segunda-feira, fevereiro 27, 2006
ENCANTARIAS: a lenda da noite
Finalmente li Encantarias, a lenda da noite. O álbum é um trabalho conjunto dos integrantes do estúdio Casa Velha, de Belém, entre eles Volney Nazareno (criação e roteiro), Julião Cristo (argumento), Fernando Carvalho (arte-final e pintura), Aline Oliveira (letras) e o amapaense Otoniel Oliveira (roteiro, desenho e pintura).
A história em quadrinhos conta a origem da noite, segundo a tradição indígena. Com uma premissa dessas, o caminho mais fácil seria fazer uma narrativa tradicional, mas o grupo mistura a tradição com o novo, ao apresentar inovações narrativas de autores mais recentes (entre eles, eu e Bené Nascimento, os autores britânicos, como Alan Moore, e os europeus da escola franco-belga).
O roteiro é melhor que o de Belém Imaginária, o outro trabalho do grupo, talvez por não ter a obrigação de ser um quadrinho infantil. Isso deixou os artistas mais soltos para experimentar.
O desenho é se mostra pródigo ao retratar mulheres, mas também demonstra um grande domínio da narrativa em quadrinhos. Em uma seqüência, por exemplo, os personagens estão subindo um morro. A leitura é feita de baixo para cima e quando os olhos sobem, nós os encontramos lá em cima.
Outra seqüência impressionante é quando a cobra Honorato enfrenta sua irmã Caninana. Para quem está lendo, é como se tivesse de repente deparado com duas serpentes imensas. Para isso, os autores exploram os ângulos, mostrando Caninana sempre de baixo para cima, deixando o leitor em posição inferior. A única imagem aérea só é mostrada quando o leitor se acostuma com o tamanho enorme da cobra e então aparece seu irmão Honorato, muito maior.
A história é uma espécie de Senhor dos Anéis tucuju: três guerreiros estão a serviço de tupã e precisam encontrar um alguidar que encerra a noite. Para cumprir sua missão, o trio enfrenta os mais terríveis perigos e encontra com os mais variados elementais amazônicos, da Iara ao Curupira.
Uma leitura reconfortante que mostra que não só temos uma cultura rica, como ela pode ser bem aproveitada nos quadrinhos.
A história tem um único senão: há um número talvez excessivo de balões-legenda, todos com texto em cor vermelha o que, se por um lado ajuda no visual, atrapalha na leitura.
O site da revista é: http://www.iluminuras.ppg.br/encantarias
Ps: leiam essa seqüência de texto do álbum, que evoca o tipo de texto que eu usava na época em que trabalhava com o Bené: “Eles tinham participado de competições e duelos mortais. Já tinham enfrentado porcos-do-mato selvagens. Já tinham visto as mais terríveis cerimônias mágicas onde os pajés evocavam espíritos da floresta... mas nunca tinham ficado tão vulneráveis, exaltados ou assustados do que quando estavam sendo levados por vários e vários quilômetros através do rio pelas devastadoras, poderosas e rápidas ondas da pororoca que, pelo comando da mãe-d´água, apenas molhava-lhes de leve”.
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