quarta-feira, novembro 18, 2009

Gógol: entre risos e lágrimas


Não, você provavelmente nunca leu uma obra de Gogol. Mas certamente conhece alguma de suas histórias. Afinal, são muitas as adaptações para cinema, televisão e quadrinhos. Eu mesmo cheguei fazer duas HQs baseadas em suas histórias: Fobia (baseada em O Nariz) e A Inspeção (baseada na peça O Inspetor Geral), ambas desenhadas por Bené Nascimento (a primeira foi publicada pela Nova Sampa, a segunda pela revista Calafrio). O grande destaque de Gogol se deve ao fato de ter sido o iniciador da moderna literatura russa, que nos legou nomes como Tcheckov, Tolstoi e Gorki.
Nicolai Vassilievitch Gogol nasceu em uma pequena província da Ucrânia, no ano de 1809. Até mesmo a data de seu nascimento é controversa: 19 de março no calendário russo e 31 de março no calendário ocidental. O pai era um fazendeiro que, ao contrário de seus vizinhos, tinha rudimentos de cultura artística. Gostava de ler e usava as horas vagas para escrever peças satíricas. Gogol herdou dele o gosto pela pena. E herdou da mãe a extrema religiosidade que o levaria à morte.
Desde criança, Gogol sempre foi estranho. Na escola era chamado de "anão enigmático" porque falava pouco e tinha dificuldade para se relacionar com colegas e professores. Como o apelido sugere, também era pequeno. Seu grande sonho era ir para São Petesburgo. Imaginava-se com um bom emprego, instalado em um quarto com vista para o rio Nieva. Depois da morte do pai, conseguiu finalmente realizar o seu sonho, que acabou parecendo mais com um pesadelo. Tudo o que conseguiu em São Petesburgo foi um emprego burocrático medíocre, um salário insignificante e um quarto a grande distância do rio Rio Nieva. Para sobreviver, era obrigado a pedir dinheiro à mãe.
Por esses tempos, teve sua primeira decepção literária e revelou uma característica que o acompanharia por toda a vida: Gogol dava mais atenção às críticas que aos elogios. Seu poema Hans Kuchelgarten foi tão mal recebido pela crítica que o escritor recolheu todos os exemplares e os queimou. Só voltaria a escrever mais tarde, empolgado com a efervescência literária da época.
Na Rússia de então, os intelectuais se dividiam em dois grupos. Um deles defendia a aproximação com a cultura ocidental e o outro estava preocupado com a preservação da cultura russa. Gogol era um simpatizante do segundo grupo. No interesse de resgatar as tradições de sua terra, ele escreveu alguns contos sobre a Ucrânia para revistas e publicou uma seleção deles. O livro se tornou extremamente popular, especialmente por seu humor, que fazia rir os funcionários da gráfica que o imprimia.
Foi nessa época que Gogol conheceu Punchin, o maior poeta russo do período. Punchin foi uma espécie de guru para o jovem Gogol. Gogol chegou a dizer que tudo que escrevia o fazia pensando no que Punchin pensaria, e duas de suas principais obras, Almas Mortas e O Inspetor Geral, surgiram a partir de idéias do poeta.
A trama da peça O Inspetor Geral era simples: as autoridades de uma pequena aldeia tomam conhecimento de que um inspetor do governo chegará incógnito em breve para investigar certos abusos. Por acaso, um aventureiro passa por ali e os poderosos do local, achando que ele é o inspetor, fazem de tudo para suborná-lo. Essa história já foi adaptada para a TV, para o cinema, para os quadrinhos e até na série alemã de ficção-científica Perry Rhodan.
A obra mais genial de Gogol, no entanto, foi escrita em 1842. Trata-se de uma novela com o singelo título de O Capote. É a história de um pobre funcionário público que, a grandes custos, conseguia comprar um novo capote e é roubado no mesmo dia em que o inaugura. Segue-se, então, uma via-crucis pela burocracia russa. Ao invés do capote, ele consegue apenas uma grande bronca de um alto funcionário, interessado em impressionar um amigo. Isso, unido a uma gripe que o pega por estar sem capote, e portanto, desprotegido do terrível frio de São Petersburgo, leva-o à morte. Seu fantasma então, passa a puxar o capote de todas as pessoas que se aventuram a sair à noite.
Como se vê, suas histórias eram simples, bobas até, como contos infantis. Nada de pretensões filosóficas ou pedantismo. Nosso escritor queria apenas contar histórias de seu país natal, o jeito de ser de sua gente, e talvez nisso resida o seu maior encanto. Suas histórias misturavam humor e tragédia naquilo que os críticos chamaram de risos entre lágrimas. Personagens como o funcionário publico de O Capote são ridicularizados, mas ao mesmo tempo, redimidos por sua humanidade.
Gogol se tornou imortal porque suas obras eram repletas de vida. Era a vida dos grandes heróis nacionais, como Taras Bulba, ou dos insignificantes funcionários públicos. Mas, apesar do sucesso, o escritor vivia entre anjos e demônios. Sempre ouvia mais as críticas do que os elogios. Quando a peça O Inspetor Geral estreou, os conservadores pediram a proibição da mesma, acusando o autor de ter caricaturado tanto o país quanto seus dirigentes. Gogol mergulhou em profunda depressão e viajou para a Europa.
Com o tempo, essas crises de depressão foram se tornando mais e mais freqüentes. No dia 11 de fevereiro de 1852, influenciado por um padre fanático, Gogol queimou todos os manuscritos da segunda parte de Almas Mortas e deitou para morrer. Não se alimentava, nem aceitava remédios. A 21 de fevereiro daquele ano, a Rússia perdeu um dos seus escritores mais queridos, o homem que abriu as portas para torná-la uma das capitais mundiais da literatura.

Nota: este ano comemoramos 200 anos do nascimento de Gógol.

1 comentário:

Ingrid da Silva Pinto disse...

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Abraços!