Ana Terra é uma das personagens mais fortes e interessantes da literatura brasileira. Embora venha sendo publicado como livro solo, o texto dedicado a ela faz parte do primeiro livro da trilogia O tempo e o vento, de Érico Veríssimo.
Veríssimo queria contar a saga do Rio Grande do sul e para isso produziu uma obra monumental tanto em termos de trama quanto de qualidade literária, ao misturar dramas pessoais com acontecimentos históricos.
O capítulo dedicado à Ana Terra tem uma das melhores aberturas da literatura brasileira:
“ ’Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando’ – costumava dizer Ana Terra. Mas entre todos os dias ventosos de sua vida, um havia que lhe ficara para sempre na memória, pois o que sucedera nele tivera força de mudar-lhe a sorte por completo”.
O que acontece naquele dia chuvoso é que, ao levar a roupa para lavar na sanga, ela encontra um homem com traços indígenas, semi-morto. O trecho, que ocupa dois capítulos inteiros, entremeia os fatos do presente com pensamentos e recordações da personagem em verdadeiros flash backs. Ana se lembra de como ela e o restante da família tinham ido de Sorocaba, em São Paulo, para uma região deserta do Rio Grande de São Pedro, de quando o Major Pinto Bandeira, um herói da luta contra os espanhóis tinha almoçado em sua casa etc.
Pedro, o mestiço que ela encontra desacordado na sanga é o protagonista do capítulo anterior do livro, que contara a história dos sete povos das missões, um agrupamento de indígenas arregimentado pelos padres jesuítas. A mãe fora violentada por um bandeirante e morrera no parto, sendo ele criado por padres.
Temos aqui uma das genialidades de Veríssimo ao arquitetar sua trama. Um dos padres mais próximos de Pedro havia entrado para a ordem após tentar matar um homem. Arrependido de seu pecado, ele entra para a ordem jesuíta, mas guarda o punhal que seria usado no crime como uma forma de lembrança de sua fraqueza.
Pedro vai herdar esse punhal, que passará de mão em mão até chegar a um dos meninos de O casarão, capítulo mais distante cronologicamente e que aparece no livro de forma fragmentada, entre os vários outros capítulos. O punhal torna-se assim, um Leitimotiv, o motivo condutor dos homens da saga.
Pedro é resgatado e curado pela família Terra e, apesar da desconfiança inicial, vai conquistando a confiança, especialmente graças ao seu modo servil e prestativo. Tudo muda, no entanto, quando Ana engravida – e esse é o trecho mais chocante da obra, tanto pela violência física quanto pela violência psicólogica e rejeição sofrida por Ana e seu filho.
O capítulo-livro termina com outra mostra da genialidade de Érico Veríssimo:
“Era por isso que muito mais tarde, sendo já mulher feita, Bibiana ouvia a avó dizer quando ventava: Noite de vento, noite dos mortos”.
Essa mesma frase é recordada por Bibiana, neta de Ana, em um dos capítulos de O casarão. Com isso o escritor não só providenciou um leitimotiv para as mulheres da família Terra-Cambará, como ainda costurou a trama, fazendo com que todos os capítulos fossem interligados.
Sem comentários:
Enviar um comentário