Algumas pessoas têm me perguntado como se pode identificar
se alguém tem autismo. Antes de mais nada é importante lembrar que há uma
grande variedade de autistas, com características diferentes, daí a denominação
espectro. Por exemplo, embora a maioria dos autistas seja do tipo calado,
alguns podem ser muito falantes. Outro aspecto a se considerar é que, conforme
o autista vai crescendo, vai aprendendo a mascarar os sintomas do autismo, de
modo que essas características se tornam menos visíveis, daí porque é mais
fácil o diagnóstico em crianças. Aliás, diagnosticar já na infância e iniciar
logo o tratamento pode ser muito útil e evitar muitas dores de cabeça. Entretanto,
é bom lembrar que apenas um sinal não significa que a pessoa seja autista. A
pessoa pode simplesmente ser tímida e até pessoas neurotípicas podem não gostar
de ambientes barulhentos. O que vai diagnosticar o TEA é um conjunto de
características.
Dito isso, vamos a algumas características:
Dificuldade social –
Autistas têm dificuldade com convenções sociais e percepção social, como
expressões faciais ou corporais. A maioria das pessoas sabe como se comportar,
por exemplo, quando é apresentada a uma pessoa desconhecida, mas isso pode ser
um desafio para um autista: deve-se apertar a mão, abraçar, dar beijos, quantos
beijos? Pessoas neurotípicas sabem exatamente o que fazer em cada situação, de
acordo com a pessoa que é apresentada, autistas não, o que pode gerar stress.
Como consequência, interações sociais podem ser cansativas para autistas, razão
pela qual a maioria prefere ficar sozinho. Aliás, enquanto a maioria das
pessoas foge da solidão, a maioria dos autistas prefere a solidão. Um outro
fator de stress é a dificuldade de interação. Eu, por exemplo, simplesmente não
sei como “puxar assunto” com uma pessoa desconhecida, até pela dificuldade de
perceber se a pessoa está interessada na conversa ou não.
Comunicação verbal - Muitos
autistas têm dificuldade de desenvolvimento verbal e só aprendem a falar com
uma idade avençada. Mas mesmo aqueles que já desenvolveram fala podem ter
dificuldade de se expressar oralmente, daí porque telefonemas são sempre uma
situação de stress. Eu, quando preciso fazer uma ligação, muitas vezes passo um
longo tempo me preparando. Essa dificuldade de comunicação faz com que os
autistas prefiram mensagens escritas.
Hiper-foco – Esse talvez seja o
aspecto mais visível do autismo. Até autistas do tipo calado podem passar horas
falando se o assunto for o seu hiper-foco. Esse hiper-foco pode ser desde um
time de futebol até locomotivas ou países, suas capitais e bandeiras. Na ficção
temos, por exemplo, o seriado Uma advogada extraordinária, na qual a
protagonista aproveita qualquer oportunidade para falar de baleias. O que a
ficção não mostra é que, além do hiper-foco principal, os autistas têm
hiper-focos flutuantes, menores. Aliás, um autista só consegue produzir se
estiver em hiper-foco. Eu, se tenho apenas meia hora livre e preciso escrever
um texto, nem começo a escrever, pois normalmente meia-hora é o tempo que levo
para entrar em hiper-foco. Uma vez no hiper-foco, ele pode durar horas, dias,
meses. Quando começo a preparar aulas de uma determinada disciplina, eu
simplesmente não consigo pensar em outra disciplina – o foco é apenas naquela.
Quando estava escrevendo meus livro Cabanagem e Mazagão eu chegava a sonhar com
os personagens, a trama, a ambientação, tal ponto era o hiper-foco. O
hiper-foco, aliás, pode ser uma atividade física ou artesanal. Uma vez passei
um mês hiper-focado em restaurar uma estante coroída por cupins. Todo tempo
livre que eu tinha era dedicado a essa tarefa. Embora o hiper-foco muitas vezes
seja um problema, ele pode ter seu ponto positivo: na época do meu doutorado eu
estava tão hiper-focado que cheguei a escrever 15 páginas da tese em um único
dia. Uma dica para neurotípicos: quando um autista estiver em hiper-foco, respeite.
Já tive vários textos que ficaram pela metade porque alguém me interrompeu e eu
nunca mais consegui terminar.
Hiper-sensibilidade – A
maioria dos autistas tem hiper-sensibilidade a ambientes barulhentos. Pode
parecer simplesmente uma implicância, mas não é. O incômodo é tão grande que
alguns podem ter crises. No meu caso, começa com dor de cabeça e, dependendo do
volume e do tempo de exposição, pode evoluir para ânsia de vômito. Outra
hiper-sensibidade comum é tátil. Roupas apertadas, etiquetas, tudo incomoda. Alguns
têm hiper-sensiblidade de paladar – se não gostam de um determinado tempero,
podem sentir eles na comida, mesmo em quantidades mínimas. É comum que autistas
tenham hiper-sensiblidade a alguns sentidos e hipo-sensiblidade a outros. Eu,
por exemplo, tenho pouca sensibilidade no paladar – minha esposa diz que para
eu perceber que uma comida está estragada, ela tem que estar realmente podre.
Estereotipias – Uma
imagem que muitas pessoas têm dos autistas é de uma pessoa sacudindo as mãos à
frente do peito. Mas esses gestos repetitivos podem ser menos óbvios,
especialmente quando um autista aprende a mascarar, mas podem ser percebidas
por um olhar atento. Eu comecei a investigar o autismo depois de uma palestra.
Uma das pessoas da plateia me perguntou se eu era autista depois de identificar
que eu fazia gestos repetitivos durante a minha fala. As estereotipias podem
ser um balançar do corpo, um gesto com as mãos, ou até mexer em um objeto. Uma
estereotipia comum no meu caso é abrir e fechar tampas de canetas. Depois de
atrapalhar várias reuniões com tampas de canetas que voavam no meio da sala,
passei a evitar canetas com tampas nessas ocasiões. Em crianças autistas é muito
comum andar na ponta dos pés. As estereotipias são uma forma de autorregulação
para pessoas com TEA, ajudando-as a lidar com estímulos sensoriais, ansiedade
etc.
Olhar – Autistas evitam olhar
diretamente nos olhos dos interlocutores. Adultos com TEA podem aprender a
mascarar esse aspecto, mas de alguma forma isso vai continua aparecendo, de
forma menos visível. Minha esposa, por exemplo, reclamava que nas fotos o meu
olhar quase sempre estava em outra direção, e não na direção de quem estava
tirando a foto. Só fui entender o porquê disso depois do diagnóstico.
Saudades – Esse foi um dos
aspectos que mais me surpreenderam quando fazia a investigação para diagnóstico
de TEA. Eu percebi que não só não sinto saudades como não consigo compreender
esse sentimento. Isso não significa que o autista não goste da pessoa, claro. Apenas
não sentimos aquilo que as pessoas chamam de saudades. Podemos sentir falta de
situações ou locais, mas não é exatamente saudades. Talvez isso esteja ligado
ao hiper-foco: estamos tão focados em determinada atividade ou assunto que não
temos tempo para sentir saudades. É bom destacar, no entanto, que autismo é um
espectro, e alguns autistas podem sentir saudades em menor ou maior nível.
Crise de ausência (shutdown) – É
um desligamento, um retraimento experimentado por pessoas com autismo em
situações de muito estímulo sensorial ou social. Eu jurava que nunca tinha tido
uma crise de ausência até me lembrar do que uma professora disse para minha mãe
quando eu estava no primário. Segundo ela, eu era um ótimo aluno, mas muitas
vezes parecia não estar presente, como se apenas o corpo estivesse ali, mas a
mente não. O shutdown pode ser uma forma de autoregulação em situações de
sobrecarga sensorial ou situações de interação social.
Rigidez cognitiva – A
rigidez cognitiva diz respeito à dificuldade de se adaptar a mudanças e a
tendência em manter padrões fixos de comportamento. Isso geralmente se reflete
em rotinas e repetições. Eu, por exemplo, durante anos, sempre que ia viajar de
avião, usava sempre a mesma camisa, que era usada apenas durante as viagens de
avião.
Contato físico – A
maioria dos autistas tem problemas com contato físico, provavelmente por conta
da hiper-sensibilidade tátil. Eu só abraço alguém se tiver realmente muita
intimidade com ela e se na primeira vez que conheço alguém ela vier me abraçar,
eu simplesmente travo. A pessoa de quem herdei o autismo provavelmente foi
minha avó e não lembro dela abraçando as pessoas. Os autistas, aliás, não
precisam de contato físico para demonstrar afeto. Muitas vezes eu e minha avó
nos sentávamos perto um do outro, cada um lendo o seu livro e, mesmo sem
qualquer interação, a simples presença do outro já era bastante reconfortante.

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