Criador do controverso experimento da prisão em Stanford analisa situação no Iraque. Philip Zimbardo analisa como decisões políticas e escolhas individuais levaram a abusos.
Claudia Dreifus Do "New York Times"
As paredes da casa de Philip Zimbardo em San Francisco, na Costa Oeste americana, estão cobertas por máscaras cerimoniais vindas da Indonésia, da África e do Pacífico. A decoração casa bem com o trabalho desse psicólogo social, cujo foco de estudo são os disfarces que as pessoas usam para ocultar seus lados bons e maus, e em que condições esses disfarces são utilizados. Seu Experimento da Prisão de Stanford, conhecido como SPE nos manuais de ciência social, mostrou como o anonimato, o conformismo e o tédio podem ser usados para induzir comportamentos sádicos em estudantes de mente aparentemente sadia.
Recentemente, Zimbardo, de 74 anos, tem estudado como decisões políticas e escolhas individuais levaram a abusos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque. O caminho que o levou de Stanford para Abu Ghraib está descrito em seu novo livro, “The Lucifer Effect: Understanding How Good People Turn Evil” (O Efeito Lúcifer: Entendendo Como Pessoas Boas Ficam Más). “Sempre tive curiosidade sobre a psicologia da pessoa por trás da máscara”, diz Zimbardo ao mostrar sua coleção. “Quando alguém é anônimo, abrem-se as portas para todo tipo de comportamento anti-social, como vemos no caso da Ku Klux Klan [associação racista americana cujos membros usam capuzes].” Confira abaixo a entrevista concedida ao jornal "The New York Times".
Pergunta - Para quem nunca estudou o caso no primeiro ano do curso de psicologia, o sr. pode descrever o Experimento da Prisão de Stanford?
Philip Zimbardo – No verão de 1971, nós fizemos uma prisão de mentira na Universidade Stanford. Pegamos 23 voluntários e os dividimos aleatoriamente em dois grupos. Eram jovens normais, estudantes. Pedimos para que eles agissem como “guardas” ou “prisioneiros” num ambiente de prisão. O experimento devia durar duas semanas. No fim do primeiro dia, nada estava acontecendo. Mas, no segundo, houve uma rebelião de prisioneiros. Os guardas vieram me perguntar: “O que a gente faz?”. “A prisão é de vocês”, respondi, dizendo que só não podiam usar violência física. Os guardas, então, começaram logo a aplicar punições psicológicas, embora houvesse abuso físico também. Nos dias seguintes, os guardas foram ficando cada vez mais sádicos, negando comida, água e sono aos prisioneiros, atacando-os com extintores de incêndio, jogando os cobertores deles na lama, tirando as roupas deles e arrastando os rebeldes pelo quintal.
No fim, os guardas mandaram que os prisioneiros simulassem sodomia [sexo anal]. Por quê? Porque estavam entediados. O tédio é uma motivação poderosa para o mal. Não tenho idéia de quão piores as coisas poderiam ter ficado.
Pergunta - Como o sr. encerrou o experimento?
Zimbardo – Na quinta noite, uma ex-aluna minha de pós-graduação, Christina Maslach, passou por lá. Ela viu os guardas colocarem sacos na cabeça dos prisioneiros, acorrentar as pernas deles e fazê-los marchar de lá para cá. Chris saiu correndo e chorando. “Não sei se ainda quero ter alguma coisa a ver com você, se esse é o tipo de pessoa que você é”, disse ela. “É horrível o que você está fazendo com esses meninos.” Eu pensei, “Oh, meu Deus, ela está certa.”
Pergunta - No seu livro, senti uma certa culpa a respeito de ter organizado “o estudo mais anti-ético de todos os tempos”. É verdade?
Zimbardo – Quando olho para trás, penso: “Por que não parei a crueldade antes?”. Ficar de lado era totalmente contrário à minha educaçao e minha natureza. Quando eu fiquei de lado, como um cientista experimental que se recusava a interferir, eu fiquei, em certo sentido, tão sujeito ao poder da situação quanto os prisioneiros e guardas. Leia mais
Comentário: a situação é interessante para discutir a questão da neutralidade científica, tão propalada pelo positivismo. Existe neutralidade? Ser neutro, em determinadas situações, não é ser anti-ético?
Sem comentários:
Enviar um comentário