Participo de uma lista de discussão sobre roteiro de telenovelas. O grupo foi criado no rastro do concurso da Record de roteiristas de novela e agrega muitos dos concorrentes.
No meio das discussões, acabei falando de minha experiência com quadrinhos duas vezes. A primeira delas foi quando surgiu a discussão sobre se valia a pena ganhar espaço em outras mídias, como teatro ou cinema, para conseguir espaço na teledramaturgia. Acabei falando de minha vivência com quadrinhos e disse que, provavelmente, o fato de eu fazer quadrinhos iria contar pontos negativos para mim.
Na outra situação, alguém puxou a discussão sobre as diferenças e semelhanças entre o roteiro de novela e de outras mídias. Toma-lhe comparar com roteiro para teatro e para cinema. Eu, de bobo, coloquei minha colher no angu e fiz uma comparação com o roteiro de quadrinhos.
Alguns dias depois recebi do administrador da lista a informação de que muitas pessoas lhe mandavam e-mails repetitivos, reclamando toda vez em que eu falava em quadrinhos.
Ora, a lista vinha discutindo muitos outros temas que não eram novelas, de minisséries a filmes, passando por teatro e até a Ordem Rosa Cruz e por isso fiquei abismado com a informação de que minhas referências aos quadrinhos provocavam protestos.
O próprio adminsitrador da lista, ao responder para uma moça se ela podia enviar à lista um texto de teatro, escreveu o seguinte:
"Pode colocar seu texto à disposição do grupo sim. Apesar de estarmos voltados para telenovela, sabemos que o bom escritor acaba flertando com todos os tipos de roteiro, até mesmo com peças de teatro."
Ou seja, teatro pode, quadrinhos não.
O que percebi é que havia falando antes era a mais pura verdade: mexer com quadrinhos não serve de escada para ninguém, já que o preconceito contra essa linguagem é tão grande que provavelmente as pessoas que interessam vão é torcer o nariz quando descobrirem que você faz ou fez quadrinhos. Ou seja, se vc fez teatro, conta pontos para você, se você fez quadrinhos, conta pontos contra.
Lembro de um amigo, professor universitário, que me dizia: Olha, em sua vida acadêmica não deixe o pessoal descobrir que você faz quadrinhos, pois isso vai ser péssimo para sua carreira...
Para mim é triste porque, como as telenovelas também já foram alvo de grande preconceito, pensei que estivesse lidando com pessoas de mente mais aberta...
Eu sei que isso é terrível para minha carreira. Sei, inclusive, que devo ser desclassificado no concurso da Record quando descobrirem que faço quadrinhos (cometi a besteira de enviar, junto com as páginas de roteiro, um exemplar da minha graphic novel Manticore), mas sou teimoso como uma besta e, quanto maior sinto ser o preconceito contra as histórias em quadrinhos, mais faço questão de dizer: sim, eu não só gosto de quadrinhos, como também escrevo alguns. Por quê, vai encarar?
3 comentários:
Caramba! Nunca imaginei esse tipo de preconceito. É de matar de rir ou de chorar, sei lá. O que seríamos de nós sem os quadrinhos. Não consigo imaginar minha vida sem a parte em que ela foi dedicada às revistinhas. Acho até que vou reassumir essa parte lúdica de ler quadrinhos. Ah! Ivan, manda pra mim a lista de filmes com linguagem de quadrinhos, please!
Ops! Errei o "seríamos". Foi mal!
Foi por essas e outras que eu saí de quase todas as listas de discussão de que participava. Mas estou surpreso de ver esse tipo de mentalidade tacanha numa lista de roteiristas, que até hoje eu acreditava que tinham a mente aberta. Quer dizer, dizem que roteiristas escrevem sobre tudo (ou quase)... mas como escrever sobre vários assuntos se o cara é um poço de preconceitos? Estou decepcionado... Mas os quadrinhos ainda são vistos como coisa marginal mesmo - o que eu acho ótimo. Prefiro ser visto como um marginal do que ser "normal" e fazer parte da confraria dos boçais.
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