No livro História da riqueza do homem, Leo Huberman conta que o pobre camponês, na Idade Média, era obrigado a trabalhar nas terras do senhor por dois ou três dias na semana, sem receber qualquer pagamento por isso. Além disso, em época de colheita, era obrigado a primeiro segar as terras do senhor. Se uma tempestade ameaçava perder a colheita, era a plantação do senhor que deveria ser primeiro salva. Pode parecer uma situação lamentável e triste, mas o fato é que vivemos hoje, no Brasil, uma situação muito parecida. Um estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário revela que a carga tributária brasileira saltou de 36,80%, em 2004, para 37,82% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2005. Isso significa que, num ano, trabalhos 145 dias apenas para pagar impostos. É uma das maiores cargas tributárias do mundo.
O trabalhador assalariado que não declara imposto de renda pode achar que está isento da fome voraz do leão. Ledo engano. Ao comprar, na mercearia próxima à sua casa, um frasco de detergente, ele paga 40,50% de imposto. Se decidir levar sabão em barra, irá pagar os mesmos 40,50%. Se precisar reformar sua casa, pagará 39,50% de imposto sobre o saco de cimento. Se o dinheiro der par uma pintura, o coitado irá desembolsar 45,77% do valor apenas para pagar impostos.
O cidadão poderia desistir da reforma e decidir tomar uma água com açúcar para se acalmar, e, então, descobriria que paga 40,50% de imposto sobre o quilo do açúcar. Se, ao invés de água com açúcar, resolver beber um refrigerante, pagará 47% de imposto. Para acompanhar, um biscoito, com 38,50% de imposto.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, classificou como confisco a carga tributária brasileira: "O mesmo rigor e voracidade que o Estado estabelece na cobrança de impostos deveria haver na prestação de serviços públicos; não é possível o País ser submetido a uma carga tributária de mais de um terço do seu produto interno e ter hoje como contrapartida a péssima prestação de serviços como educação, saúde e segurança".
O presidente da OAB lembrou que a informação veio a público às vésperas de mais um aniversário da Inconfidência Mineira. O movimento de independência, que teve como símbolo Tiradentes, surgiu da revolta dos brasileiros com a derrama, que instituía que um quinto de todo ouro descoberto no Brasil fosse mandado para Portugal. Hoje não se trata mais de um quinto, mas de mais de um terço da renda bruta brasileira sendo desviada para um governo que não consegue corresponder ao contribuinte nas suas necessidades básicas: ”Quem diria que, séculos depois, com o País já livre da tirania externa (mas subjugado a outro tipo de tirania, interna), um quinto nos soasse como amenidade? Hoje, pagamos em impostos mais de um terço do que produzimos, e o retorno disso em prestação de serviços não poderia ser mais precário, mais ineficiente”.
A situação tem mais um agravante. Segundo Osiris Lopes Filho, ex-secretário da Receita Federal, a “indecorosa” carga tributária do País, além de prejudicar o crescimento econômico e social, está funcionando como um forte indutor da sonegação de impostos. “É um absurdo, tributa-se a receita bruta e não apenas o lucro, como seria o correto”.
Em paralelo à escandalosa carga tributária, vive-se hoje no Brasil a doutrina neo-liberal do Estado Mínimo.
Essa doutrina foi definida de maneira muito meiga pela crítica de cinema da Veja, Isabela Boscov, em uma resenha sobre o filme V de Vingança:
"Ninguém acusaria Thatcher de ser um doce-de-coco, mas o que ela fez não foi concentrar o poder do Estado, e sim enxugá-lo e estimular os ingleses (ainda que com aquela truculência que lhe era peculiar) a cuidar de sua própria vida. Quanto mais um cidadão depende do Estado financeiramente ou do ponto de vista das decisões, mais sujeito estará a ter de beijar a mão que o alimenta.".
No Estado Mínimo, o cidadão, como bem definiu Boscov, tem que cuidar da sua própria vida. Se ele quiser saúde, deve pagar um plano de saúde. Se quiser educação, deve pagar uma escola particular. Se quiser segurança, deve colocar grades em sua casa, instalar equipamentos defensivos e contratar um vigilante.
Para o Estado, restam apenas as responsabilidades de controle e fiscalização, representadas por instituições como o Procon (que fiscaliza as relações do consumidor com fabricantes e varejistas), a Aneel (que fiscaliza as empresas fornecedoras de energia) e o MEC (que fiscaliza as faculdades particulares).
No Brasil o Estado Mínimo foi implantado no governo Fernando Henrique Cardoso e continua em plena vigência no governo Lula.
Em conjunto com o Estado Mínimo, instala-se uma carga tributária cada vez mais agressiva, um leão voraz, que hoje abocanha 38% de tudo que é produzido no Brasil.
A situação é semelhante à de um patrão que paga um salário altíssimo para um funcionário, que decide tirar folga nos momentos em que mais se precisa dele. Como na parede há um cartaz "Não falte, ou seu patrão pode descobrir que você não faz falta", o dono da empresa raciocina que talvez esteja gastando demais com um funcionário tão relapso.
Da mesma forma, o cidadão deduz que, para custear um Estado Mínimo, que traz para si apenas as responsabilidades de fiscalização e controle, bastam os impostos que são pagos sobre as bebidas alcoólicas (83,07%) e cigarros (81,68%). E, da mesma forma que o Estado quer que o cidadão cuide sua própria vida, deveria também ele cuidar de sua própria vida.
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