Umberto Sammarini que, no entanto, são apelativos demais
na maioria das vezes. Tudo no roteiro parece ser feito para mostrar belas
mulheres nuas (em contrapartida os homens estão sempre completamente vestidos).
Uma curiosidade nessa edição é que aparece o personagem Bell
e ele é chamado de Bully, provavelmente um erro de tradução.
As histórias publicadas pela Etcetera foram retiradas da
série Perry - Unser Mann im All, que teve escritores da série até o número 36 e
tinha histórias mais atreladas à série original. A partir do número 37 os
desenhos passaram a ser feitos por um estúdio italiano e as tramas passaram a
seguir uma linha diferente dos livros.
Em outras palavras, a Etecera resolveu começar a publicar
uma série no meio (ao invés de começar pelas primeiras histórias, que
apresentavam os personagens). Prometeram publicar apenas histórias fechadas, mas
já começaram com uma história em continuação e, ao invés de publicar o final
desta, preferiram publicar outra história no número dois (eu continuou achando
que o editor não se deu ao trabalho de ler o material). Em outras palavras,
Perry, nosso homem no espaço é um exemplo perfeito de como não editar um
material. Não surpreende, portanto, que tenha durado apenas dois números.
No mesmo período a Ediouro estava publicando os livros, mas
da forma correta, na ordem de publicação original. Fez tanto sucesso que
ultrapassou o número de 500 livros publicados.
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